Coluna

Próximo ano poderá começar em déficit na demanda agregada

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 13 de outubro de 2020

Lauro Veiga 

As perspectivas para a economia em 2021, já considerando o ano em curso praticamente encerrado, começam a se complicar diante das dificuldades óbvias que o governo vem enfrentando para colocar de pé alguma política que permita compensar o fim do auxílio emergencial em dezembro próprio. Por falta de projeto e por falta de governo. A redução dos rendimentos proporcionados pela distribuição do auxílio, sobretudo para trabalhadores informais e para os mais pobres, trará inevitavelmente uma queda na chamada demanda agregada (a soma de todo o consumo no país, incluindo as famílias, as empresas e os governos), impactada inicialmente pelo corte do auxílio para os R$ 300 já anunciados, em vigor desde setembro. O cenário torna-se mais complicado porque, a partir de janeiro, o corte naquelas transferências será ainda mais radical.

O valor do auxílio, sustenta José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, está reduzido pela metade desde o mês passado, numa redução que ser ainda maior, já que o cadastro que contempla as famílias elegíveis está sendo revisado e tende a encolher também. “Vamos considerar que (a redução) seja pela metade só. O que isso significa? Significa uma contração da demanda. Não tem como escapar disso”, afirma ele.

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De acordo com , os modelos macroeconômicos adotados pela instituição sugerem um terceiro trimestre com maior variação para o Produto Interno Bruto (PIB), o que, na sua visão, seria “natural” considerando-se as dimensões do tombo sofrido nos meses anteriores, e um quarto trimestre ainda positivo, “até por conta de você ter estendido o benefício”. Mas o começo de 2021 viria com uma “redução muito forte na massa ampliada de rendimentos e aí o PIB (Produto Interno Bruto) perde fôlego”. Para todo ano de 2021, o Ibre trabalha com crescimento de 3,5%, depois de um tombo de 5,3% esperado para 2020.

Freio na demanda

Gonçalves considera um pouco otimistas demais as previsões mais frequentes no mercado, que colocam o crescimento no próximo ano numa faixa entre 3,5% e até mesmo 4,5%. “Não vai ser isso. Acho que vai ser menos, qualquer coisa em torno de 2,5%, porque haverá esse ‘carregamento’ para o começo de 2021 de uma queda na renda das famílias”, aponta o economista. “Não tem jeito. Cai a renda das famílias, o consumo cai”. Daí em diante, tem-se uma reação em cadeia, que o menor consumo pelas famílias leva a uma redução das vendas, o que produz menor geração de caixa para as empresas, o que leva a uma redução na produção, menor capacidade de geração de empregos e, portanto, possibilidades reduzidas de um crescimento mais intenso.

Balanço

· “O Brasil entrou nessa pandemia mais informal, com mais desemprego, menos condições fiscais e com baixo crescimento”, considera Sílvia Matos. No primeiro trimestre deste ano, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) registrava 43,793 milhões de informais no País, considerando trabalhadores sem carteira, por conta própria e aqueles que trabalhavam para as famílias sem remuneração. Isso correspondia a 43,48% do total de pessoas ocupadas.

· Esse número ajuda a entender porque o tamanho do auxílio anunciado aos informais e às empresas atingiu 12,0% do PIB, muito próximo do que os países mais desenvolvidos gastaram. Na conta brasileira, estão incluídas as despesas com saúde durante a pandemia, que foram também proporcionalmente elevadas no Brasil muito provavelmente pela descoordenação do governo federal no enfrentamento da crise sanitária, o que favoreceu a multiplicação dos casos de infecção e de mortes.

· O número de informais havia desabado para 37,587 milhões no trimestre encerrado em julho último, numa redução de 6,206 milhões de pessoas (-14,2%) desde o primeiro trimestre do ano. O número total de ocupações no mesmo intervalo caiu 11,1%, com fechamento de 10,196 milhões de empregos, reduzidos para 82,027 milhões no trimestre maio a julho (o mais baixo da série histórica). Ou seja, a 10 empregos perdidos pelo País, em torno de seis eram ocupados por informais, sem direitos trabalhistas e sem qualquer proteção social.

· A preservação das possibilidades de uma recuperação mais consistente e sólida dependerá do comportamento do mercado de trabalho, que tem sofrido e deverá continuar a registrar taxas crescentes de desemprego nos próximos meses. Estudo do Ibre, aponta a economista, mostra que uma redução na renda, como deve ocorrer após a redução do auxílio, tende a aumentar o número de pessoas em busca de emprego, numa tentativa de recompor ou compensar a perda de rendimento da família. O desemprego hoje camuflado pelo número recorde de trabalhadores fora do mercado tenderia a crescer.

· O impacto deverá mais duro para as famílias mais pobres. Trabalho recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 6,2% do total de domicílios, sobreviveram em agosto apenas com os rendimentos trazidos pelo auxílio emergencial, percentual que chega a 4,7% em Goiás, mas sobe 10% a 13% nos Estados do Nordeste.

· O mesmo estudo mostra ainda que o auxílio emergencial representou perto de 10,5% da massa de rendimentos ampliada em todo o País no mês de agosto, mas teve participação de 20,4% na soma de todos os rendimentos das famílias nordestinas e de 19,1% no Norte. Nos domicílios do Centro-Oeste, a contribuição do auxílio chegou a 8,3%.