Safra de grãos salta 63% em dez anos e capacidade de armazéns cresce 25%

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de novembro de 2022

As previsões de uma safra ligeiramente acima de 313,0 milhões de toneladas no próximo ano, além de estabelecer novo recorde, poderão gerar pressões adicionais sobre o sistema logístico do País, que tem recebido investimentos muito abaixo da mera necessidade de recompor o desgaste sofrido ao longo dos anos. Os números projetados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ainda terão que enfrentar o teste do clima, que tem se comportado de forma pouca amistosa nos últimos ciclos, alternando excesso de chuvas e baixa precipitação em momentos críticos para o desenvolvimento das lavouras.

À instabilidade climatológica, acrescente-se ao longo da safra iniciada oficialmente em julho deste ano, a propensão dos produtores para retardar o fechamento de contratos para venda antecipada da produção esperada. O comportamento tem sido influenciado pelo histórico recente das últimas safras, quando os produtores foram surpreendidos por altas de preços depois de já terem negociado sua produção, e ainda pela alta dos custos desde a segunda metade do ano passado, encarecendo sobremaneira insumos de forma geral, desde sementes e corretivos a adubos e defensivos. Alguns tipos de fertilizantes chegaram a triplicar de preço num período de 12 meses.

Esse atraso relativo na comercialização pode gerar, mais adiante, uma concentração no fechamento de contratos de venda e também na desova da safra, avalia Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro). A se confirmar a tendência esboçada até aqui, acrescenta Ricardo Jacomassi, economista-chefe e sócio da TCP Partners, o sistema brasileiro de logística estará sob pressões ainda maiores, num ano de safra “muito robusta”. A oferta recorde “vai exigir esforços enormes da cadeia de insumos, principalmente de fertilizantes, e do sistema de armazenagem”, antevê Jacomassi, antecipando-se um descasamento ainda mais acentuado entre a oferta de grãos e a capacidade estática dos armazéns.

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Faltam armazéns

Essa diferença já veio se alargando diante de um aumento de 63,0% na produção de grãos, que saltou de 166,17 milhões para 270,87 milhões de toneladas entre 2012 e 2022, enquanto a capacidade de armazenagem, nos dados da Conab, crescia apenas 25,0%, saindo de 145,42 milhões para 181,84 milhões de toneladas. Em 2012, a produção de grãos já havia sido em torno de 14,3% mais elevada do que a capacidade estática exibida pela rede de armazéns públicos e privados. O descompasso passou a atingir em torno de 49,0% na comparação entre produção e capacidade ao longo deste ano. Os números mais recentes do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) mostram que os produtores do maior Estado produtor de grãos do País haviam negociado, até o final de outubro deste ano, perto de 32,8% da safra de soja esperada para 2022/23 e apenas 18,82% do milho a ser colhido no final do primeiro semestre do próximo ano. No mesmo período do ano passado, os contratos já cobriam 45,06% da produção de soja e 40,95% do milho a ser colhido na safra 2021/22.

Balanço

  • A pecuária terá que conviver com margens mais enxutas na criação de bovinos, resultados negativos pelo segundo ano consecutivo para o setor de suínos e um cenário mais otimista para a produção de frango, segundo analistas do setor. Responsável por 40,7% do valor bruto da produção do setor pecuário na previsão para este ano do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a pecuária bovina deve ampliar a produção e as exportações neste ano, com avanços da mesma forma para o consumo doméstico. Mas o balanço entre preços em queda e custos mais elevados reduzirá o resultado operacional em todas as fases do ciclo, no diagnóstico de Maurício Nogueira Palma, diretor e sócio majoritário da Athenagro.
  • “O cenário só deverá ser melhor para frigoríficos”, resume César Castro Alves, consultor de agronegócio do Itaú BBA. A equação, no caso, mistura a redução nos preços da arroba do boi gordo e aumento nos abates, num mercado que inaugura neste ano um ciclo de baixa que deve atingir seu pior momento por volta de 2024, conforme Palma.
  • No segmento de alta tecnologia, sempre na comparação entre 2021 e este ano, o resultado operacional tende a encolher 20,7% para pecuaristas que trabalham com recria e engorda e nada menos do que 71,0% nos sistemas de cria, na média do país. O ciclo completo, envolvendo cria, recria e terminação, deve registrar margens 38% menores, na previsão de Palma.
  • Os preços atualmente praticados continuam sendo suficientes para prover caixa para o pecuarista, mantendo a atratividade do setor. “Até 2030, na comparação com os últimos 10 anos, os produtores deverão investir duas a três vezes mais no pacote tecnológico na comparação”, afirma Palma.
  • A despeito do ganho menor, Alves dá como certo o crescimento da produção neste ano, estimando um avanço de 7,0%. Os números da Athenagro antecipam elevação de 8,6% na produção de carne bovina, saindo de 9,7 milhões para alguma coisa abaixo de 10,6 milhões de toneladas entre 2021 e 2022, projetando 10,8 milhões de toneladas para 2023, numa variação de 2,6%.
  • As vendas externas, num cenário global de baixa oferta, segundo Palma, devem avançar de 2,48 milhões de toneladas no ano passado para 2,83 milhões neste ano, subindo em torno de 14,4%. Os números para 2023 embutem variação mais modesta, ao redor de 3,0%, num volume embarcado pouco acima de 2,9 milhões de toneladas, numa estimativa ainda conservadora. “Estamos muito próximos de 3,0 milhões de toneladas, volume projetado anteriormente para 2027 ou 2028. Devemos atingir esse número antes de 2024”, acredita Palma. O consumo doméstico, na sua previsão, deve passar de 7,30 milhões de toneladas em 2021 para 7,79 milhões neste ano, subindo 6,6%, para alcançar 7,97 milhões de toneladas em 2023, numa variação de 2,4%.
  • Com ciclo mais curto e beneficiado mais recentemente pela pressão menor sobre os custos da ração, o setor de frango tende a experimentar margens ainda ligeiramente positivas, “capturando a boa demanda externa”, aponta Alves. A gripe aviária tem afetado os planteis em redor do mundo, castigando especialmente os Estados Unidos, que reduziram suas exportações, abrindo espaço para o frango brasileiro.
  • A suinocultura, ao contrário, tem sofrido com margens negativas há praticamente dois anos. Houve um otimismo excessivo no auge da peste suína africana na China, observa Alves, e o Brasil alojou um volume de animais maior do que deveria, causando mais adiante um grave problema de oferta. Praticamente recuperado da crise sofrida entre 2019 e 2020, relembra o especialista do Itaú BBA, a China deve reduzir suas importações de suínos de 5,28 milhões de toneladas em 2020 para 1,8 milhão de toneladas neste ano, num tombo de quase 66%.