País troca crescimento de prazo mais longo por “voo de galinha” neste ano

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de agosto de 2022

As projeções para o desempenho da economia brasileira em 2022 saíram de níveis minúsculos no começo do ano, quando a expectativa dos mercados indicava variação ao redor de 0,3%, para alguma coisa em torno de 2,0%, ao mesmo tempo em que as previsões para 2023 desabaram de 1,80% para alguma coisa próxima a 0,41% segundo a edição mais recente do relatório Focus. Na visão dos mercados, o País teria trocado a possibilidade de algum crescimento, ainda que modesto, num horizonte um pouco mais largo de tempo, por uma aceleração mais acentuada no curtíssimo prazo e de duração limitada – com propósitos nitidamente eleitoreiros, acrescente-se.

“Boa parte do mercado avalia que a surpresa favorável de crescimento do PIB em 2022 constitui uma espécie de ‘voo de galinha’, uma vez que quase toda a melhora nas expectativas para a atividade agregada neste ano está sendo ‘compensada’ com uma deterioração das projeções para 2023 e para 2024”, considera o economista Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em nota publicada recentemente no Blog do Ibre. “As perspectivas para o PIB brasileiro para os próximos anos se deterioraram de forma bastante significativa desde o final do ano passado, passando a prever, pela primeira vez em muito tempo, uma virtual ausência de convergência em relação às economias mais avançadas”, escreve Borges.

Essa “reavaliação expressiva das perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)” ao longo deste ano, prossegue Borges, segue na “contramão das projeções para a economia mundial”, que vêm murchando em função da alta da inflação e dos juros e de incertezas em relação às duas maiores economias do planeta, a saber, Estados Unidos e China. No começo do ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a antecipar uma estimativa de crescimento na faixa de 4,4% para a economia global, número revisado em julho para 3,2% (o que significa, como mostra a matemática, uma redução de 1,2 ponto de porcentagem, uma revisão nada desprezível).

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Fatores aleatórios

Na avaliação do economista, entre outros fatores, a melhoria nos índices de precipitação desde outubro do ano passado, que parece ter retirado do cenário “o risco de racionamento compulsório de energia elétrica”, bastante presente durante 2021, e “a alta nos termos de troca brasileiros”, promovida pela escalada nos preços das commodities agrícolas e metálicas no curso da guerra entre Rússia e Ucrânia, parecem ter contribuído para “essa melhoria relevante do cenário de crescimento do PIB brasileiro em 2022”. Ressalte-se que nenhum daqueles fatores guarda a mais ligeira conexão com a política econômica tocada drástica e erraticamente pelo ministro dos mercados e dos paraísos fiscais.

Balanço

  • Como detalha Borges, entre outubro do ano passado e abril deste ano, o volume das precipitações esteve muito próximo da média histórica, ao contrário do que ocorreu entre 2012 e 2021, elevando os reservatórios destinados à geração de hidroeletricidade para os níveis mais elevados desde 2011 ou 2012. Parte desse ganho veio porque a participação das fontes de geração eólica e fotovoltaica avançou de forma expressiva, saindo de 0,9% em 2012 para 3,7% em 2015 e 8,6% em 2018 até atingir 13,6% em 2021.
  • Além daqueles dois fatores, o economista identifica um terceiro, constituído de um “impulso fiscal e parafiscal altamente expansionista”. Na primeira categoria, incluem-se as medidas de aumento de gastos patrocinadas por um desgoverno que muito seriamente teme não se manter no poder após dezembro deste ano, com elevação temporária do chamado Auxílio Brasil (Bolsa Família, na denominação anterior), criação do “vale gás”, do auxílio caminhoneiro, expansão do “orçamento secreto” destinado abertamente à compra de votos, redução e isenção de impostos.
  • No segundo grupo, incluem-se a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas, que apenas deslocou o incremento esperado para a demanda do quarto para o segundo e terceiro trimestres deste ano, a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e a ampliação do crédito consignado para usuários de benefícios de prestação continuada, destinados a idosos muito pobres e pessoas com deficiência, e do Auxílio Brasil – sem limites de juros.
  • Esse terceiro fator, acrescenta Borges, “tem sido alimentado pelo ciclo político-eleitoral federal, em um contexto no qual o incumbente, que busca a reeleição, está em grande desvantagem segundo boa parte das pesquisas de intenção de votos”.
  • A questão é que esse conjunto de medidas, critica o economista, “tem sido implementado de forma bastante açodada, atropelando regras e instituições eleitorais e fiscais, além de se amparar em um diagnóstico bastante questionável (de que teria havido uma elevação estrutural da arrecadação tributária da União e dos governos regionais, sem que nenhuma decisão de aumento de alíquotas e/ou de ampliação de bases de incidência tenha sido tomada recentemente)”.
  • Os ganhos de arrecadação observados ao longo deste ano guardam relação com a forte valorização das commodities, especialmente no caso do petróleo, e a ganhos receitas brutas associadas à extração de recursos naturais (minério de ferro e, mais uma vez, petróleo). A despeito dos ganhos observados, essas receitas, comenta Borges, “são altamente voláteis”.
  • “Seria o Brasil, e particularmente a política econômica doméstica dos últimos anos, um “caso de sucesso” inquestionável, tendo como pano de fundo um quadro global cada vez mais anuviado?”, questiona, para responder na sequência: “Na medida em que boa parte da melhora de 2022 tem se dado às custas de 2023 e 2024 (seja pelas incertezas fiscais crescentes, seja por conta de políticas que geram alguma antecipação de consumo e investimentos), é recomendável alguma cautela ao associar os bons resultados em termos de PIB e emprego deste ano a uma política econômica doméstica exitosa (consistente e sustentável).”