Coluna

O superministro, sua pilha de cadáveres, assalto aos cofres públicos e manipulação

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 19 de maio de 2020

O
mesmo superministro que acusa governadores, deputados e senadores de se
aproveitarem das pilhas de cadáveres para “assaltar” o Tesouro não teve o menor
pudor ao autorizar a distribuição de trilhões de reais aos bancos a pretexto de
“reforçar a liquidez” no setor financeiro. Pilhas que vão se acumulando em todo
o País, vale dizer, pela desorganização promovida pelo governo que representa quando
se trata de enfrentar do novo coronavírus. Paulo Guedes antecipou que o governo
não pretende ir além das medidas emergenciais já anunciadas, com prazo de
validade fixado em apenas três meses, quando se sabe que a pandemia deverá ter
duração muitas vezes maior, com impactos proporcionais sobre a vida das
famílias e das empresas.

Fica
assim combinado que o Banco Central (BC) pode emitir moeda (sim, é disso que se
trata a despeito da retórica “sofisticada” dos economistas) para socorrer os
bancos, mas não pode emitir quando se trata de socorrer famílias, empresas,
especialmente micro, pequenas e médias, Estados e municípios, onde as mortes
vão se acumulando. O BC está autorizado, desde março, a recomprar títulos em
poder dos bancos e a realizar operações semelhantes com o objetivo de injetar
nas carteiras do sistema financeiro algo como R$ 1,2 trilhão, perto de 16,7% do
Produto Interno Bruto (PIB).

A
grana preta não será destinada a turbinar o crédito no País, mas voltará aos
cofres do BC sob a forma de reservas bancárias, um dos componentes da tal “base
monetária” (que inclui ainda o papel moeda em poder do público). Dito de forma
muito mais clara, o BC estará emitindo moeda para que os bancos não sejam
atingidos pela falta de dinheiro na economia, enquanto o presidente tresloucado
declara guerra a governos estaduais e conclama empresários a se unirem em sua
cruzada contra governadores, enquanto as pilhas de cadáveres se avolumam.

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Atropelado pela
realidade

Parece
um tanto óbvio, bem, pelo menos para a maioria, que uma interferência mais
eficiente, baseada em planejamento, com coordenação e organização, poderia
amenizar a curva da contaminação e evitar mortes. Até aqui, o governo federal
prometeu em torno de R$ 522,1 bilhões para socorrer empresas e as famílias,
qualquer coisa próxima a 7,19% do PIB, na consolidação realizada pelo
economista Manoel Pires, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (Ibre/FGV). O volume impressiona, de fato, e se aproxima do que
as principais economias anunciaram para enfrentar a pandemia. Mas terá que
certamente ser ampliado mais adiante, senão por decisão do atual superministro,
por uma imposição da realidade. Por enquanto, Guedes resiste, amarrado a dogmas
fiscalistas e a teorias monetárias ultrapassadas.

Balanço

·  
O
que impede o BC de emitir moeda para financiar o socorro emergencial à
população? Claro, a legislação em vigor impede que a autoridade monetária
financie despesas do Tesouro. Mas o governo já alterou a Constituição inúmeras
vezes e esse não parece ser um obstáculo real.

·  
Em
outros tempos, quando o País vivia total descontrole inflacionário e crises
recorrentes de falta de dólares, a emissão de moeda era sim um problema, ao
criar desequilíbrios entre demanda e oferta, pressionando assim os preços em
geral. A falta de dólares, por sua vez, fazia o câmbio explodir, realimentando
a inflação.

·  
Considerem,
raras leitoras e raros leitores, a situação atual na economia brasileira. O
dólar explodiu, acumulando salto acima de 50% neste ano. A crise trazida pela
pandemia, com impactos sobre a produção e a demanda, tem impedido que a
maxidesvalorização sofrida pelo real chegue aos preços. A taxa de inflação
acumulada em 12 meses estava em 2,40% até abril, abaixo do piso da meta
inflacionária definida para este ano (2,50% ao ano).

·  
E
os preços mantiveram a tendência de queda em maio. O Índice de Preços ao
Consumidor Semanal (IPC-S), da FGV, ficou negativo em -0,53% nas quatro semanas
encerradas no dia 15 de maio. Na prática, seria preciso injetar estímulos
adicionais na economia apenas para manter a inflação dentro da faixa de
flutuação estabelecida pela política de metas inflacionárias. Do contrário, o
BC estaria descumprindo seu papel.

·  
Além
disso, o BC sustenta hoje reservas internacionais na faixa de US$ 343,28
bilhões, com folga suficiente para enfrentar turbulências nesta área. No
limite, a equipe econômica ainda teria a sua disposição ferramentas que
permitiriam controlar temporariamente a saída de dólares do País, a exemplo do
que fez Cingapura quando sua economia entrou em crise no final dos anos 1990.

·  
A
emissão de moedas, além do mais, teria custo zero para o Tesouro, já que não
levaria a uma elevação do endividamento federal e não demandaria o pagamento de
juros, como ocorre com a emissão de títulos da dívida federal. A quem se
interessar pelo assunto, a coluna sugere a leitura do artigo do economista
André Lara Rezende, um dos formuladores do Plano Real, na edição de domingo da
Folha de S.Paulo (17/05/20).

·  
“A
covid vem ganhando pontos sistematicamente por aqui, na medida em que o
isolamento social vai perdendo para a irresponsabilidade do governo federal. As
situações de ‘lockdown’ (fechamento total) vão se
acumulando pelo País no ritmo do esgotamento da capacidade de atendimento
hospitalar”, afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista chefe do Banco
Fator.