Produtos primários sustentam recorde na balança comercial

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de julho de 2021

O recorde projetado para a balança comercial brasileira neste ano será sustentado basicamente por um acirramento da chamada “tendência de primarização” da pauta de exportações, consolidando de forma bastante nítida a supremacia dos produtos primários de baixo valor agregado. Nas projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), divulgadas ontem, as exportações deverão atingir US$ 270,052 bilhões, crescendo 28,7% em relação a 2020, quando o País havia exportado US$ 209,817 bilhões. Nessa previsão, as vendas externas “deverão superar o recorde de US$ 256,041 bilhões obtido no ano de 2011, ou seja, há 10 anos”, aponta a AEB.

As importações tendem a subir de US$ 158,930 bilhões para US$ 202,051 bilhões, crescendo 27,1%, mas mantendo-se ainda distantes do recorde de US$ 239,621 bilhões atingido em 2013. O saldo da balança comercial (exportações menos importações) cresceria, assim, perto de 33,6%, saltando de US$ 50,887 bilhões para US$ 68,001 bilhões, com contribuição da agropecuária e da indústria extrativa, que deverão encerrar o ano com saldos positivos de US$ 46,920 bilhões e US$ 67,187 bilhões, respectivamente, correspondendo a aumentos de 14.2% e de 58,5%.

A se confirmarem as estimativas da associação, o desempenho das exportações tenderia a trazer reflexos positivos igualmente para a atividade doméstica, ajudando a movimentar a economia aqui dentro, de acordo com a AEB. A grande questão é que os setores que mais influenciarão nesse crescimento são pouco intensivos em tecnologia e empregos, com baixa sofisticação e complexidade, como dizem os economistas, o que em princípio não seria suficiente para assegurar crescimento de maior fôlego para o conjunto da economia. Mais claramente, são setores que geram poucos empregos, comparativamente, e produzem bens com pouca tecnologia agregada.

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Dependência

O cálculo feito pela AEB leva em conta um acréscimo de US$ 60,235 bilhões na ponta das exportações, dos quais praticamente dois terços ou um pouco menos virão de apenas três produtos – minério de ferro, soja em grão e petróleo em bruto. “Graças à forte elevação das cotações das commodities, com destaque para minério de ferro, petróleo em bruto e soja em grão, as projetadas exportações de US$ 270,051 bilhões, caso concretizadas, deverão superar o recorde de US$ 256,041 bilhões obtido no ano de 2011, ou seja, há 10 anos”, anota a AEB.A participação daqueles produtos na pauta de exportações tende a avançar e 35,16% para 41,10%, uma fatia igualmente recorde, jamais registrada na série histórica. Somadas, as vendas de minério de ferro, soja e petróleo deverão crescer de US$ 73,774 bilhões em 2020 para US$ 110,994 bilhões neste ano, num salto de 50,45%, o que corresponderá, se não ocorrerem mudanças adicionais no cenário econômico global, a uma receita adicional de US$ 37,220 bilhões (ou seja, 61,79% do aumento esperado para o total das vendas externas brasileiras).

Balanço

  • O incremento da dependência das exportações em relação aos produtos básicos não é gratuito, mas reflete as mudanças no próprio perfil da economia, com destaque para a perda de relevância da indústria de transformação e consequente desindustrialização em marcha desde os primeiros momentos dos anos 2000. Dois dados nas estimativas da AEB parecem esclarecedores. Em primeiro lugar, os números da associação mostram que as exportações de produtos manufaturados registam “atualmente valor nominal inferior ao exportado em 2007”, ou seja, há praticamente uma década e meia. O segundo registra a participação elevada de produtos menos sofisticados e de base agropecuária e mineral nas exportações da indústria de transformação.
  • Numa conta feita pela coluna com base nos dados brutos divulgados pela AEB, aqueles produtos básicos, embora tenham passado por algum nível de industrialização, responderam por 53,4% das exportações totais em 2020, somando perto de US$ 61,303 bilhões. As previsões da associação sugerem que esse valor deverá crescer 19,1% neste ano, para US$ 72,990 bilhões, o que faria sua participação nas vendas externas da indústria de transformação recuar levemente para 52,9%, mantendo, de qualquer forma, uma fatia relevante.
  • Ainda assim, pouco mais da metade (50,4%) do crescimento das exportações da indústria brasileira tiveram aqueles produtos como origem, com variação de US$ 11,687 bilhões (frente a um aumento geral de US$ 23,204 bilhões para o total das vendas externas do setor).
  • Na soma total, a indústria de transformação deverá exportar US$ 138,041 bilhões neste ano, frente a US$ 114,837 bilhões no ano passado, com alta de 20,2%. As importações do setor, de outro lado, tendem a avançar 23,3%, saindo de US$ 147,757 bilhões para US$ 182,152 bilhões. O déficit comercial da indústria, num processo de substituição de importações às avessas, poderá experimentar um salto de 34,0% entre 2020 e este ano, subindo de US$ 32,920 bilhões para US$ 44,111 bilhões.
  • “O Brasil permanece mantendo elevada dependência das exportações de commodities, com os produtos manufaturados continuando a sofrer forte impacto negativo decorrente da falta de competitividade”, observa a AEB. A associação pondera, de toda forma, a pandemia da Covid-19 continua provocando “mudanças bruscas de cenários e projeções, tanto decorrentes de fatores externos como internos, afetando os dados de exportação e importação”, o que poderá tornar obsoletas as estimativas agora divulgadas.
  • As incertezas ainda presentes são agravadas pelos “diferentes estágios” da vacinação entre os países e ainda pelo surgimento de novas cepas do vírus, o que tem “provocado ajustes econômicos e iniciativas temporárias em cada país, impactando seus níveis de desenvolvimento, afetando empregos, investimentos e o comércio mundial”.
  • Adicionalmente, a AEB registra o que chama de “dessincronização” entre oferta e demanda de insumos e produtos no mercado mundial e ainda “problemas no transporte marítimo, com redução de rotas, falta de container e forte elevação do frete”, constituindo“fatores que contribuem para as oscilações” de humores e de tendências lá fora.