Coluna

Por que escurecer a pele de uma atriz que já é negra?

Publicado por: Redação | Postado em: 07 de março de 2016

Esta
semana, após os rebuliços do Oscar (aquele sem negros indicados), foi divulgado
o trailer do filme biográfico sobre Nina Simone, intitulado Nina. No filme que
contará a história da carreira e seu envolvimento com o Movimento Negro nos
EUA, a atriz Zoe Saldana, conhecida por atuar em filmes de grande bilheteria,
como Avatar e Guardiões da Galáxia, ficou responsável por interpretar Nina
Simone. O trailer do filme e recebido com muitas críticas. Segundo sites
americanos, a própria filha de Nina não autorizou as filmagens.

Houve até uma resposta pouco
amistosa da família de Nina à atriz, no Twitter. Zoe, citando Nina, escreveu: “Vou
lhe dizer o que liberdade é para mim: não ter medo #NinaSimone.” O perfil
oficial de Nina Simone, administrada por sua família, respondeu: “História
legal mas, por favor, tire o nome de Nina de sua boca. Pelo resto de sua vida.”
Antes da divulgação do trailer, o estúdio que produziu o filme se pronunciou em
defesa de Zoe.

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O
fundador e presidente do conselho da RLJ Entertainment, Robert L. Johnson ,
disse que Saldana, que tem heranças étnicas de Porto Rico e República
Dominicana, não deveria ser julgada pela cor de sua pele, mas por sua
performance como Simone em Nina. “A coisa mais importante é que a criatividade
ou qualidade da performance nunca deve ser julgada em termos de cor, etnia, ou
aparência física”, disse Johnson, que também é fundador da Black Entertainment
Television (BET), em declaração.

Será mesmo que a cor da pele não
conta em se tratando de Nina Simone? A cantora, morta em 2003, foi um ícone da
negritude estadunidense e enfrentou, desde criança o racismo de um país
segregado, cultural e institucionalmente violento contra pessoas negras. Já foi
proibida de frequentar lugares, já viu seus pais proibidos de entrar em seus
shows por serem negros. Já rebateu o racismo com música, discursos e marchas,
quando a guerra racial estava instaurada.

O problema é que Nina é negra
demais. E aparentemente uma atriz negra demais não teria espaço nem para
interpretar uma cantora que é negra demais. Zoe é uma excelente atriz, não há
dúvidas disso. Porém em nada se assemelha fisicamente a talentosa Nina Simone,
que é exatamente o que se espera em um filme bibliográfico. Zoe é negra sim,
mas possui a pele clara e os traços finos. Os mesmos traços finos que
classificam como “não tão negra assim,” em alguns conceitos. No Brasil, a
chamariam de “morena”, “parda” ou qualquer um desses eufemismos que definem
quem é ou não seguido pelo segurança do shopping.

A solução que acharam para Zoe ficar
mais parecida com Nina? Escurecer a pele dela com tinta, o mau e velho “black
face”. Além da pele pintada de negro, Zoe usou próteses nos lábios e nas
narinas. Isso muito incomodou e com razão, pois é muito grave. Falta de
respeito à memória de Nina, agregada à falta de oportunidade a várias outras
atrizes negras, que certamente fariam o papel maravilhosamente bem.


uma gama gigantesca de atrizes negras que poderiam interpretar Nina
perfeitamente bem, sem a necessidade de que escurecessem seus rostos com
maquiagem. Lupita Nyong’o, Uzo Aduba, Viola Davis, Woopi Goldberg, Danai Gurira
e outras tantas. A falta de atrizes não é desculpa. A questão é: não adianta o
mundo negar e não querer discutir sobre o colorismo. Ele existe e está cada vez
mais presente. Acompanhamos isso no cinema nacional e também na TV.

Zoe
não é culpada e não merece ser atacada, mas a indústria de cinema sim. O
racismo está presente também de forma menos ruidosa (aliás, está mais presente
assim, de forma menos ruidosa). E ele precisa ser exposto, debatido e desconstruído.
Por Nina e por todos os outros que lutaram e lutam até hoje.