Produção de alimentos pode crescer sem ameaçar florestas

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de julho de 2022

As experiências tocadas no País a partir da década de 1990, quando o conceito de sustentabilidade passou a frequentar o cardápio de opções à disposição da agropecuária para a produção mais eficiente de grãos e carnes, comprovam as possibilidades de expandir a oferta de alimentos sem gerar pressões ainda mais devastadoras sobre a floresta. “Produção e preservação são dois fatores de uma mesma equação”, resume Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.

Uma equação que tem se mostrado não apenas tecnicamente viável como igualmente lucrativa, registra Fabíola Zerbini, diretora de florestas, uso da terra e agricultura do WRI Brasil, ao destacar as iniciativas de “descarbonização” do agronegócio promovidas pelo Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que entrou em sua segunda fase no ano passado e busca incrementar, entre outras práticas, sistemas de integração entre lavoura, pecuária e floresta. Esses sistemas, sustenta Liège Correia, diretora de sustentabilidade da Friboi, “permitem que o produtor, em uma mesma área, aumente a produção de alimentos em até 40% e, ao mesmo tempo, capture gases de efeito estufa da atmosfera”.

Embora as opções estejam sobre a mesa, “e com potenciais enormes”, nas palavras de Fabíola, a transição para uma agricultura de baixa emissão caminha ainda de forma lenta. “A produção de alimentos, fibras e biomassa no Brasil ainda é significativamente intensiva em carbono”, afirma ela, lembrando que o Plano ABC recebe menos de 4% dos recursos totais previstos anualmente para o financiamento das safras no país.

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Na avaliação de Eduardo Caldas, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, o agronegócio “tem se ajustado a uma visão de futuro mais harmônica com a natureza”, perseguindo uma “rota de melhoria de práticas dentro da fazenda de forma a pressionar menos as florestas, os solos e os recursos hídricos”. Ele identifica um entendimento crescente segundo o qual “não existe alternativa (para o agronegócio) sem preservação ambiental”, até como alternativa para continuar ampliando a produtividade e a viabilidade econômica da atividade.

Plantio direto

Já consolidado no País e praticado há décadas pelo setor, o plantio direto na palha, lembram Morandi, Caldas e Fabíola, ajudou a preservar a qualidade dos solos, elevando as produtividades médias, além de mitigar emissões de carbono. “Manter a cobertura vegetal é fundamental para a saúde do solo e para o uso de todo o potencial para sequestrar carbono da atmosfera”, sustenta Morandi. A fixação biológica do nitrogênio com uso de bactérias especialistas, inicialmente na soja e hoje em fase de expansão para o milho, a cana e o trigo, graças às pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aponta Morandi, ganha importância estratégica devido a seu potencial para amenizar a dependência de fertilizantes nitrogenados e reduzir emissões de óxidos nitrosos, que ajudam na formação dos gases do efeito estufa.

Balanço

  • Nesta linha ainda, continua o pesquisador, a Embrapa vem desenvolvendo bioinsumos para ajudar no incremento da produtividade, como microrganismos que conseguem solubilizar o fósforo existente no solo, tornando-o disponível para as plantas. No ano passado, a empresa lançou o bioinsumo Auras, em parceria com a mineira NOOA Ciência e Tecnologia Agrícola, obtido a partir de bactérias isoladas no mandacaru, que contribuem para proteger as raízes do milho, agregando à cultura características de resistência hídrica.
  • Ao longo de 16 anos desde seu lançamento, a Moratória da Soja, iniciativa das empresas filiadas à Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e à Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), destaca Bernardo Machado Pires, gerente de sustentabilidade da Abiove, “comprova a possibilidade de elevar a produção” sem causar impactos negativos sobre áreas de florestas nativas. Segundo ele, perto de 97% da expansão da soja ocorreu sobre áreas já antropizadas antes de 2008.
  • Nos 109 municípios da Amazônia monitorados pelo Grupo de Trabalho da Soja, responsável pela governança da moratória, a área total ocupada pela soja atingiu 5,851 milhões de hectares, dos quais apenas 155,156 mil hectares ocorreram em regiões desmatadas depois de 2008, “o que mostra que a iniciativa não coibiu a expansão da soja no bioma amazônico, mas direcionou a produção para áreas já desflorestadas anteriormente à moratória”, comenta Pires.
  • No ano agrícola 1979/1980, prossegue ele, o país produziu 15,0 milhões de toneladas de soja em 12,0 milhões de hectares, numa produtividade média de apenas 1.250 quilos por hectare. Quatro décadas depois, no ciclo 2020/2021, o setor colheu 135,0 milhões de toneladas do grão em 38,5 milhões de hectares, com rendimento de 3.517 quilos por hectare. “Se fossemos produzir o mesmo volume com a produtividade de 40 anos atrás, precisaríamos de 108,0 milhões de hectares, o que significa que poupamos 69,5 milhões de hectares de vegetação nativa”, afirma Pires.
  • O coordenador de sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias, reforça aqueles números, acrescentando os demais grãos produzidos no país, mostrando que a produção foi multiplicada em mais de cinco vezes naqueles 40 anos, diante de avanço de 80% para a área, o que se explica em função de uma produtividade três vezes mais elevada. O melhor aproveitamento da área cultivada, sugere ele, teria ajudado a poupar qualquer coisa ao redor de 200 milhões de hectares. Levantamento realizado em 2019 pela Embrapa Territorial, com base nos cadastros ambientais rurais (CARs), aponta Ananias, constatou que apenas 0,7% das propriedades “tiveram alguma intersecção com áreas de desmatamento identificadas pelo Prodes”.