Renda dos muito ricos com lucros e dividendos salta 159% seis anos
A distribuição de lucros e dividendos, incluindo rendimentos relacionados a juros sobre o capital próprio – um artifício genuinamente brasileiro,
criado para que as empresas possam reduzir impostos a pagar –, contribuiu para incrementar os ganhos anuais dos muito ricos e agravar a concentração de renda no País. Até porque, lucros e dividendos continuam submetidos a um regime muito especial de tributação, que assegura isenção quase integral de impostos a contribuintes que colocados na faixa de 1,0% mais ricos, favorecendo mais amplamente a parcela de 0,1% de muito, mas muito ricos.
Segundo nota técnica preparada pelo economista Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e divulgada pelo Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), os dados da Receita Federal do Brasil, referentes a 2023, mostram uma escalada no fluxo anual de lucros e dividendos nos últimos seis anos, com saltos expressivos paradoxalmente durante os anos de pandemia.
As rendas provenientes de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, considerando também rendimentos pagos a sócios de pessoas jurídicas incluídas no Simples Nacional, dispararam de R$ 385,243 bilhões em 2017 para R$ 998,856 bilhões em 2023, num salto de 159,3%, aproximando-se
pela primeira da marca simbólica de R$ 1,0 trilhão. O dado de 2023, trabalhado por Golbetti, exclui o efeito da mudança de tributação sobre fundos fechados e offshore. Se considerada a renda daqueles fundos levada à tributação em 2023, os rendimentos alcançariam R$ 1,004 trilhão.
Perto de 47% daquela montanha de dinheiro, algo como R$ 469,5 bilhões, foram apropriados pela fatia de 0,1% entre os mais ricos, no topo da
pirâmide da (injusta) distribuição da renda nacional, conforme aponta Gobetti. O formato injusto da tributação dos muito ricos ajudou a agravar a concentração da renda.
Distribuição piorada
Entre 2017 e 2023, a participação do 0,1% mais rico na renda nacional disponível das famílias subiu de 9,14% para 12,55%, saindo de 12,08% em 2022. “Ou seja, embora os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) recentemente divulgados pelo IBGE indiquem uma melhor distribuição da renda do trabalho, sobretudo em 2024, os dados mais precisos do IRPF parecem mostrar que a desigualdade de renda no sentido mais amplo (especialmente quando se mensura a renda dos mais ricos de modo mais acurado) não apresenta sinais de melhora”, observa Gobetti. As diferenças podem ser explicadas pelo fato de os dados da PNADC, de forma geral, tenderem a subestimar a renda dos muito ricos.