Perto de 54% do ganho de receita vieram de itens que não se repetirão

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de setembro de 2022

O aumento das receitas do governo central, que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central (BC), foi impulsionado em grande parte pela entrada de recursos extraordinários ao longo dos primeiros sete meses deste ano, com destaque para o pagamento de dividendos pelos bancos oficiais e pelas principais empresas estatais ao longo do período. Os ganhos foram engrossados ainda pela venda de estatais e concessões e ainda pela arrecadação de contribuições sobre a exploração de recursos naturais, a exemplo do petróleo. São receitas que tendem a não se repetir, principalmente em 2023, podendo assim ser classificadas como “não recorrentes”, como preferem os economistas.

Adicionalmente, o superávit entre receitas e despesas primárias no acumulado entre janeiro e julho desaparece, virá pó ou menos do que isto, literalmente, quando as despesas com juros são incorporadas às contas do governo central. O ganho de receita ajudou a turbinar o saldo primário do governo central, mas a equipe econômica recorreu ainda a uma redução vertical nos créditos extraordinários, abertos para financiar o enfrentamento da pandemia no País, e cortes de salários.

Corrigidas com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as receitas totais do governo cresceram 15,1%, avançando de praticamente R$ 1,202 trilhão entre janeiro e julho do ano passado para R$ 1,383 trilhão no mesmo intervalo deste ano, a valores de julho último. A elevação correspondeu a uma adição às receitas de quase R$ 181,817 bilhões entre aqueles dois períodos e apenas três itens responderam por 54,07% do aumento acumulado até ali.

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Ganho passageiro

Aqueles três itens estão classificados entre receitas sobre as quais a Receita Federal do Brasil (RFB) não tem o menor controle e que não poderão ser replicados em igual proporção nos próximos meses, sobretudo ao longo de 2023 no caso dos ganhos associados à valorização de commodities como o petróleo e a lucros extraordinários, a exemplo dos resultados que a Petrobrás tem apresentado desde o ano passado. A possibilidade de receitas extras a partir da venda de ativos, a exemplo da entrega da Eletrobrás à sanha dos mercados, por óbvio, esgota-se no momento mesmo da venda. São ganhos, portanto, que não se sustentam e insuficientes para preservar os dados aparentemente positivos exibidos nos últimos meses na execução de receitas e despesas do setor público federal.

Balanço

  • Os números da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que as receitas de concessões e permissões (privatizações disfarçadas, já que os bens públicos são concedidos por prazos alongados, de 30 anos e até mais, e prorrogáveis por períodos idênticos) saltaram de somente R$ 2,538 bilhões entre janeiro e julho de 2021 para algo perto de R$ 41,876 bilhões em igual intervalo deste ano, num ganho de R$ 39,338 bilhões. Todas as operações a valores de julho deste ano, atualizados com base no IPCA.
  • O aumento de receitas aqui veio do recebimento pelo Tesouro de R$ 11,5 bilhões, em fevereiro deste ano, a título dos chamados “bônus de assinatura”, neste caso, relacionados à licitação para venda de petróleo excedente extraído dos campos de Sépia e Atapu, no pré-sal da Bacia de Santos. A segunda fonte relacionada pelo Tesouro, e mais relevante, esteve ligada à operação de entrega da Eletrobrás, por conta do pagamento de “bônus de outorga” amarrados à assinatura de novos contratos de geração de energia. Apenas aqui, entraram perto de R$ 26,5 bilhões nos cofres do Tesouro em junho deste ano.
  • O pagamento de dividendos à União rendeu ao redor de R$ 51,839 bilhões nos sete primeiros meses deste ano, o que se compara a menos de R$ 16,103 bilhões no mesmo período do ano passado, num ganho de R$ 35,736 bilhões (221,9% a mais, em termos reais). Apenas a Petrobrás, também em valores corrigidos pela inflação, repassou R$ 21,6 bilhões a mais ao Tesouro, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) participando com um repasse adicional de R$ 13,2 bilhões.
  • Para ficar ainda mais claro, o pagamento de dividendos ao Tesouro pela Petrobrás e pelo BNDES experimentou um salto real de 647,2% e de 239,1% respectivamente. A petroleira, que havia pago ao Tesouro pouco menos de R$ 3,340 bilhões nos sete primeiros meses de 2021, repassou R$ 24,954 bilhões até julho deste ano. O banco de fomento elevou os repasses de R$ 5,529 bilhões para pouco mais de R$ 18,750 bilhões.
  • As receitas com o recolhimento de contribuições relativas à exploração de recursos naturais anotaram crescimento real de 37,0% naquela mesma comparação, saindo de R$ 62,736 bilhões para R$ 85,973 bilhões (ou seja, R$ 23,237 bilhões a mais). Segundo a STN, o aumento médio de 60,3% nos preços do barril de petróleo e um ligeiro avanço de 1,6% na produção de petróleo entre os sete meses iniciais de 2021 e igual intervalo deste ano, “parcialmente compensados” pela redução de 5,8% da “taxa de câmbio média” (quer dizer, com a queda do dólar frente ao real), explicam aquele ganho de receita.
  • Em julho, especificamente, dois entre três daqueles itens foram responsáveis por 59,0% do aumento registrado pelas receitas totais na comparação com o mesmo mês do ano passado. A receita aumentou R$ 15,931 bilhões (mais 8,7%) e ganhos com dividendos e receitas da exploração de recursos naturais.