Risco fiscal? Mas despesas e déficit primário não confirmam “estouro”

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de fevereiro de 2023

Num olhar de longo prazo, as despesas com juros surgem como o grande fator de desequilíbrio das contas públicas no Brasil, precisamente porque eles sempre foram muito elevados, correspondendo, na média anual observada ao longo das últimas duas décadas, a 4,47% do Produto Interno Bruto (PIB). Também na média anual do período, o déficit nominal, aquele que não esconde o gasto com juros debaixo do tapete, girou em torno de 5,06% do PIB – o que significa dizer que praticamente 88,3% do resultado negativo tiveram como origem a pressão dos juros sobre as despesas totais do governo central (instância que o governo federal, a Previdência e Banco Central).

Na média anual de todo aquele período, compreendido entre 2002 e 2022, as despesas primárias totais, agora com a exclusão dos gastos com juros, alcançaram, também na média anual, alguma coisa em torno de 18,70% do PIB. Na estimativa mais recente da Instituição Fiscal Independente (IFI), tomando o “cenário base” projetado pelo órgão que assessora do Senado em matéria orçamentária e fiscal, as despesas primárias tendem a alcançar perto de 18,8% neste ano, aproximando-se de R$ 1,981 trilhão, frente a pouco menos de R$ 1,802 trilhão no ano passado, correspondendo a uma variação nominal, num cálculo da coluna, de quase 9,9%.

A relação entre despesas e PIB, na previsão da IFI, deve registrar acréscimo em torno de 0,48 pontos de percentagem, considerando que essa participação havia sido de 18,32% em 2022, agora na estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que trabalha com uma previsão de R$ 9,836 trilhões para o PIB do ano passado (na verdade, trata-se de uma projeção do Banco Central, adotada pela STN). Os números esperados para as despesas já consideram o impacto da Emenda Constitucional 126/2022 (que ficou conhecida como a PEC da Transição), calculado em pelo menos R$ 168,0 bilhões.

Continua após a publicidade

Ponderações

A relação dependerá, evidentemente, da capacidade de crescimento da economia ao longo do período, o que estará associado, entre outros fatores, ao tamanho das taxas de juros. Mantidas nos níveis atuais, as perspectivas sugerem um avanço bastante modesto para a atividade econômica, caso o País consiga evitar efeitos ainda mais negativos sobre sua economia, advindos de sérios problemas financeiros impostos a empresas e às famílias por conta de seu endividamento muito elevado. Supondo-se uma revisão para baixo dos juros, a possibilidade de evitar o pior pode ser mais realista, favorecendo a gestão fiscal duplamente, via uma redução relativa das despesas com juros e pela retirada de um obstáculo de peso na trajetória das atividades produtivas.

Balanço

  • Na projeção da IFI, as receitas líquidas do governo central tendem a experimentar virtual estagnação neste ano, na comparação com 2022, tornando evidente uma retração em termos reais, já que se espera uma variação nominal de apenas 0,3% entre os dois períodos. As receitas passariam de R$ 1,856 trilhão para pouco menos de R$ 1,863 trilhão neste ano.
  • Isso faria reverter o sinal do resultado primário (receitas menos despesas, com exclusão dos juros), que passaria de um superávit de R$ 54,086 bilhões para um déficit de R$ 118,3 bilhões, a valores aproximados. Comparado com o PIB, o superávit de 2022 correspondeu a 0,55%. Para este ano, na estimativa da IFI, o rombo alcançaria 1,1% do PIB.
  • A se confirmar essa projeção e descontando-se 2020 e 2022 da comparação, o rombo estaria no seu nível menor desde 2014. Nos anos seguintes, o déficit primário foi sempre muito superior à previsão da IFI para 2023, atingindo 2,01% em 2015; 2,57% em 2016; 1,89% em 2017; 1,72% em 2018; e 1,29% em 2019. Antes do superávit de 2022, o governo central havia anotado rombo de 9,77% em 2020 (por conta dos créditos extraordinários abertos para combater a epidemia e fazer frente a seus impactos sobre a saúde e a economia) e déficit de 0,39% em 2021.
  • Sob impacto dos juros e do desequilíbrio entre receitas e despesas primárias, a dívida bruta do governo geral tende a subir de 73,45% do PIB em 2022, numa estimativa do BC, para 78,7% em 2023 (agora com base na previsão da IFI). A variação praticamente reestabeleceria a situação encontrada em 2021, quando a dívida bruta havia alcançado perto de 78,3% do PIB, saindo de 86,9% no ano imediatamente anterior.
  • Nos últimos 20 anos, a despesas com juros cresceram a uma velocidade quase duas vezes maior do que o avanço nominal experimentado pelo total de riquezas produzidas pelo País. Sempre em valores nominais, o gasto com juros experimentou um salto de 1.099,7% entre 2002 e 2022, saltando de R$ 41,948 bilhões para R$ 503,234 bilhões, na série histórica da STN.
  • No mesmo intervalo, o PIB nominal avançou de R$ 1,489 trilhão para R$ 9,836 trilhões, apresentando variação de 560,7%. Por isso mesmo, a relação entre despesas com juros e PIB saltou de 2,82% para 5,12%. O superávit primário em relação ao PIB murchou de 2,12% em 2002 para 0,55% no ano passado, já que o saldo positivo anotou variação de 71,28% (numa queda real de 47,25%).
  • Com o salto nos juros, no entanto, o resultado nominal experimentou salto de nada menos do que 4.370% em duas décadas, pulando de R$ 10,029 bilhões para R$ 448,288 bilhões. Descontada a inflação do período, o rombo aumentou 1.544% em termos reais. Na comparação com o PIB, o déficit nominal avançou de 0,67% para 4,56%.