Os juros, nas nuvens. E entrada de dólares no mercado de dívida dispara

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de maio de 2023

A política de juros do Banco Central (BC) vem transformando o mercado brasileiro num verdadeiro paraíso da especulação global, acelerando a entrada de dólares de investidores interessados unicamente nos ganhos de curto prazo proporcionados pelas taxas abusivas praticadas no País, enquanto os investimentos estrangeiros aqui dentro encolhem diante das expectativas de baixo crescimento ao longo deste ano. Como reflexo da política monetária em curso, a entrada de dólares no mercado brasileiro de títulos de dívida experimentou salto de 52,8% nos quatro primeiros meses deste ano, saindo de US$ 17,330 bilhões no mesmo período do ano passado para US$ 26,481 bilhões neste ano – ou seja, US$ 9,151 bilhões a mais.

No mercado de dívida, são negociados títulos emitidos pelo governo, estatais e por empresas privadas, vendidos a investidores em troca do pagamento de juros pelos emissores em operações geralmente de prazo mais curto. Portanto, são aplicações que passam a atrair investidores em escala crescente na mesma medida do avanço dos juros. As movimentações nesse mercado, incluindo operações de compra e venda, geraram a entrada líquida de US$ 3,852 bilhões no primeiro quadrimestre, o que significou uma reviravolta de praticamente US$ 13,755 bilhões, já que, nos mesmos quatro meses de 2022, o mercado de títulos de dívida havia registrado a saída de US$ 12,960 bilhões.

Ao mesmo tempo, o investimento estrangeiro direto no País sofreu tombo de 28,19% no acumulado entre janeiro e abril deste ano, diante de igual período do ano passado. Segundo dados do BC, empresas e grupos multinacionais deixaram de investir aqui dentro perto de US$ 9,544 bilhões, já que os investimentos realizados despencaram de US$ 33,857 bilhões para US$ 24,313 bilhões, acompanhando a tendência de encolhimento registrada pelos investimentos em geral em todo a economia. Basicamente, a queda estaria relacionada às perspectivas de mais um ano de crescimento medíocre, como resultado direto da política de arrocho adotada pelo BC a partir de meados de março de 2021.

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Os dados desagregados mostram que a queda foi influenciada principalmente pela retração de 29,03% dos investimentos em participação no capital, que baixaram de US$ 29,301 bilhões para US$ 20,795 bilhões na comparação entre o primeiro quadrimestre do ano passado e idêntico período deste ano, numa perda de US$ 8,506 bilhões. As transações entre companhias de um mesmo grupo, que podem ou não refletir investimentos de fato, anotaram baixa de 22,78%, já que esse tipo de operação foi reduzido de US$ 4,556 bilhões para US$ 3,518 bilhões (quer dizer, US$ 1,038 bilhão a menos).

Balanço

  • A redução observada no investimento estrangeiro direto no País, de toda forma, não tem sido um fator de risco para as contas externas, até mesmo porque o déficit na conta de transações correntes, que agrega as relações do País com o resto do mundo, continuava em queda até abril deste ano. Mais relevante, o valor do investimento continua superando com alguma folga o tamanho do déficit, o que permite seu financiamento pelo País sem maiores dramas.
  • O investimento direto acumulado em 12 meses até abril deste ano atingiu perto de US$ 81,958 bilhões, o que supera em 51,2% o déficit de US$ 54,208 bilhões registrado em idêntico período. Dito de outra forma, o valor investido por estrangeiros no Brasil entre maio de 2022 e abril deste ano seria suficiente para cobrir todo o rombo na conta de transações correntes, deixando uma “sobra” de US$ 27,750 bilhões, qualquer coisa em torno de 1,41% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado em dólares pelo BC.
  • Embora a tendência recente aponte uma retração do investimento, a comparação tomando-se os mesmos períodos de 12 meses continuava favorável até abril deste ano. Até abril do ano passado, para o mesmo intervalo, o investimento havia alcançado US$ 54,314 bilhões, indicando uma elevação de 50,90% quando considerado o dado acumulado nos 12 meses finalizados em abril deste ano. Esse crescimento, no entanto, havia sido de 93,7% na comparação entre janeiro de 2023 e o primeiro mês de 2022 (sempre tomando os investimentos realizados ao longo de 12 meses).
  • Considerando que o fluxo investido por estrangeiros no Brasil entre fevereiro de 2022 e janeiro deste ano havia alcançado US$ 93,275 bilhões, a diferença em relação ao déficit em transações correntes chegava a 64,6%, ou seja, o investimento havia sido US$ 36,609 bilhões mais elevado do que o déficit corrente, na faixa de US$ 56,666 bilhões.
  • Neste ano, o déficit vem caindo e, ao contrário do comportamento observado num período anterior, as reservas internacionais voltaram a avançar. Entre janeiro e abril deste ano, o rombo em transações correntes ficou acumulado em US$ 13,678 bilhões, numa redução de 16,94% diante do déficit de US$ 16,468 bilhões registrado nos quatro meses iniciais do ano passado. A redução veio principalmente como resultado de um crescimento de 28,58% no saldo entre exportações e importações de bens, que avançou de US$ 15,119 bilhões para US$ 19,440 bilhões entre o primeiro quadrimestre do ano passado e igual período deste ano.
  • O déficit entre exportações e importações de serviços caiu 13,2% entre os mesmos períodos, saindo de US$ 11,890 bilhões para US$ 10,323 bilhões (em torno de US$ 1,567 bilhão a menos). Com a normalização dos fluxos comerciais e solucionados aparentemente os gargalos logísticos criados inicialmente pela pandemia e, em seguida, pela guerra entre Rússia e Ucrânia, as despesas com transportes sofreram baixa de 24,12%, encolhendo de US$ 5,796 bilhões para US$ 4,398 bilhões.
  • As reservas internacionais, que haviam despencado 10,35% entre dezembro de 2021 e o mesmo mês do ano seguinte, registraram alguma recuperação neste ano, avançando 6,47% entre o final de 2022 e abril deste ano, para US$ 345,725 bilhões. Mesmo assim, o saldo das reservas mantinha-se US$ 16,479 bilhões abaixo do valor alcançado em dezembro de 2021, na faixa de US$ 362,204 bilhões, num recuo ainda de 4,55% nessa comparação.