Coluna

Pacote de socorro do governo inclui apenas 39% de recursos de fato novos

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 15 de abril de 2020

Numa
atualização das medidas adotadas pelo governo para combater a crise gerada pelo
coronavírus, publicada na segunda-feira pelo Observatório de Política Fiscal, o
economista Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da
Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), mostra que apenas 39,1% dos recursos
anunciados correspondem de fato à injeção de “dinheiro novo” na economia. O
“pacote” total, entre antecipações de despesas, adiamento de impostos e
contribuições, desonerações, remanejamento de recursos já incluídos no
orçamento deste ano, novas despesas, créditos que embutem alguma forma de subsídio
do Tesouro e ajuda a Estados e municípios, envolve um valor considerável, algo
como R$ 568,6 bilhões, algo como 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB).

Aquele
valor já considera perto de R$ 82,0 bilhões referentes ao adiamento no
pagamento do PIS/Cofins e da contribuição patronal à Previdência por dois meses
– medida ainda a ser submetida ao Congresso – e a criação de uma linha de
crédito com recursos dos fundos constitucionais a juros de 2,5% ao ano, já
regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), estimada em R$ 20,0
bilhões.

Excluídas
as antecipações de despesas e remanejamento de recursos, a exemplo das
transferências dos fundos PIS/Pasep para o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), e a ampliação no prazo para empresas recolherem tributos (entre
dois e três meses), a injeção de novos recursos fiscais somava, até ali, perto
de R$ 222,4 bilhões, algo como 3,1% do PIB. As medidas na área de crédito, num
total de R$ 153,2 bilhões, perto de R$ 91,0 bilhões serão de fato destinados ao
setor privado por meio de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e dos fundos constitucionais regionais, o que
representa apenas 1,3% do PIB.

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“No
caso das medidas fiscais, é possível perceber a importância das antecipações de
gastos e postergações de receitas que respondem por quase metade do pacote
fiscal como um todo (54% do total de 5,7% do PIB)”, anota Pires. Ainda de
acordo ele, “em linhas gerais, as medidas fiscais anunciadas (entre gastos e
desonerações) e em vias de implementação pelo governo brasileiro se aproximam
do que se observa em outros países desenvolvidos”. Mas as medidas lastreadas na
concessão de créditos “continuam aquém do que é necessário para evitar que as
empresas, principalmente as pequenas, se estrangulem financeiramente”.

Quase lá

Na
comparação com outros países, incluindo agora também Chile, Índia e Argentina,
que não haviam sido considerados em relatórios anteriores do Observatório de
Política Fiscal do Ibre, o pacote brasileiro aproxima-se ou mesmo supera, como
proporção do PIB, a ajuda providenciada pelo Chile (6,7%), Austrália (7,2%),
Nova Zelândia (7,5%) e Japão (8,2%). Com pelo menos uma ressalva, aponta o
economista: o governo japonês anunciou uma ampliação de seu pacote de socorro à
economia para 20% do PIB, ainda não devidamente detalhado e por isso não
incluído na relação preparada por Pires.O Chile dobrou o tamanho da ajuda com
um novo pacote, já considerado no levantamento atual. Alemanha, Itália,
Espanha, Reino Unido, França e Canadá deverão gastar no combate à
“coronacrise”, pela ordem, 35,7%, 21,1%, 18,8%, 17,3%, 15,1% e 12,1% do PIB.
Nos Estados Unidos, o pacote de medidas corresponde a 9,5% do PIB.

Balanço

·  
A
relação incluí as medidas já anunciadas e detalhadas pelos governos, sem desconsiderar
a possibilidade, sempre presente, de que os recursos mobilizados pelos governos
contra a crise possam ainda ser ampliados, a depender da duração e intensidade
da pandemia em cada país.

·  
Pires
ressalta, ainda, que a metodologia adotada para fazer esse acompanhamento
considera “a implementação de medidas fiscais (gastos diretos do setor público,
desonerações de impostos) e para-fiscais” (as operações de crédito, com
garantia e subsídio do Tesouro, por exemplo), e não envolve políticas adotadas
pelos bancos centrais.

·  
No
caso do BC brasileiro, as medidas de reforço da liquidez nos bancos, entre
liberação de parte dos depósitos compulsórios e empréstimos lastreados em
títulos públicos e privados, atingiram qualquer coisa próxima a R$ 1,218
trilhão (16,7% do PIB). O objetivo aqui é evitar que uma crise financeira venha
a se somar à crise no lado real da economia, o que causaria estragos ainda mais
extensos.

·  
A
ajuda a Estados e municípios, que ainda tem gerado controvérsia e não havia
sido aprovado pelo Congresso, é estimada em R$ 88,2, bilhões, dos quais R$ 62,2
bilhões (70,5%) dizem respeito à suspensão do pagamento de dívidas com a União,
renegociação de dívidas com bancos públicos e novas operações de crédito.

·  
Pires
destaca que, no levantamento feito até aquele momento, o Brasil era o único a
oferecer ajuda aos Estados e municípios “por meio de endividamento” – um dos
pontos criticados pelos economistas. “A regra geral (no restante dos países) é realizar
transferências diretas”, acentua ainda.

·  
Nas
contas de Pires, o impacto efetivo sobre o resultado primário do Tesouro tende
a somar R$ 244,7 bilhões, em torno de 43% do pacote total (em torno de 3,4% do
PIB).

·  
Em
sua estimativa mais recente, o Instituto Fiscal Independente (IFI), ligado ao
Senado, estima um “impacto fiscal” das medidas em R$ 282,2 bilhões (3,9% do
PIB), o que deverá contribuir para elevar o déficit primário do Tesouro
(excluídos os gastos com juros) para R$ 514,6 bilhões neste ano, perto de 7,0%
do PIB. Esse tipo de conta terá que ser feita depois de encerrada a crise,
quando o País terá que discutir que caminhos vai escolher para enfrentar o
déficit. A prioridade hoje é salvar vidas.