Coluna

“Riqueza” financeira supera 101% do PIB e dívida privada bate novo recorde

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 02 de junho de 2020

Os
efeitos da pandemia mexeram com rotinas e práticas dos donos do dinheiro no
País, mudando ligeiramente o perfil das aplicações escolhidas para assegurar os
ganhos dos rentistas em tempos de crise e juros em queda inédita. Em
contrapartida, a alta do dólar elevou a dívida das empresas e das famílias para
os níveis mais elevados na série histórica de estatísticas do Banco Central
(BC) nesta área. A “riqueza financeira” – ou mais apropriadamente o conjunto de
investimentos estacionados na caderneta de poupança, em títulos públicos e
privados e em cotas de fundos de investimento – subiu para valores igualmente
históricos em abril, quando as medidas de isolamento atingiram o seu pico (até
aqui). No total, aquelas aplicações haviam somado R$ 7,438 trilhões, avançando
0,95% em relação a março deste ano e 7,01% na comparação com abril de 2019, incluindo
haveres de pessoas não residentes no País, mas aplicados por aqui (e que vêm
murchando neste ano).

O
avanço manteve ritmo acelerado enquanto a economia real desmanchava, com queda
de 1,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre frente ao
trimestre anterior e previsões de uma retração também inédita de 14,0% no
segundo trimestre, na comparação com igual período do ano passado, conforme a
edição de ontem do relatório Focus, divulgado pelo mesmo BC. O saldo dos
trilhões de reais estacionados em investimentos financeiro sem abril
correspondeu a 101,93% do PIB, estimado pelo BC em R$ 7,297 trilhões para o
período de 12 meses encerrado em abril deste ano. Para comparação, em abril do
ano passado, o estoque de aplicações financeiras havia alcançado pouco mais de
R$ 6,950 trilhões, equivalendo a 99,52% do PIB (ainda na estimativa do BC). Em
março deste ano, a relação havia alcançado 100,4% do PIB, com saldo de R$ 7,368
trilhões em valores arredondados.

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O
saldo do crédito ampliado contratado por empresas não financeiras e pelas
famílias, da mesma forma, avançou 1,79% na saída de março para abril deste ano,
crescendo 17,78% em 12 meses, para R$ 6,281 trilhões, algo como 86,1% do PIB.
Em março, a dívida ampliada daqueles setores já havia alcançado 84,2% do PIB,
somando R$ 6,171 trilhões. No quarto mês de 2019, com a dívida aproximando-se
de R$ 5,333 trilhões, a relação com o PIB somava 76,4%.

O outro lado

A
contraparte da “riqueza financeira” privada está expressa no endividamento do
setor público. Vale dizer, os ganhos acumulados pelos rentistas no País são
obviamente extraídos de algum lugar – e saem do orçamento público, em sua
dimensão financeira. Embora essa seja uma conta negligenciada por economistas e
analistas econômicos em geral. A dívida bruta do governo geral (União, Estados,
municípios e suas estatais) vem registrando crescimento proporcional ao longo
deste ano, turbinado ainda pela necessidade de ampliação de gastos para o
enfrentamento da crise sanitária (uma medida correta e que tem elevado o
endividamento público em todo o planeta, sem exceções). Em abril do ano
passado, aquela dívida somava pouco menos de R$ 5,380 trilhões, representando
78,8% do PIB, e subiu 6,17% até abril deste ano, para R$ 5,818 trilhões, algo
como 79,7% do PIB. Como se observa, a “riqueza financeira” não apenas cresceu
muito mais, como passou a ser maior do que todas as riquezas geradas pela
economia ao longo de um ano.

Balanço

·  
O
aumento do crédito ampliado de março para abril e ainda no acumulado dos quatro
primeiros meses deste ano foi quase todo impulsionado pelo crescimento da
dívida contratada em moeda estrangeira, refletindo a alta média de 37,6%
acumulada pelo dólar entre abril do ano passado e o mesmo mês deste ano e de praticamente
35,0% entre janeiro e abril deste ano.

·  
Convertida
em reais, a dívida externa das empresas não financeiras e das famílias,
conforme dados do BC, saltou 32,82% entre dezembro de 2019 e abril deste ano,
saindo de R$ 1,421 trilhão para pouco menos de R$ 1,806 trilhão, num acréscimo
de R$ 446,1 bilhões. Essa variação foi responsável por 81,33% de todo o aumento
experimentado pelo estoque do crédito total ampliado contratado por aqueles
segmentos no período. O aumento, neste caso, chegou a 9,57% (de R$ 5,733
trilhões para R$ 6,281 trilhões), correspondendo a R$ 548,5 bilhões a mais.

·  
A
contribuição foi mais relevante na variação mensal. O volume total do crédito
ampliado elevou-se 1,79% de março para abril, acrescentando R$ 110,50 bilhões à
dívida. A parcela em moeda estrangeira desse crédito avançou 6,30%, o que
significou R$ 107,0 bilhões adicionais na dívida externa (ou seja, 96,83% do
incremento observado para todo o saldo do crédito).

·  
No
lado da “riqueza financeira”, ou seja, dos saldos investidos em papéis públicos
e privados e ainda na tradicional caderneta de poupança, houve fuga de
investidores estrangeiros e alguma realocação entre as diversas formas de
multiplicação dessa riqueza. O valor dos chamados “haveres de não residentes”,
na classificação do BC, sofreu queda de 5,60% de março para abril, caindo de R$
497,388 bilhões para R$ 469,556 bilhões, o que, por sua vez, representou baixa
de 10,41% desde abril do ano passado (saindo de R$ 524,113 bilhões).

·  
Em
12 meses, portanto, os investidores estrangeiros reduziram suas aplicações
financeiras em R$ 54,557 bilhões. Mais da metade dessas perdas (precisamente
51,01%) ocorreram de março para abril deste ano, com redução equivalente a R$
27,832 bilhões em apenas um mês.

·  
O
saldo das aplicações em títulos federais igualmente sofreu perdas, caindo 5,87%
em relação a março (para R$ 431,831 bilhões) e 8,70% em 12 meses. Esse dado,
isoladamente, não pode ser configurado como uma “fuga” real de investidores de
títulos públicos federais, até porque as operações compromissadas com títulos
federais (ou seja, quando o Tesouro assume o compromisso de recompra futura dos
papéis vendidos em algum momento no passado recente) saltou 10,69% frente a
março, passando a acumular elevação de 3,38% em 12 meses.

·  
O
saldo das cotas de fundos de investimento, que incorporam papéis privados e
federais em sua composição, recuaram 0,78% de março para abril, chegando a R$
3,404 trilhões (com elevação de 3,70% em 12 meses). As aplicações em títulos
privados avançaram 5,68% no mês e saltaram 21,9% em 12 meses
(para R$ 2,030 trilhões).