“Razões fortuitas” explicam alta do investimento. Pouco a celebrar

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 19 de janeiro de 2022

O crescimento vigoroso registrado pelos investimentos no País num período mais recente pode ser explicado em grande parte por fatores meramente contábeis, sem efeitos econômicos (quer dizer, sem impactos sobre o lado real da economia), e uma combinação de motivos fortuitos, incapazes de assegurar uma retomada de fôlego mais longo. Em um resumo muito aproximado, estas são as principais conclusões de um artigo produzido a seis mãos e publicado recentemente no Blog do Ibre – que vem a ser o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Assinam o trabalho os economistas Claudio Considera, que coordena o Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do próprio Ibre, Ricardo Barboza e Isabela Kelly. Sua conclusão deixa evidente o caráter transitório daquele avanço. “O crescimento recente da taxa de investimento no Brasil”, registram os autores, “não deveria ser motivo de ampla comemoração, pois parte relevante do movimento se explica por três razões fortuitas: o aumento recente nos preços relativos dos investimentos em relação ao PIB, a internalização abrupta das plataformas de petróleo e o forte crescimento dos investimentos em tratores e outras máquinas agrícolas, e em caminhões e ônibus, ambos muito influenciados pelos preços internacionais de commodities”.

Considera, que foi chefe das Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1986 e1992, Barboza e Isabela registram, inicialmente, que a economia brasileira vinha já convivendo com taxas de investimento muito baixas, mesmo em comparação com outros países. Na média entre 1990 e 2020, o País investiu o correspondente a apenas 18,6% do Produto Interno Bruto (PIB), o que significa dizer que muito menos de um quinto da renda gerada pelos brasileiros havia sido direcionada para criar novas fábricas e ampliar a capacidade de produção de bens e serviços na economia.

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Avanço destoante

Tomando uma amostra de 49 países, a taxa média de investimento para o mesmo intervalo havia alcançado 23,7%, sob a liderança da China, que investiu em média 40,7% do seu PIB. O desempenho brasileiro nesta área só foi melhor do que cinco outros países (Reino Unido, Grécia, África do Sul, Uruguai e Argentina). Entre 2012 e 2013, no entanto, a taxa anual média de investimento no Brasil oscilou entre 20,7% e 20,9% do PIB, atingindo 21,5% no terceiro trimestre de 2013. Diante da recessão e da crise política que levou ao afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, o investimento “entrou em queda livre” a partir de 2014, despencando para apenas 14,9% no terceiro trimestre de 2017, segundo dados do IBGE. A partir dali a taxa elevou-se até perto de 16,0% do PIB, passando a oscilar em torno desse número entre 2016 e até o terceiro trimestre do ano passado, já durante a pandemia. O que aconteceu dali em diante parece contrariar a lógica econômica e não combinava mesmo com um cenário macroeconômico ainda bastante insalubre, com a ausência de políticas de sustentação do crescimento e de estímulo ao investimento privado e com os cortes pronunciados no investimento público.

Balanço

  • “Esse crescimento ocorreu de forma monotônica até o último dado disponível, referente ao terceiro trimestre de 2021, quando a taxa de investimento alcançou 19% no acumulado em 12 meses, patamar já superior à média desde 1990. Impossível não ficar curioso sobre os condicionantes desse movimento”, comentam Considera, Barboza e Isabela.
  • Na avaliação do trio, a redução dos juros básicos para níveis mínimos históricos em 2020 (2,0% ao ano) até poderia ter estimulado o investimento. Mas os juros, ponderam, já vinha em baixa desde 2016, “não havendo razões para uma alteração brusca no investimento por causa daquela variável, ainda mais considerando a incerteza vigente naquele momento”.
  • Da mesma forma, o tal “novo marco legal do saneamento” e a licitação de algumas concessões de atividades públicas poderiam ser tomadas como “notícias promissoras” sob o ponto de investimento, sempre na visão dos autores do artigo. Os efeitos agregados desses fatores, entretanto, seriam limitados e, além de tudo, “distribuídos no tempo” (ou seja, o investimento esperado ocorreria ao longo de vários anos, em modestas parcelas anuais.
  • Mas o que então ocorreu a ponto de levar àquele crescimento? Vale lembrar que o investimento chegou a avançar 22,7% no acumulado dos três primeiros trimestres de 2021 (depois de apresentar recuo de “apenas” 5,1% no mesmo período de 2020).
  • Considera, Barboza e Isabela lembram que a taxa de investimento “nada mais é que do a razão entre o valor do investimento (que por sua vez é resultado da multiplicação do valor do investimento pela quantidade investida) e o valor do PIB (novamente, resultado da multiplicação do valor pelo volume dos bens e serviços produzidos)”. Por algum motivo, não apresentado pelo trio de economistas, o preço do investimento passou a subir mais do que o preço do PIB por volta do terceiro trimestre de 2020. “A rigor, nos últimos 20 anos, nunca houve um aumento tão forte nesta razão, que geralmente flutua ao redor de um”. Os dados sugerem que parte da alta da taxa de investimento decorreu “de uma simples mudança de preços relativos”, numa tendência que já parece refluir, antecipando quedas para os próximos trimestres.
  • Nas contas nacionais, quer dizer, no PIB, o investimento é retratado como formação bruta de capital fixo, formado pelos setores de construção, máquinas e equipamentos e demais componentes (incluindo o plantel de bovinos, softwares e serviços de informação, serviços prestados às empresas e outros), conforme os autores. Comparando os períodos entre 2000 e 2017 com 2017 e 2021, a composição alterou-se substancialmente: a construção recuou de 52% para 42%; máquinas e equipamentos saíram de 35% para 43%; e os demais componentes variaram de 13% para 15%.
  • Informações exclusivas do Monitor do PIB-FGV mostram que, nos 12 meses encerrados em agosto de 2020, a construção avançava apenas 0,5%, com máquinas e equipamentos despencando 11,9% e demais componentes com variação de 2,3%. Nos 12 meses terminados em setembro de 2021, a construção passa a crescer 12%, com alta de 9,4% para os demais componentes e salto de 34,1% para máquinas e equipamentos.
  • Há dois fatores centrais por trás daquele salto. O primeiro está relacionado à incorporação de plataformas de petróleo que haviam sido produzidas em anos anteriores e já estavam em operação no País, mas só foram incorporadas às contas nacionais a partir de 2019. “Apenas para ilustrar, somente nos primeiros nove meses de 2021, estas operações de internalização de plataformas representaram um total de R$ 72,5 bilhões (quase 6% do investimento registrado no período)”, anota o artigo.
  • O segundo fator diz respeito ao “forte crescimento dos investimentos em tratores e outras máquinas agrícolas, e em caminhões e ônibus, ambos muito influenciados pelos preços internacionais de commodities”. Conforme os autores, tratores e outras máquinas agrícolas registraram crescimento de 60% no acumulado em 12 meses até outubro de 2021, frente a elevação de 45% para caminhões e ônibus na mesma comparação. Fatores transitórios, insuficientes para garantir altas sustentadas e de prazo mais longo para o investimento.