Saúde registra perdas de quase R$ 60,0 bilhões com teto de gastos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 13 de outubro de 2022

Os impactos da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o chamado “teto de gastos” a partir de 2017, mostram que a medida não trouxe nem a “racionalização” prometida e muito menos a eficiência na execução das despesas públicas, alardeada à época pela equipe econômica, economistas mais conservadores, consultores e o mercado financeiro em bloco. Ao contrário, os resultados têm sido um desmonte da saúde, da educação, da pesquisa, do meio ambiente, das políticas de combate à violência contra as mulheres, da cultura e do investimento público. Adicionalmente, o limite imposto pela emenda ao gasto público já foi há muito torpedeado pela equipe ultraliberal comandada pelo ministro dos paraísos fiscais para favorecer um projeto político de poder em grande medida.

O comportamento dos principais componentes da despesa do setor público federal foi analisado extensamente pelas economistas Carolina Resende e Esther Dweck, do Grupo de Economia do Setor Público (Gesp) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), no trabalho “Uma tragédia anunciada: Teto de gastos e os cortes nas áreas sociais”, divulgado em setembro. Na avaliação de ambas, “a política de austeridade imposta pelo teto de gastos trouxe enormes prejuízos para as áreas sociais no Brasil”.

“O que se observou na prática foram sucessivos cortes em gastos que não tinham proteção legal ou constitucional. Mesmo aqueles que ainda contavam com alguma proteção, como é o caso da saúde e da educação, também foram alvo de perdas relevantes diante das alterações constitucionais” impostos pela emenda, assinala o estudo.

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Desde 2000, o gasto mínimo da União com ações e serviços públicos de saúde seguia o crescimento nominal do Produto Interno Bruto (PIB), já na área da educação, considerando as ações para manutenção e desenvolvimento do ensino, o piso para as despesas correspondia a 18% da receita líquida de impostos, providência adotada no governo de Dilma Rousseff. O piso para a saúde foi fixado, mais recentemente, em 15% da receita corrente líquida. O “novo regime fiscal”, criado no governo Michel Temer, as despesas mínimas nos dois setores passaram a acompanhar a variação anual da inflação, tomando como base os valores executados em 2017.

Subfinanciamento agravado

Na estimativa de Carolina e Esther, considerando os valores executados entre 2018 e 2021, a previsão para 2022 das despesas federais constante do mais recente Decreto de Programação Orçamentária e Financeira (DPOF) e os valores constantes da proposta de lei orçamentária para 2023, as ações e serviços públicos de saúde terão perdido em torno de R$ 59,650 bilhões em seis anos, contados a partir de 2018. As despesas no período deverão somar algo próximo a R$ 786,20 bilhões em termos reais entre 2018 e 2023 considerando os limites fixados pelo teto de gastos. Se tivessem sido calculados com base em 15% da receita corrente líquida, aqueles gastos deveriam chegar a R$ 845,85 bilhões, em torno de 7,6% a mais. O cenário se agrava diante do histórico de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), alertam as economistas.

Balanço

  • Considerando a evolução recente, os gastos com serviços públicos de saúde deverão representar alguma coisa ao redor de 13,0% da receita corrente líquida projetada, diante de 15,8% em 2017. Ainda no próximo ano, quando se considera “o conjunto de emendas impositivas (individuais e de bancada) de R$ 9,6 bilhões somados a quase metade dos R$ 19,4 bilhões de emendas de relator, todas incluídas no novo mínimo constitucional para ASPS (ações e serviços públicos de saúde), o Ministério da Saúde deve ter o controle efetivo de apenas 11,3% da receita corrente líquida”
  • Em relação às emendas parlamentares, Carolina e Esther consideram “importante lembrar que são recursos direcionados a entes subnacionais (Estados e municípios) não raro desarticulados de diretrizes programáticas do Ministério da Saúde. No caso das emendas de relator, por exemplo, os recursos respondem a acordos políticos e são distribuídos sem equidade entre parlamentares, sem respeito a qualquer critério socioeconômico e sem transparência e com riscos de fortes desvios”.
  • Na área da educação, prosseguem Carolina e Esther, o teto de gastos fez com que a relação entre as despesas efetivamente executadas e a receita líquida de impostos despencasse de 25,77% em 2016 para 17,88% no ano passado. A previsão para este ano é de que essa relação recue para 14,17%, no percentual mais baixo das últimas duas décadas.
  • Considerando apenas 2021 e 2022, em valores correntes (quer dizer, sem atualização com base na inflação), terão sido executados gastos próximos a R$ 119,66 bilhões, correspondendo, nesta soma, a 16,33% da receita líquida. Se o piso de 18% estivesse em vigor, os gastos teriam que subir a R$ 131,88 bilhões, o que significa que o setor poderia ter recebido R$ 12,220 bilhões a mais, em números aproximados.
  • As despesas discricionárias, que são livremente administradas pelo setor público, registram trajetória de achatamento, desabando de R$ 188,10 bilhões em 2016 para R$ 124,70 bilhões conforme a programação financeira estabelecida para este ano. Esse tipo de gasto sofreu perdas de R$ 63,4 bilhões nessa comparação, que considera valores corrigidos pela inflação, num corte de 33,7%.
  • Para 2023, a proposta orçamentária contempla os níveis mais baixos da série histórica, fixando as despesas discricionárias em R$ 98,980 bilhões, o que representará uma retração de 47,4% em relação a 2016, numa perda de R$ 89,120 bilhões.
  • Novamente na área da educação, as despesas discricionárias executadas caíram de R$ 40,2 bilhões em 2016 para R$ 22,7 bilhões em 2021, em valores reais, correspondendo a perdas de R$ 17,6 bilhões – ou seja, o corte imposto atingiu praticamente 44,0%.