Refém do mercado, BC mantém juros com base em expectativas “furadas”

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 05 de maio de 2023

O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgado no início da noite de quarta-feira, 03, reafirma o que já se sabia sobre as decisões do colegiado: toda a política de juros tem sido direcionada pelos mercados, mais precisamente, pelas “expectativas” de 140 instituições majoritariamente do setor financeiro. O comitê alinha uma série de fatores que poderiam levar a inflação para baixo ou para o alto no chamado “horizonte relevante para a política monetária”, quer dizer, até 2024, aparentemente desconsiderados na decisão final, conforme sugere o comunicado.

A manutenção da taxa básica de juros em indecentes 13,75% ao ano foi definida quase que exclusivamente em função de um “desalinhamento” entre as expectativas do mercado em relação à inflação futura e a meta inflacionária estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), reduzida de 3,50% em 2022 para 3,25% neste ano e, tudo mantido como está, seguirá reduzida para 3,0% no próximo ano. Há dois aspectos fundamentais na condução equivocada da política monetária pelo operador de mercado Roberto Campos Neto, presidente do BC.

Como aponta o economista André Nassif, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em artigo recente publicado pelo jornal Valor Econômico, reforçando o que esta coluna tem destacado, a atuação do BC tem contribuído para alimentar o avanço da relação entre dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), exacerbando as incertezas no mercado, o que resulta em perspectivas mais negativas em relação à inflação que os juros altos deveriam derrubar (juntamente com toda a economia).

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Círculo vicioso

Nassif argumenta, corretamente, que o aumento de despesas com juros, produzido pela política monetária em cena, aumenta a relação entre dívida e PIB, indicador acompanhado com fervor quase religioso pelos mercados. Nesse sentido, “a política monetária contracionista deteriora ainda mais as próprias expectativas. Com isso, a autoridade monetária reverte a suposta causalidade expectativas-juros para juros-expectativas, já que é a piora das expectativas, alimentada pelo próprio BC, que passa a depender das taxas de juros, e não o contrário”. Num resumo aproximado, o BC aumenta os juros, gera mais despesas, fazendo a dívida crescer e piorando as expectativas inflacionárias, o que leva a novo ciclo de alta dos juros (ou de sua manutenção em níveis extorsivos por um período insuportavelmente longo de tempo).

Balanço

  • Um segundo aspecto, com graves implicações jurídicas e constitucionais, tem sido alertado com a seriedade e competência usuais pela procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane, e pela economista e pesquisadora do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Simone Deos, numa série de artigos publicados no site Consultor Jurídico (Conjur).
  • No artigo mais recente, Élida e Simone defendem, com embasamento técnico e jurídico, que “as expectativas de mercado captadas pelo BC e veiculadas pelo Relatório Focus não devem guiar a atuação da autoridade monetária na definição da taxa de juros, porque são más previsoras da inflação”. Afinal, dizem elas, se as expectativas são “variável importante na condução da política monetária, é oportuno examinar em que medida elas se confirmam na realidade”.
  • De partida, o universo pesquisado mostra-se irrelevante, incluindo em torno de 140 instituições que dispõem de departamentos de macroeconomia estruturados, não refletindo, obviamente, os setores de fato formadores de preços na economia. Como resultado dessa pesquisa, que afinal acaba definindo a política de juros, a autoridade monetária “tem sido conduzida por um termômetro metodologicamente inepto e enviesado”.
  • Élida e Simone levantaram os dados sobre a inflação mensal, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada nos últimos 10 anos, entre 2013 e 2022, comparando com as expectativas do mercado. “O que pode ser observado, sem dificuldade, é que é muito baixa a relação entre a trajetória da inflação efetivamente ocorrida e a trajetória das expectativas — vale dizer, a correlação entre elas”, afirmam ambas.
  • Os resultados, prosseguem elas, são “consistentemente distantes da realidade, algo atestado pela baixa correlação estatística entre as variáveis expectativas e inflação efetiva no período observado, numa correlação de apenas 0,12 entre 2013 e 2022” – o que significa dizer que as expectativas erraram o alvo 88 vezes a cada 100 tentativas.
  • Para reforçar o argumento, entre a reunião realizada no começo de março pelo Copom e a reunião seguinte, concluída no dia 3, quarta-feira, a inflação acumulada em 12 meses recuou de 5,60% (IPCA de fevereiro, já que a taxa de março, obviamente, ainda não era conhecida) para 4,16% nos 30 dias terminados em 15 de abril. Mas a expectativa capturada pelo Focus para 2023 saiu de 5,90% para 6,05%.
  • Em seu “cenário de referência”, o Copom trabalha com uma taxa de inflação de 5,80% para este ano, considerando um salto de 10,8% para os preços administrados (energia, combustíveis, tarifas de água e esgoto e outros). Será preciso que os preços do setor entrem em disparada daqui para frente, muito mais severa do que a experimentada no ano passado, para que as projeções do comitê se materializem, já que a inflação dos preços administrados estava negativa nos 12 meses concluídos em abril deste ano (-3,10%).