Coluna

Saúde pode perder R$ 35,0 bilhões em 2021 se piso de gastos for mantido

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de agosto de 2020

Caso
venha a ser aprovado sem alterações pelo Congresso, o projeto de lei que fixa
as diretrizes para o orçamento de 2021 deverá impor ao setor de saúde uma perda
de R$ 35,0 bilhões em receitas no próximo ano, comparando-se com os valores que
haviam sido autorizados no orçamento deste ano para o setor, antes da pandemia.
A estimativa foi incluída em artigo publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique
(15.07.20) pelos economistas Bruno Moretti, Francisco Funcia e Carlos Ocké, e
leva em conta ainda a perspectiva de preservação da Emenda Constitucional 95,
que criou o teto para as despesas públicas, limitando sua variação ano a ano à
inflação observada no exercício imediatamente anterior, numa formulação
meramente fiscalista e, mais grave, engessando o orçamento da União por
incríveis duas décadas.

O
prejuízo para o Sistema Único de Saúde (SUS), vale dizer, para a saúde de todos
os brasileiros, pode subir a quase R$ 57,6 bilhões entre 2018 e 2021, em apenas
quatro anos de vigência do Novo Regime Fiscal, consolidado desde a entrada em
vigor do teto para as despesas do setor público federal. A queda real das
despesas aprofundaria a crise de subfinanciamento do sistema, significando
perdas equivalentes a praticamente 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado
pelo Banco Central (BC) para os 12 meses encerrados em junho deste ano (algo em
torno de R$ 7,194 trilhões).

O
trabalho foi, na verdade, uma resposta do trio de economistas a artigo assinado
pelo economista Marcos Mendes, um dos “pais” do teto de gastos e pesquisador
associado do Insper, publicado pela Folha de S.Paulo em 19 de junho passado.
Mendes tentou demonstrar, numa argumentação pouco ortodoxa e baseada em números
bastante controversos, que o “Novo Regime Fiscal” (o teto de gastos) não só não
teria causado perdas para a saúde como teria ampliado o volume de recursos para
o setor. Nas contas de Mendes, se comparado ao modelo de financiamento adotado
anteriormente para a saúde, a sistemática adotada para a fixação do teto
permitiu um aumento de R$ 9,3 bilhões nos gastos do SUS entre 2017 e 2019.

Continua após a publicidade

Erro na partida

“Mendes
adota pressupostos questionáveis para abordar os efeitos do teto de gasto sobre
o SUS”, constatam Moretti, mestre em economia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro e pós-doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB),
Funcia, consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e Ocké, pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na verdade, constatam, a
pandemia escancarou os graves problemas gerados pelo subfinanciamento do SUS.
Ainda assim, vale acrescentar, o cenário seria ainda mais dramático caso o País
não tivesse uma estrutura mínima no setor, assegurada pela existência do
sistema único e universal de saúde.

Balanço

·  
Num
primeiro “equívoco” (deliberado?), o criador do teto tenta fazer crer que o
Novo Regime Fiscal estaria em vigor a partir de 2017, quando, a bem da verdade,
só começou a produzir efeitos legais e práticos de 2018 em diante, congelando
as chamadas despesas primárias em termos reais. Em 2017, especificamente,
os valores mínimos destinados à saúde passaram a tomar como referência o piso
de 15% da receita corrente líquida, atualizada pelo Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses. “Desse modo, o Novo Regime
Fiscal passa a surtir efeitos específicos sobre a saúde em 2018, ano a partir
do qual se pode calcular a diferença entre os valores aplicados em saúde e o
mínimo obrigatório, conforme a regra anterior”, argumentam Moretti, Funcia e
Ocké.

·  
Para
complicar, Mendes parece basear suas estimativas em valores calculados a partir
de percentuais equivocados. “O suposto ganho de R$ 9,3 bilhões – produto da
diferença entre a execução dos recursos nos anos de 2017 a 2019 e a regra de
gasto mínimo anterior – é calculado contra os valores de 13,7% (2017), 14,1%
(2018) e 14,5% (2019)” da receita corrente líquida.

·  
Aqueles
percentuais de fato estão previstos na Emenda Constitucional 86, de 2015, que
elevou o piso de gastos na saúde para 15% da receita líquida de forma
escalonada, ao longo de cinco anos. “Todavia, o escalonamento foi tornado sem
efeito por liminar do ministro Ricardo Lewandowski(do Supremo Tribunal
Federal), de modo que, não fosse a Emenda Constitucional 95, o piso da saúde seria
15% da receita corrente líquida a partir de 2018”, observam os economistas.

·  
Além
disso, ao fazer a comparação entre o piso existente até 2017 e o Novo Regime
Fiscal, Mendes, que tenta legitimar políticas de arrocho fiscal em plena crise
sanitária, deixou de lado o fato de que as despesas com o SUS apontaram redução
como proporção da receita corrente líquida entre 2017 e 2019.

·  
No
período, a relação baixou de 15,8% para 13,5%, numa redução de 2,3 pontos de
porcentagem, “produto do congelamento em termos reais do piso de aplicação do
setor. O sentido do congelamento é justamente evitar alocação adicional de
recursos no setor em razão de eventual ganho de arrecadação”, reforçam Moretti,
Funcia e Ocké.

·  
Em
2018 e 2019, o SUS deixou de receber R$ 3,98 bilhões e R$ 13,58 bilhões,
respectivamente, somando perto de R$ 17,56 bilhões, “considerando a diferença
entre os valores executados e o mínimo obrigatório” (os 15% sobre a receita
líquida). Neste ano, considerando as despesas e as receitas previstas na lei
orçamentária e desconsiderando os gastos atípicos trazidos pela pandemia, os
recursos autorizados para o SUS estariam R$ 5,0 bilhões abaixo do piso,
elevando a perda para R$ 22,56 bilhões em três anos.

·  
Ainda
conforme o trio de economistas, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
“declara o teto de gastos como âncora fiscal para o próximo exercício”,
retomando o congelamento do piso para a saúde. Neste caso, o SUS deixará de
receber em torno de R$ 35,0 bilhões em relação ao orçamento autorizado para
2020.