Coluna

Os “países que não existem”, mas disputam as Olimpíadas

Publicado por: Marcelo Mariano | Postado em: 02 de agosto de 2021

Marcelo Mariano*

O Kosovo não faz parte da ONU, mas está no COI e, dessa forma, pode participar das Olimpíadas como um país | Foto: Reprodução/Twitter

Imagine conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas e, na hora em que você sobe ao pódio, o hino que gostaria de escutar é outro. Agora pare de imaginar. Isso aconteceu nos Jogos de Tóquio. Afinal, no esporte, as fronteiras nem sempre são as mesmas da política.

Um país é considerado independente, segundo o direito internacional, se tiver no mínimo três características: população, governo e território. Além disso, é necessário reconhecimento pela comunidade internacional.

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São muitos os casos de “países que não existem”, para pegar emprestado um termo do livro “Uma viagem pelos países que não existem”, de Guilherme Canever.

Em outras palavras, o “país” às vezes consegue reunir uma ou duas das características citadas, mas não as três. E, quando  eventualmente consegue as três, não tem amplo reconhecimento internacional, como o Kosovo, que busca independência da Sérvia.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) tem autonomia para aceitar “países que não existem”. O COI, aliás, tem 202 membros, mais do que a Organização das Nações Unidas (ONU), com 193. O Kosovo não faz parte da ONU, mas está no COI e, dessa forma, pode participar das Olimpíadas.

A propósito, no momento em que escrevo estas palavras (noite de domingo, 1º de agosto), o Kosovo tem duas medalhas de ouro, o mesmo número do Brasil. No entanto, o caso do hino mencionado no primeiro parágrafo é de um outro “país que não existe”.

Na segunda-feira, 26 de agosto, Edgar Cheung derrotou o italiano Daniele Garozzo e conquistou o ouro na esgrima. Ele é de Hong Kong, território que faz parte do COI e, na prática, pertence à China, mas ainda tem alguma autonomia e vê um sentimento independentista cada vez maior.

Cidadãos de Hong Kong comemoraram bastante o ouro de Cheung, o primeiro deste “país que não existe” desde as Olimpíadas de Atlanta, em 1996. O que muitos não comemoraram foi o hino da China, que tocou enquanto o esgrimista ocupava o lugar mais alto do pódio.

Vídeos nas redes sociais mostram vaias e gritos separatistas em lugares públicos, o que levou a uma investigação da polícia e até mesmo uma prisão por “incitação ao ódio e politização do esporte”. Nos últimos tempos, vale dizer, a China tem aumentado o controle no território.

Por fim, uma curiosidade. Nas Olimpíadas de 1996, Hong Kong ainda era uma colônia britânica. A China só retomou o seu controle, perdido durante a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), um ano depois. Logo, em Atlanta, o hino que acompanhou o ouro de Hong Kong foi “God Save the Queen”, do Reino Unido.

*Assessor internacional da Prefeitura de Goiânia, vice-presidente do Instituto Goiano de Relações Internacionais (Gori) e autor do livro “Introdução ao Oriente Médio: um guia em dez perguntas sobre uma das regiões mais importantes e complexas do mundo”. Escreve sobre política internacional às segundas-feiras.