“Riqueza” financeira aumenta R$ 4,037 trilhões desde 2016

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de fevereiro de 2023

Nos últimos seis anos, cobrindo o período que vai de dezembro de 2016 a dezembro de 2022, o saldo dos chamados “haveres financeiros” em poder de rentistas, incluindo bancos, empresas, investidores em geral, famílias mais abonadas e investidores não residentes no País, excluída a popular caderneta de poupança, experimentou um salto de 72,23% em valores nominais, quer dizer, sem descontar a variação da inflação no período. Conforme dados oficiais, produzidos pelo Banco Central (BC), o estoque de recursos aplicados em títulos privados e públicos avançou de quase R$ 5,590 trilhões para algo em torno de R$ 9,627 trilhões ao fim do ano passado, correspondendo à entrada de R$ 4,037 trilhões no cassino financeiro instalado no País e sustentado, entre outros fatores, pela política de juros do mesmo BC.

A ciranda financeira atraiu alguns bilhões de reais a mais do que toda a riqueza adicionada ao Produto Interno Bruto (PIB) no mesmo intervalo. Vale dizer, a riqueza adicional gerada por toda a economia foi menor do que o volume de recursos direcionados ao cassino dos juros altos. Considere, rara leitora e raro leitor, a conta seguinte, realizada com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no valor estimado pelo BC para o PIB do ano passado. Tenha em mente ainda que o PIB é uma formulação desenvolvida com base em técnicas intricadas de macroeconomia para tentar estimar o volume de riquezas (bens e mercadorias, serviços e produtos agrícolas) produzido por uma economia ao longo de determinado período.

Obviamente, trata-se de um cálculo imperfeito, que não consegue capturar toda a complexidade das relações econômicas e sociais que terminam definindo o tamanho do PIB. Um exemplo real pode ajudar a entender as dimensões do desafio envolvido nessa empreitada. Uma região devastada por temporais inclementes, frequentes no verão brasileiro, experimentará um forte crescimento de seu “PIB” no momento de sua reconstrução, embora todo o esforço esteja sendo direcionado unicamente para tentar recompor a situação anterior. As vidas perdidas como consequência das chuvas, com toda sua carga de sofrimento para centenas, milhares de famílias, sequer são levadas em consideração.

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Lado real

Voltando ao PIB nacional, seu valor em termos nominais saiu de R$ 6,269 trilhões em 2016, de acordo com o IBGE, para R$ 9,836 trilhões, o que correspondeu a uma variação próxima de 57,0%. A economia conseguiu acrescentar algo como R$ 3,567 trilhões a suas “riquezas” naqueles seis anos, ou seja, em torno de 11,6% abaixo dos recursos “extras” alocados pela elite rentista a seus investimentos no cassino dos juros altos. Com taxas nas alturas, dificilmente o lado real da economia conseguirá sobrepujar a capacidade da ciranda financeira de atrair recursos, o que certamente tem afetado os investimentos em atividades de fato produtivas, além de funcionar como um poderoso mecanismo para concentrar rendas e riquezas nas mãos de muito poucos.

Balanço

  • Descontada a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e ainda mantendo a caderneta de poupança fora dessa contabilidade, o volume de dinheiro circulando entre títulos públicos federais, papéis privados, em depósitos a prazo, cotas de fundos de investimento e operações compromissadas públicas e privadas, aumentou quase 27,0% entre 2016 e 2022.
  • A participação dessa montanha de dinheiro no PIB, da mesma forma, avançou de 89,16% para 97,87%. Incluindo a poupança, o estoque de haveres financeiros sobe para R$ 10,626 trilhões em dezembro do ano passado, chegando a 108,03% do PIB, diante de 99,84% em 2016.
  • Os recursos aplicados na caderneta de poupança, no entanto, têm encolhido num período mais recente, baixando de alguma coisa muito próxima de R$ 1,040 trilhão em 2020 para R$ 998,943 bilhões no ano passado, em valores nominais mais uma vez. As perdas acumuladas atingiram perto de R$ 40,964 bilhões no período, equivalente a um recuo de 3,94%.
  • Sem a poupança, os demais haveres apresentaram crescimento de 12,61% na passagem de 2021 para 2022, o que representou um crescimento real de 5,68% a valores de dezembro do ano passado. Para registro, o estoque da “riqueza financeira” avançou de R$ 8,549 trilhões para aqueles R$ 9,627 trilhões, ou seja, nada menos do que R$ 1,078 trilhão a mais, representando em torno de 26,7% do incremento observado nos últimos seis anos. Na verdade, quase 57,0% do crescimento observado para os haveres financeiros desde 2016 concentraram-se no período contado a partir de 2020, já em plena pandemia.
  • Além da caderneta, que apenas no ano passado sofreu perdas de R$ 38,567 bilhões frente a 2021 (em queda de 3,72%), também registraram queda o saldo das operações compromissadas com títulos federais, que despencou de R$ 209,827 bilhões para R$ 96,378 bilhões, num tombo de 53,90%, e o estoque de haveres mantidos por não residentes. Neste caso, investidores estrangeiros sacaram R$ 44,418 bilhões na saída de 2021 para 2022, com o estoque de haveres baixando de R$ 684,847 bilhões para R$ 640,429 bilhões, numa queda de 6,48%.
  • A fatia dos haveres detidos por estrangeiros aqui dentro, que vinha oscilando ao redor de 7,4% a 7,5% do PIB entre 2016 e 2020, chegou a ser elevada para 7,70% em 2021 para baixar até 6,51% no ano passado.
  • Para “alimentar” o cassino, o governo central pagou aos mercados algo em torno de R$ 2,453 trilhões entre 2016 e 2022. Na média anual, as despesas com juros corresponderam a 4,58% do PIB, o que se compara com uma relação próxima de 4,29% na média anual registrada no período entre 2009 e 2015, quando haviam somado pouco mais de R$ 1,436 trilhão. Em termos nominais, as despesas cresceram 70,77% entre os dois períodos.
  • A valores reais, o gasto com juros avançou de R$ 2,541 trilhões entre 2009 a 2015 para R$ 2,959 trilhões de 2016 a 2022. Nessa comparação, o crescimento aproximou-se de 16,47% já descontada a inflação.