Coluna

“Plano Mais Brasil” escancara intenção de desmonte do Estado

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 06 de novembro de 2019

A
intenção de “transformar” o Estado brasileiro e instituir o “novo marco
institucional da ordem fiscal” (seja lá o que isso signifique para além do tom
pernóstico escolhido pelo senhor ministro dos mercados), alardeados como
principais feitos do pacote de medidas anunciado ontem oficialmente pelo governo,
sequer disfarça a real intenção de desmontar esse mesmo Estado.Em troca de mais
aperto fiscal, dividido entre medidas emergenciais e definitivas, a União
promete distribuir algo em torno de R$ 400,0 bilhões a Estados e municípios,
com recursos dos royalties e participações especiais (sobre o petróleo, por
exemplo), nos próximos 15 anos, o que representaria perto de R$ 26,7 bilhões
por ano.

Não
se sabe ainda como o dinheiro será repartido entre os “entes federativos”, como
são chamados Estados e municípios no jargão da burocracia nacional.
Possivelmente, a distribuição deverá seguir os critérios adotados na divisão
dos recursos dos fundos de participação dos Estados e dos municípios, que
consideram o tamanho da renda e da população em cada localidade. Mas suponha que
a distribuição seja mais ou menos equitativa entre 26 Estados, mais o Distrito
Federal. Sobraria anualmente para cada um a bagatela de R$ 989,0 milhões, em
grandes números.

Como
se prevê que o dinheiro deverá ser destinado ao pagamento de precatórios, sobraria
algum para cobrir uma parcela reduzida dos déficits dos governos regionais.
Numa estimativa aproximada, supõe-se que esses governos tenham dívidas
acumuladas na faixa de R$ 100,0 bilhões por conta de precatórios em atraso
(dívidas já reconhecidas pela Justiça, mas que os governos regionais deixaram
de pagar).

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Além
disso, as prefeituras poderão ficar com toda a arrecadação do salário-educação,
contribuição até aqui destinada ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), que fica com 10% da receita, e ao financiamento da educação
básica, que recebe os 90% restantes sob a forma de programas federais e
diretamente por Estados e municípios. No ano passado, a arrecadação bruta da
contribuição somou perto de R$ 22,088 bilhões.

Mais enxugamento

Entre
outras providências pretendidas pelo pacote de emendas à Constituição, a equipe
econômica vai enxugar ainda mais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), limitando drasticamente seu acesso aos recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), permitirá que Estados e municípios “somem” os
recursos investidos em saúde e educação de forma a obedecer o piso mínimo
fixado pela Constituição e, mais do que isto, deverá autorizar a inclusão de
despesas com inativos daqueles setores como parte das despesas obrigatórias nas
duas áreas. Obviamente, sobrará menos dinheiro para investir em atividades e
ações de educação e saúde, ao contrário do que determina a Constituição de
1988. Em caso de emergência, ressalvadas aposentadorias e pensões (já atingidas
pela reforma da Previdência recém-aprovada) e os benefícios de prestação
continuada, destinados aos mais pobres, todas as demais despesas obrigatórias
(incluindo a folha de pessoal, seguro aos desempregados e subsídios, entre
outras) deixarão de acompanhar a inflação, vale dizer, poderão ser achatadas em
termos reais – o que, na prática, já está ocorrendo (leia amanhã neste mesmo
espaço).

Balanço

·  
Numa
linha semelhante, receitas públicas não poderão ser vinculadas a órgãos, fundos
ou classes de despesas, a não ser quando derivadas da cobrança de taxas
(conforme fixa o Código Tributário Nacional e a Constituição), doações (que
igualmente têm destinação definida), os recursos dos fundos de participação dos
municípios e dos Estados (conforme define, mais uma vez, a lei maior) e desde
que a vinculação não tenha previsão constitucional.

·  
Para
“facilitar” o aperto, o “novo marco fiscal” estende a governadores e prefeitos
(supõe-se que a partir de decisões das respectivas assembleias legislativas e
câmaras de vereadores) poderes para “contingenciar” o orçamento, conforme já
ocorre hoje na área federal.

·  
Como
todos sabemos, graças à explanação iluminada do ministro da Educação,
contingenciar não é o mesmo que cortar despesas (apenas adiar a sua liberação
até o final do exercício, quando não poderão mesmo ser realizadas). Uma
explicação muito bem-recebida, por sinal, entre milhares de bolsistas e
pesquisadores brasileiros.

·  

pelo menos uma providência positiva no pacotão constitucional: governadores e
prefeitos não poderão mais passar a mão em recursos de fundos de pensão e de
depósitos judiciais para aliviar problemas de caixa conjunturais.

·  
Em
tempos de emergência fiscal, definida quando a despesa ultrapassa 95% da
receita corrente, Estados e prefeituras poderão congelar o número de servidores
e seus salários, estando mesmo autorizados a cortar esses vencimentos em um
quarto com corresponde redução na jornada de trabalho.

·  
Como
“freio de arrumação”, ainda na área das medidas destinadas a socorrer governos
sob “emergência fiscal”, ficaria proibida a criação de novas despesas
obrigatórias e de benefícios fiscais.

O pacotão inclui ainda, entre uma série de
outras medidas, a autorização para que a equipe econômica se aproprie de algo
como R$ 220,0 bilhões hoje estacionados em fundos públicos supostamente sem
utilização. O governo quer usar o dinheiro para abater a dívida pública
(recomprando títulos do Tesouro Nacional em circulação no mercado). Segundo
especialistas em contas públicas, o efeito tende a ser nulo, já que o BC, na
sequência, teria que emitir novos títulos (nas chamadas operações
compromissadas) para enxugar o dinheiro a mais que entrará no mercado, mantendo
a dívida do mesmo tamanho.