Pensamento de Janot está em sintonia com discurso de políticos

Publicado por: Venceslau Pimentel | Postado em: 29 de setembro de 2019

A revelação do
ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, de entrar armado no Supremo
Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e depois cometer
suicídio, é o desdobramento da campanha armamentista que se instala no Brasil.
Com o aval, é claro, do maior representante desta Nação, o presidente Jair Bolsonaro
(PSL). Era impensável, mesmo há poucos anos, que um jurista ousasse a assumir
publicamente que justiça, em muitos casos, se faz com as próprias mãos.

Rodrigo Janot, em seu livro de
memórias, vislumbra a realidade que já é praticada nas ruas pobres do País.
Sobretudo àquelas em que quem devia zelar pela segurança dá liberdade para
“mirar na cabecinha e fogo”. A lembrança de Janot ecoa os 80 tiros que mataram
um músico no Rio de Janeiro. E reflete a bala apressada que acertou a menina
Ághata nas costas. E as que encontraram Kauê, Kauã e Kauan. KKK, aqui, lembra
um fim sangrento e avalizado pelos atos de políticos brasileiros.

Na última quinta-feira (26),
enquanto o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) publicava uma foto com o
gesto de ‘arminha’ em frente à escultura ‘não-violência’,
da Organização das Nações Unidas (ONU), alguns de seus correligionários
cumpriam agenda em uma das principais fabricantes de arma do mundo. Cinco
deputados do partido visitaram as instalações da Taurus em São Leopoldo, região
metropolitana de Porto Alegre. Tudo, claro, bancado pela indústria.

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Os escolhidos defendem, na Câmara
dos Deputados, o direito do cidadão se armar. A pauta interessa diretamente às
empresas do ramo, sedentas por ampliar os seus lucros. A Taurus, que abriu as
portas de sua fábrica para os parlamentares do partido do presidente, disse em
nota que mostrou suas novas instalações aos deputados para “esclarecer
campanhas de difamação que aconteceram no passado contra a empresa” e
“contribuir para a discussão e tomada de decisões na implementação de políticas
públicas de segurança no Brasil”. 

Sintonizada com o governo
federal, a empresa fez questão de participar da campanha que Jair Bolsonaro
lançou para celebrar o Dia da Independência. Para aquecer a economia, o
presidente propôs a ‘Semana do Brasil’, uma espécie de ‘Black Friday’
brasileira. Entre 6 e 15 de setembro, diversas companhias ofereceram descontos
para fomentar a venda no varejo. A Taurus, que tem se mostrado aliada de
Bolsonaro, admitiu ter negociado mais de 20 mil armas de fogo durante a
campanha.

O discurso de Rodrigo Janot,
portanto, está em completa sintonia com a agenda ultraconservadora de
importantes figuras políticas. A conseqüência dessa fala vai muito além do que
a vivenciada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. No
Brasil dos negros e pobres, as mãos agressivas de quem carregam armas não são usadas
para escrever biografias, mas sim para encerrar sonhos e destruir famílias
inteiras.

Gilmar, aliás, fez uma sugestão que
parece acertada para grande parte das autoridades brasileiras. “Recomendo que
procure ajuda psiquiátrica. Continuaremos a defender a Constituição e o devido
processo legal”, afirmou em nota.

A sugestão de Mendes, talvez,
possa servir de resposta para o questionamento insensível que Eduardo Bolsonaro
usou para legendar a sua foto. “Quem poderia ser contra essa escultura, ainda
mais em tempos de politicamente correto? O que aconteceria se John Lennon estivesse
armado?”, provocou Eduardo ao fotografar de sorriso no rosto.

Todo esse imbróglio ilumina ainda um princípio
fundamental da República. Que a lei sirva para segurar aqueles que, investidos
em cargos públicos, cometem arbítrios, ilegalidades e eventuais loucuras para
concretizar seus ideais. Se o Brasil se afastar disso, a vida, principalmente
dos vulneráveis, continuará na mira da insegurança.