Pagamento de juros pelas famílias bate recorde e supera R$ 161,0 bi

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de fevereiro de 2023

A política tresloucada de juros altos, que tendem provavelmente a ser mantidos em 13,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), em decisão a ser anunciada ao final desta quarta-feira, continua a corroer os rendimentos das famílias, reduzindo sua capacidade de consumir bens, mercadorias e serviços. Como esperado, os juros estratosféricos têm cumprido seu papel de segurar o consumo, esfriar a atividade econômica e, portanto, de avanço do emprego, esvaziar as possibilidades de crescimento e ainda desestimular o investimento. Tudo a pretexto de segurar aumentos de preços e conter uma inflação gerada basicamente por pressões de custos (e não por conta de um aquecimento “excessivo” da economia). Os gastos com a dívida já superam R$ 161,0 bilhões.

Os dados mais recentes do BC confirmam esse cenário, quando se analisam as séries estatísticas sobre a chamada “renda nacional disponível bruta” das famílias. Esse conceito contempla salários dos trabalhadores, dividendos e outras rendas recebidos por donos de empresas, rendimentos de aluguéis, juros e demais rendimentos de aplicações financeiras, aposentadorias, pensões e benefícios do sistema nacional de assistência social, como os benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia e Bolsa Família (hoje Auxílio Brasil), além de transferências eventuais de renda, a exemplo do auxílio emergencial. Depois de somar todos aqueles valores, o BC desconta os valores pagos pelas famílias a título de imposto de renda e impostos sobre o patrimônio (como IPTU e ITR), as contribuições para a Previdência e transferências de renda feitas pelas famílias para outras instituições e para fora do Brasil.

De acordo com o BC, em novembro do ano passado, dado mais recente disponível, as famílias destinaram perto de 28,21% da renda média trimestral disponível para o pagamento de juros e amortizações de dívidas, o que se compara com 26,40% no mesmo mês de 2021 e 21,60% em novembro de 2020. O percentual registrado em novembro passado foi o mais elevado da série histórica da autoridade monetária, iniciada em 2005. Apenas como referência, em março daquele ano, a renda familiar comprometida com juros atingia 16,99% – a relação mais baixa em toda a série.

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Endividamento elevado

O endividamento total das famílias, considerando a relação entre dívidas e o rendimento disponível bruto acumulado em 12 meses, recuou levemente entre julho e novembro do ano passado, saindo de 50,09% para 49,47%, nível não muito distante dos 49,20% registrados em novembro de 2021. Mas acima dos níveis observados em 2019 e 2020, quando aquele percentual havia alcançado 41,54% e 40,88% respectivamente, sempre considerando o mês de novembro. No primeiro mês da série histórica, em janeiro de 2005, o percentual do endividamento variava em torno de 16,51%. O crédito ampliado contratado pelas famílias, nas estatísticas do BC, acumulava crescimento de 17,69% na comparação entre novembro de 2021 e igual mês de 2022, saindo de R$ 2,884 trilhões para R$ 3,394 trilhões.

Balanço

  • Em dezembro, o crédito ampliado elevou-se para R$ 3,421 trilhões, variando 0,8% no mês e 16,75% frente ao último mês de 2021. Comparado ao Produto Interno Bruto (PIB), esse tipo de crédito saiu de 32,9% no fim de 2021 para 34,8% em dezembro de 2022, nível mais elevado da série. O crédito ampliado inclui outras formas de dívida além daquelas relacionadas a empréstimos e financiamentos bancários, cartão de crédito e outras modalidades oferecidas pelo sistema financeiro, a exemplo do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), além de empréstimos tomados fora do País, num retrato ampliado do endividamento das famílias e também das empresas.
  • O recuo modesto na relação entre crédito ampliado e rendimento disponível bruto das famílias entre julho e novembro do ano passado explica-se em parte pelo curtíssimo período de inflação negativa, registrado entre julho e setembro. Essa tendência inflacionária, como se sabe, foi revertida a partir de outubro e as taxas de inflação têm se mantida ao redor de 0,50% a 0,60% ao mês desde o final do ano passado, ao mesmo tempo em que o saldo do crédito ampliado manteve-se em ascensão – o que deve trazer alguma piora nos indicadores de endividamento.
  • A comparação entre o índice de comprometimento da renda familiar com o pagamento do serviço da dívida (juros mais amortizações) e a própria renda bruta disponível, na média trimestral, ambos informados pelo BC, permite estimar, grosso modo, quanto as famílias têm gasto com juros.
  • Nessa conta, que considera a renda média trimestral atualizada com base na inflação e expurgada de fatores sazonais, a despesa com juros registrou aceleração no seu ritmo de crescimento, até porque os juros subiram muito. Entre novembro de 2019 e o mesmo mês de 2020, o gasto havia recuado de R$ 130,746 bilhões para R$ 119,224 bilhões, numa queda de 8,8%. Mas cresceu 14,6% até novembro de 2021, alcançando R$ 136,625 bilhões. No mesmo mês do ano passado, essa despesa já somava R$ 161,315 bilhões, aumentando 18,1% em termos reais.
  • A taxa média dos juros para pessoas físicas, considerando as modalidades de crédito livre e direcionado, avançou de 28,6% em dezembro de 2021 para 35,6% ao ano em igual mês do ano passado. Considerando apenas o segmento de crédito livre, os juros subiram de 34,7% para 42,6%.
  • O encarecimento do crédito, de outro lado, agravou a inadimplência das pessoas físicas. O percentual de pagamentos em atraso frente ao saldo das operações de crédito no segmento livre avançou de 4,40% para 5,90% entre o mês final de 2021 e igual período do ano passado.