Perto de 560 mil vidas e R$ 14,4 bilhões perdidos desde o começo da pandemia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de agosto de 2021

A abertura do artigo produzido a quatro mãos e publicado ontem no Blog do Ibre pelos economistas Claudio Considera e Juliana Trece resume de forma enfática o cenário enfrentado pelo País em todas as suas dimensões, social, política, econômica e moral. Quase “560 mil vidas e R$ 14,4 bilhões perdidos em quase ano e meio de pandemia”, resume a dupla, para acrescentar na sequência, sem meias tintas: “Esse é o retrato fidedigno de um governo desastroso, incapaz de lançar uma campanha para organizar a prevenção dessa terrível doença e (que) continua a debochar dela e da sociedade brasileira”.

A compreensão da tragédia brasileira sob o desgoverno de Brasília parece vir ganhando vapor também em meio a um dos centros do pensamento econômico conservador no Brasil, embora persistam correntes que ainda consideram o ultraliberalismo alardeado pelo ministro dos mercados um caminho não apenas viável, mas necessário para atrair investimentos e promover o desenvolvimento econômico. Um tipo de liberalismo há muito descreditado entre as economias mais ricas e mais desenvolvidas como opção para promover qualquer outra coisa que não seja exclusão e desigualdade.

Considera é coordenador do Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda nos últimos anos do governo FHC (1999-2002). Juliana participa do NCN, onde responde pela elaboração mensal do Monitor da Atividade Econômica da fundação, além de ser uma de suas criadoras. Ainda nos primeiros meses da pandemia, em 2020, os dois haviam publicado uma aproximação inicial de quais seriam as perdas em capital humano causados pelas mortes em série decorrentes do novo coronavírus. As estimativas foram renovadas agora, com base em dados ainda mais dramáticos e alarmantes, pois as perdas jamais poderão ser reparadas.

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Capital humano perdido

O trabalho estima “quanto as pessoas com até 69 anos de idade falecidas em função do Covid-19 ainda poderiam ser úteis a sociedade brasileira produzindo e gerando renda”, assim como calcula as perdas trazidas pelas mortes de pessoas com 70 anos ou mais. Sem desconsiderar a dimensão humana da tragédia brasileira. Considera e Juliana remetem ao primeiro posto produzido no ano passado: “Diariamente somos informados do número de ocorrências associadas à pandemia do COVID – 19: o número de infectados e o número de mortos em decorrência do vírus. A cada momento somos informados sobre parentes, colegas, conhecidos, que tragicamente não estarão mais conosco nos dando carinho, alegrias, o prazer da convivência… Essa tragédia já alcança todos nós social ou individualmente. Este é o lado humano dessa tragédia. Mas há outro lado: todas essas pessoas vitimadas tinham um certo conhecimento, certas habilidades adquiridas ao longo da vida, que utilizando e transmitindo para colegas poderiam, por muito tempo ainda, contribuir para gerar renda para si, para eventuais dependentes e, portanto, para o País. Eles farão falta. A esse conhecimento e habilidades acumulados se denomina capital humano.”

Balanço

  • Em suas estimativas, os economistas utilizamo rendimento médio como representação da renda e o número de anos de estudo formal para estabelecer um conceito mais próximo do chamado capital humano. A ideia, portanto, era estimar “o quanto as pessoas com até 69 anos de idade falecidas em função do covid-19 ainda poderiam ser úteis a sociedade brasileira produzindo e gerando renda”. Assim como colocar números nos rendimentos que deixarão de circular com as mortes de pessoas com 70 anos ou mais por conta da interrupção do pagamento de pensões e aposentadorias.
  • O texto atualiza essas projeções considerando o período entre 16 de março do ano passado e 12 de agosto deste ano, quando o País registrava em torno de 557,0 mil mortos pela Covid-19. Desse total, perto de 53,8% tinham entre 20 e 69 anos, somando 299,4 mil. Segundo Considera e Juliana, a massa de rendimentos mensais desse contingente somava em torno de R$ 695,9 milhões, correspondendo a qualquer coisa próxima a R$ 8,35 bilhões em 12 meses. Em torno de 41,5% dessas perdas atingiram São Paulo (R$ 2,62 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 885,6 milhões), que somados representaram quase 38,8% das mortes para aquela faixa etária.
  • A faixa da população acima de 70 anos chegou a responder por 45,6% das mortes totais, com a perda de 254,1 mil pessoas, de acordo com dados do Portal de Transparência do Registro Civil, consultado pelos economistas do Ibre/FGV. O texto considera, como hipótese de trabalho, que a proporção de óbitos de idosos no Rio e em São Paulo teria sido a mesma daquela observada em todo o País. O rendimento mensal real médio, já descontada a inflação, referente a aposentadorias e pensões, tomando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC), estaria ao redor de R$ 1.963 para as pessoas com mais de 70 anos.
  • Tudo somado, a “renda” que os idosos mortos pela Covid-19 deixaram de receber aproxima-se de R$ 498,9 milhões por mês, correspondendo a pouco menos de R$ 6,0 bilhões, do quais perto de R$ 1,60 bilhão em São Paulo e R$ 691,7 milhões no Rio de Janeiro. No total, as perdas de renda em um ano estariam ligeiramente acima de R$ 14,3 bilhões, o que corresponderia a 0,6% da massa de rendimentos observada em 2019, segundo Considera e Juliana, novamente recorrendo a dados da PNADC. O número não é ainda definitivo, pois “algumas dessas mortes levarão a pagamento de pensão, compensando parte das perdas da economia pelo lado da demanda”, pondera a dupla de economistas, sugerindo “pesquisas futuras para quantificar esse efeito fiscal”.
  • “Muitas dessas pessoas poderiam continuar conosco caso tivessem sido mais bem informados, se alertados através de campanhas sobre os cuidados a serem tomados e da virulência dessa doença. Felizmente, o processo de vacinação está em curso no Brasil e no mundo, apesar do atraso inicial por aqui e de todos os problemas que ocorreram sobre isso. Somente com o fim da pandemia é que a economia poderá ter uma recuperação completa”, sustentam os dois economistas.