Redução nos preços do petróleo traz risco de queda nas receitas

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de dezembro de 2022

A tendência recente de retração nos preços internacionais do petróleo acrescenta um foco adicional de pressão sobre o cenário fiscal de curto prazo, elevando os riscos de uma queda nas receitas primárias do governo no próximo ano, alerta o economista Sérgio Wulff Gobetti, em artigo publicado recentemente no Blog do Ibre, espaço aberto pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) para debate de temas econômicos. “Não há dúvida de que o gasto público deve ter seu crescimento controlado e, sobretudo, sua qualidade aprimorada, mas sinto avisar aos navegantes que este não será o principal desafio fiscal do próximo governo que se inicia em 1º de janeiro”, adverte ele já na introdução de seu comentário.

Gobetti mostra que a receita primária da União, que exclui receitas de caráter financeiro (juros e amortizações recebidas pelo poder público, além de recursos resultantes de operações de crédito e de ganhos eventuais na gestão da dívida pública), tem crescido neste ano muito além da média histórica, com ganho acumulado de dois pontos de percentagem sobre o Produto Interno Bruto (PIB) na comparação com 2021. E lembra ainda que esse ganho tem ocorrido a despeito das “significativas desonerações” ocorridas no Imposto sobre Produto Industrializados (IPI), na contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS), assim como na Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Nos seus cálculos, as desonerações em questão, aplicadas especialmente para baratear artificialmente os preços dos combustíveis, tiveram um impacto correspondente a 0,8% do PIB no acumulado em 12 meses. Os ganhos de receita ao longo do ano mais do que compensaram as perdas geradas pela redução do PIS/Cofins. Mantida a tributação original, portanto, pode-se supor que o aumento na receita primária poderia muito bem ter se aproximado de 2,8 pontos de percentagem em relação ao PIB, num “ajuste” que não pode ser explicado unicamente por alguma melhoria cíclica da atividade econômica, mas “principalmente e especificamente pelo impacto do aumento do preço internacional do petróleo”, sugere Gobetti.

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Recorde absoluto

O aumento nos preços do petróleo cumpriu papel determinante no salto anotado pelas receitas primárias, principalmente em 2021 e 2022, conforme, Gobetti, muito embora a produção doméstica tenha avançado em velocidade superior ao crescimento do PIB no período. As receitas associadas à renda do setor petrolífero, incluindo o pagamento de royalties e a distribuição de dividendos recordes pela Petrobrás, além dos chamados “bônus de assinatura” (pagos pelas empresas que venceram licitações para venda de áreas de exploração de petróleo no litoral brasileiro), a produção excedente de óleo nos poços explorados em regime de partilha com a União e impostos incidentes sobre as receitas do setor petroleiro, “estão batendo recorde absoluto em 2022, devendo atingir a cifra de 2,75% do PIB ante 1,35% em 2021 e uma média histórica de 0,93%”, também em relação ao PIB.

Balanço

  • Os dados aferidos por Gobetti permitem concluir que a arrecadação do setor petrolífero, mais o pagamento de royalties, participações, com acréscimo ainda da distribuição de lucros e dividendos em favor da União, foram responsáveis por 83% do aumento da receita primária em 2022 em relação à média histórica. Na comparação entre 2022 e 2021, perto de 68% do ganho de receita tiveram como origem também o petróleo e seus derivados.
  • O economista avalia ainda se o fenômeno não poderia estar relacionado ao fato de a produção de petróleo vir crescendo a taxas superiores àquelas experimentadas pelo PIB, com avanço médio de 4,0% ao ano na última década frente a uma variação média anual de 0,5% para a atividade econômica como um todo. Num exercício estatístico, supondo taxas de crescimento equivalentes para a produção de petróleo e o PIB, a receita do setor petroleiro  alcançaria algo como 1,96% do PIB, em torno de 0,8 pontos percentuais abaixo do nível atual, mas ainda pouco mais de um ponto de percentagem do PIB acima da média histórica.
  • O fator central, insiste ele, foi de fato a alta nos preços internacionais, com o valor médio do barril avançando de US$ 71 na média em 2021 para US$ 102 na média anual registrada até o começo de dezembro, numa elevação de 43,7%. A desvalorização do dólar também influiu na elevação das receitas do setor petrolífero, mas em intensidade menos relevante. “Se o preço do petróleo tivesse se mantido em US$ 71 em 2022, o governo teria arrecadado do setor petrolífero 1,53% do PIB em vez de 2,75% do PIB; ou seja, a receita primária teria sido 1,2 pontos porcentuais do PIB menor do que está sendo e muito próxima da observada em 2021”, sublinha Gobetti.
  • Os valores médios, no entanto, não expressam toda a incerteza e volatilidade que rondam o mercado internacional de petróleo, especialmente diante dos temores de um desaquecimento adicional e mesmo de recessão nas principais economias globais. “Nos últimos seis meses, por exemplo, o barril do petróleo despencou de US$ 129 em junho para US$ 77 dólares no início de dezembro”, comenta Gobetti. A queda no período aproximou-se de 40,3% e, retoma o economista, “não se sabe se essa queda é passageira e se a tendência de alta não voltará a dominar a conjuntura nos próximos anos”.
  • Considerando que os preços do barril mantiveram-se ao redor de US$ 63 na média do período entre 2000 e 2022, Gobetti considera pouco prudente apostar em cotações nos mesmos níveis observados nos primeiros meses de 2022. Caso o barril se mantenha na faixa de US$ 80, em outro exercício, as receitas primárias registrariam baixa de 0,7% do PIB em 2023. O aumento esperado da produção poderá elevar as receitas do petróleo para 3,3% do PIB (quase 0,55 pontos percentuais acima dos níveis esperados para 2022), mas apenas por volta de 2029 e 2030.
  • “Esse conjunto de dados reforça as evidências de que a melhoria recente dos indicadores fiscais não tem caráter estrutural e indica haver um risco considerável de a receita primária do setor petrolífero cair nos próximos quatro anos em comparação a 2022”, acrescenta ele. Dado o nível de compressão a que as despesas públicas foram submetidas desde a adoção do teto de gastos, sobretudo no caso de investimentos e folha de salários do funcionalismo, seria necessário pensar em outras formas de prover o equilíbrio fiscal, “e talvez o setor petrolífero seja um dos segmentos que, pelo caráter extraordinário e especial de suas rendas, deva ser submetido a um ajuste na sua tributação”, sugere Gobetti.