Coluna Foco econômico
Produção industrial cai pelo quarto mês seguido e encolhe 6,5% desde janeiro
Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de novembro de 2021A famigerada recuperação em “V”, alardeada pelo senhor ministro dos mercados, ganha formas, pelo menos na indústria, de um quase “N” invertido, para continuar na área do abecedário econômico. Desde o começo do ano, o setor industrial vinha oscilando mês a mês, demonstrando ausência de forças para embarcar na breve onda gerada pela desarticulação das medidas de distanciamento social. Sempre na comparação com o mês imediatamente anterior, a produção registrou em setembro a quarta queda mensal consecutiva, acumulando sete meses de números negativos nos nove meses iniciais deste ano, conforme mostra a pesquisa realizada mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A produção sofreu recuos de 0,5%, 1,2%, 0,7% e 0,4% em junho, julho, agosto e setembro, pela ordem, confirmando um segundo semestre de tropeços para o setor. Considerando o indicador ajustado sazonalmente pelo IBGE, quer dizer, descontando fatores que ocorrem em períodos específicos do ano e que poderiam distorcer a comparação, para mais ou para menos, o nível registrado pela produção em setembro encontrava-se 6,5% abaixo daquele alcançado em janeiro deste ano. A indústria de transformação, também em seu quarto revés mensal em sequência, recuou 0,2% em setembro e experimentou tombo de 7,6% frente ao primeiro mês deste ano.
Na verdade, os dados da pesquisa mensal da produção industrial, mesmo incluindo o fatídico ano de 2020, mostram que este foi o pior setembro para o setor desde 2003. Parece exagero? Não é: o indicador que reflete o nível da produção chegou a setembro a 84,7 pontos, já com o ajuste sazonal, melhor apenas do que o índice de 81,2 registrado há 18 anos. Em setembro do ano passado, o indicador havia alcançado 88,6. Quer dizer, transcorridos 54 trimestres ou 216 meses, praticamente 6.480 dias, a indústria mal consegue produzir os mesmos volumes registrados proporcionalmente há quase duas décadas. A população cresceu deste lá, assim como suas necessidades de consumo, mas a indústria literalmente parou de crescer.
Fim do “bônus estatístico”
Os números são positivos apenas na comparação com o ano passado e, mesmo assim, a variação tem sido decrescente, na mesma medida em que o desempenho do setor veio reagindo, ao longo de 2020, refletindo o afrouxamento das medidas de afastamento social adotadas a partir da segunda metade de março. Na versão do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), “com o fim do bônus estatístico, derivado de bases deprimidas de comparação, o desempenho industrial também foi negativo em relação ao ano passado”. De fato, em relação aos mesmos meses do ano passado, a produção geral da indústria caiu 3,9% em setembro, depois de recuar 0,7% em agosto. Esses números haviam sido fortemente positivos em abril, maio e junho, embora já em tendência de desaceleração, com saltos de 34,8%, 24,1% e 12,0%. Nos mesmos meses de 2020, no entanto, a produção havia sofrido baixas de 27,7%, 21,9% e 8,7% naquela mesma ordem. Mais claramente, o avanço aparentemente vigoroso observado entre abril e junho deste ano deveu-se, em grande parte, aos níveis muito reduzidos anotados em 2020. “Estes são resultados que distanciam o setor de uma trajetória de recuperação”, sentencia o instituto.
Balanço
- Para reforçar a hipótese acima, conforme os dados revisados pelo IBGE, a produção chegou a apresentar melhora relativa no segundo semestre do ano passado, com queda menos intensa em agosto (-2,4%) e alta em setembro (3,8%) frente aos mesmos meses de 2019. Como se percebe, o resultado de setembro deste ano devolveu todo o avanço registrado em igual período de 2020.
- Ainda na comparação com setembro do ano passado, pouco mais de 69% dos setores de atividade (18 em 26) anotaram números negativos e apenas oito continuavam crescendo. O dado sugere que as perdas têm sido mais generalizadas, embora alguns segmentos tenham sido mais afetados por dificuldades logísticas e de abastecimento.
- Novamente na avaliação do Iedi, “os efeitos diretos da pandemia deram origem a desdobramentos também muito adversos ao crescimento industrial, como gargalos nas cadeias produtivas, aceleração da inflação, desemprego elevado etc.” O instituto acrescenta outros desafios no caminho da indústria (e da economia como um todo), a exemplo da “crise hídrica, tensões políticas e dúvidas sobre as reformas estruturais. Tudo isso gera incertezas, amplia custos e restringe mercado para bens industriais”, avalia o Iedi.
- A produção alargou a diferença em relação a fevereiro do ano passado, passando a indicar queda de 3,2%, com 17 setores (65,4% do total) registrando perdas frente ao mês anterior ao começo da pandemia. A indústria em geral produziu 19,4% menos do que em maio de 2011, quando havia registrado seu melhor momento na série histórica. As indústrias de bens duráveis e de bens de capital (máquinas, equipamentos basicamente), que atingiram um pico em junho de 2013 e setembro do mesmo ano, respectivamente, registram perdas de 43,8% e de 26,4% (a despeito de todo o crescimento anotado pelo segundo setor desde a segunda metade do ano passado).
- Apesar de ter crescido 15,0% em relação a setembro do ano passado, a produção de bens de capital chegou ao mesmo mês deste ano com nível 5,3% mais baixo do que em janeiro deste ano.
- A indústria de transformação sofreu perda de 4,8% em setembro (frente a igual mês de 2020), com tombo mais severo para a indústria de bens duráveis (-22,3%). Ainda de acordo com o Iedi, as indústrias de duráveis (veículos, televisores, geladeiras, aparelhos de som outros), “por terem linhas de montagem baseadas em grande número de partes e componentes e por terem maior penetração de insumos importados, estão mais expostos aos gargalos nas cadeias de fornecedores. Além disso, a normalização do consumo de serviços pelas famílias também retira recursos antes canalizados ao mercado desses bens devido à pandemia e ao isolamento social”.
- O percentual de itens/produtos industriais com ganhos na produção ficou em 43,5% (o que significa dizer que 56,5% dos produtos registraram redução na produção, vale dizer, a sua oferta aqui dentro foi menor). Segundo o IBGE, este é o índice de difusão, que indica o percentual de itens ou produtos em alta em determinado período. O indicador foi o pior para o mês desde setembro de 2016, quando a economia brasileira saía da recessão.