Política de juros altos afeta mais negativamente trabalhadores negros

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de maio de 2023

Já se sabia que juros altos atingem em cheio o ritmo da atividade na economia, fazendo-a retroceder e gerando desemprego, assim como agrava as desigualdades ao favorecer pessoas e famílias colocadas no topo da pirâmide de renda. As economistas Clara Brenck e Patrícia Machado Couto, do Departamento de Economia da The New School for Social Research e do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo (USP), mostram em trabalho recente que a política de juros também penaliza em intensidade proporcionalmente maior trabalhadores negros na comparação com homens brancos. Como esse contingente ocupa “tradicionalmente uma posição privilegiada no mercado de trabalho”, esclarecem Clara e Patrícia, “todas as estimações foram feitas em relação a este grupo” (de trabalhadores brancos).

Diante do intenso debate provocado pela insistência do Banco Central (BC) e de seu Comitê de Política Monetária (Copom) em manter os juros básicos em 13,75% desde agosto do ano passado, a dupla de economistas considera “essencial entender os efeitos da política monetária para diferentes grupos demográficos” e, por isso, decidiu avaliar seus impactos sobre a taxa de desemprego desagregada por gênero e raça em cada região brasileira, consideradas as disparidades regionais históricas no País.

Nas palavras de Clara e Patrícia, considerando o “atual cenário de aumento de taxa de juros para o controle de inflação, a discussão dos efeitos adversos de políticas monetárias precisa ser ampliada e melhor explorada. Em um país marcado pelo seu alto índice de desigualdade social, é fundamental que sejam incluídos no centro do debate os diferentes impactos da taxa de juros na desigualdade, em especial nos diferentes grupos demográficos e regiões do Brasil”.

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Disparidades de raça

A literatura disponível explora os reflexos de políticas de arrocho monetário em diversas áreas, mas, especialmente no Brasil, não havia registros de trabalhos, até aqui pelo menos, que explorassem como os juros afetam negros, brancos, homens e mulheres. O trabalho de Clara e Patrícia busca uma primeira aproximação e os resultados obtidos mostram que os homens negros são os mais sacrificados, sofrendo taxas de desemprego comparativamente mais elevadas do que aquelas experimentadas pelos brancos. Entre as mulheres, por razões diversas, o desemprego chega a recuar entre trabalhadoras brancas, sempre em relação aos homens brancos, enquanto para as trabalhadoras negras os efeitos parecem ser neutros.

Balanço

  • Dito de outra forma, prosseguem Clara e Patrícia, “um aumento da taxa de juros real está associado a um aumento na diferença de desemprego entre homens e negros e homens brancos”. No exercício que prepararam para esse estudo, as economistas identificaram um incremente de 1,22 pontos percentuais na razão de desemprego entre negros e brancos a partir de uma elevação de um ponto percentual na taxa real de juros.
  • Pode-se especular qual teria sido o tamanho desse impacto a partir de março de 2021, quando o BC começou a puxar os juros básicos para cima. Desde lá, a taxa elevou-se em 11,75 pontos percentuais, enquanto a inflação acumulada em 12 meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), recuou de 6,10% para 4,65%.
  • Clara e Patrícia observaram impactos regionais diferentes, com a distância nas taxas de desemprego entre negros e brancos ampliando-se em 1,46 pontos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No entanto, “o efeito desaparece quando consideramos apenas as regiões Norte e Nordeste”.
  • “Isso significa que, mesmo controlando a composição setorial e o nível educacional, o impacto negativo de uma política monetária contracionista é maior para os homens negros quando em comparação aos homens brancos, especialmente nas regiões com menor população negra. Em outras palavras, o efeito desigual da política monetária contracionista não pode ser totalmente explicado por diferentes níveis educacionais entre esses dois grupos, ou por um grupo estar mais empregado em indústrias mais sensíveis a mudanças na taxa de juros (indústria e construção)”, observam ambas.
  • Mudanças na taxa real de juros, no entanto, “parecem não ter efeito distinto sobre o desemprego de mulheres negras quando comparadas a homens brancos, e Estados com maior participação de negros em sua população teriam menor gap (disparidade) de desemprego entre mulheres negras e homens brancos”. A explicação talvez esteja no fato de a maioria das trabalhadoras negras estar “alocada em setores que não são sensíveis a mudanças na taxa de juros, como serviços de cuidado”.
  • Entre as mulheres brancas, o efeito foi o oposto do esperado, com o desemprego recuando em relação àquele observado entre homens brancos. Um ponto percentual de alta nos juros reais, na média de todo o País, reduz em 1,46 pontos percentuais a distância do desemprego entre mulheres brancas e homens brancos. O efeito é menor nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, com redução de 0,88 pontos percentuais, numa tendência inversa àquela observada na comparação entre homens negros e brancos. Nas regiões Norte e Nordeste, a redução atinge 1,96 pontos na comparação das taxas de desemprego entre mulheres brancas e homens brancos.
  • Clara e Patrícia especulam que o dado poderia corresponder à “necessidade de as mulheres brancas ingressarem no mercado de trabalho em períodos de crise econômica”. Para completar, acrescentam ainda, “as mulheres brancas se concentram nos setores de educação e saúde, menos afetados por ciclos econômicos”.
  • Numa reflexão final, Clara e Patrícia consideram “fundamental que sejam incluídos no centro do debate os diferentes impactos da taxa de juros na desigualdade, em especial nos diferentes grupos demográficos e regiões do Brasil”.