O salto (inútil) dos juros básicos e a tendência de baixa das commodities

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 20 de maio de 2022

A escalada dos juros, iniciada na segunda metade de março do ano passado, mostrou-se irrelevante, até aqui, para segurar a inflação, que tem subido por motivos que guardam baixa relação (ou quase nenhuma mesmo) com a demanda doméstica. Os preços têm reagido a pressões de custos vindos principalmente de fora, motivados pelo encarecimento de insumos e matérias-primas, pela descontinuidade imposta às cadeias globais de suprimento pela pandemia e recentemente agravada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, que fez crescerem as pressões sobre preços do petróleo, de fertilizantes, do trigo e óleos vegetais, entre outros itens.

A exemplo do que ocorre historicamente com todas as ondas altistas no mercado internacional, a maré de valorização das commodities tende a refluir em algum momento, desativando, em consequência, as pressões inflacionárias nas principais economias e também no Brasil. Nada a ver com “feitos” deste ou daquele governo. Trata-se de um movimento acionado pelos ciclos regularmente experimentados pela economia, de um lado, e pelo natural esvaziamento das altas de preços, vencidos os fatores que levaram àqueles aumentos, de outro. Além disso, o desaquecimento das economias no mundo todo tende a colaborar para um cenário de taxas de inflação mais baixas num horizonte de médio prazo.

Desta forma, o aumento histórico das taxas de juros básicos no Brasil, saindo de apenas 2,0% para os atuais 12,75% em pouco mais de um ano (e previsão de nova alta de meio ponto de porcentagem em junho, elevando a taxa básica para 13,25%), fará apenas agravar as distorções na economia, gerando pressões sobre o investimento privado, sobre os gastos das famílias, já envidadas em função do ciclo recente de aumento do crédito, sobre o desemprego e sobre a atividade econômica como um todo. Não bastassem os efeitos deletérios sobre a economia e a renda, o salto dos juros favorecerá mais uma rodada de concentração de riquezas ao favorecer o acúmulo de ganhos pelos participantes do cassino dos juros altos no País.

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Olhando adiante

No mercado internacional, anota Bráulio Borges, economista-sênior da área de macroeconomia da LCA e pesquisador-associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), as expectativas de consenso, considerando projeções de boa parte dos analistas internacionais, sugerem tendência de “quedas expressivas das cotações em dólares de boa parte das commodities entre hoje (maio de 2022) e o final do próximo ano”. As previsões da Focus Economics, atualizadas neste mês, antecipam quedas em torno de 19,0% e até um pouco mais para os preços do petróleo no mercado internacional, com tombos de 43,6% para o gás natural e de 26,9% para a gasolina até o trimestre final de 2023. Na área agrícola, os preços internacionais do milho, da soja e do trigo, ainda com base no consenso da rede de analistas, representando quase meia centena de instituições, captado pelo Focus Economics, sofreriam baixas de 27,3%, de 22,9% e de 30,3% respectivamente, com perdas de 28,1% para o café, de 34,3% para o algodão e de 17,0% para o açúcar. Os preços do minério de ferro, que lidera as exportações brasileiras para a China, tenderiam a encolher 33,6% entre o final de abril e o quarto trimestre do próximo ano.

Balanço

  • “Levando em conta essas projeções mais recentes para os preços das commodities no mercado internacional, bem como uma cotação do dólar estável em R$ 5,00 entre hoje e o final de 2023”, escreve Borges em recente publicação no Blog do Ibre, o modelo trabalhado pelo economista “aponta variações do IPA-DI (Índice de Preços no Atacado da FGV) de +5,8% em 2022 e de -8,1% em 2023, vindo de +20,6% em 2021 e de +14,5% nos 12 meses encerrados em abril deste ano”.
  • Modelos sempre podem ser contestados, desde que essa contestação considere argumentos razoáveis e alguma lógica. As projeções do economista podem parecer de certa forma otimistas, considerando-se a enorme dificuldade de antecipar como deverá ser o comportamento futuro do mercado de dólar, especialmente quando se considera o acúmulo de incertezas em escala crescente diante de um período eleitoral que já se inicia conturbado, para recorrer a um adjetivo recentemente utilizado pelo desarrazoado que desgoverna o País.
  • O efeito baixista sugerido pelo consenso dos analistas internacionais, portanto, teria potencial para reduzir as pressões de custos enfrentadas pela economia, reduzindo os preços no atacado. E isso, ao que adiante Borges, teria impactos também na ponta do consumo, ajudando a derrubar a inflação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
  • Borges definiu, na sequência, dois outros modelos macroeconômicos para aferir os impactos daquela tendência sobre os chamados preços livres e aqueles administrados, dentro do IPCA, considerando ainda alguma defasagem na transmissão de altas e baixas de preços no atacado para os índices de preços ao consumidor. Os modelos levam em conta ainda níveis de precipitação pluviométrica em todo o País (o que pode de fato afetar, por exemplo, os preços dos alimentos para cima ou para baixo), mudanças na composição do consumo das famílias entre 2012 e 2020, o quadro de desemprego no País e variações do real em relação ao dólar e à moeda chinesa.
  • “Esses modelos apontam alta do IPCA de 8,7% em 2022, com 9,4% de alta para os preços livres e de 6,8% para os administrados”, aponta Borges, apontando que suas conclusões se aproximam do que hoje parece ser o consenso do mercado financeiro em relação à inflação do corrente ano.
  • Para 2023, no entanto, as conclusões autorizadas pelos modelos trabalhados por Borges divergem expressivamente das projeções que refletem o consenso dos mercados, que trabalham com a expectativa de um IPCA de 4,5% para o próximo ano. “Esse meu exercício indica uma variação de 2,7% (para o IPCA de 2023), com alta de 3,6% dos preços livres e de 0,2% dos administrados”, registra o economista, o que significaria uma inflação abaixo da meta de 3,25% fixada pelo Banco Central (BC) para o ano que vem.
  • Tudo somado, o mercado financeiro pode estar mais uma vez exagerando em suas previsões inflacionárias, o que não seria surpresa alguma, que podem levar o BC a trabalhar com juros excessivamente elevados, produzindo um choque ainda mais negativo sobre a atividade econômica e sobre o emprego.