Serviços contratam em menor ritmo e demais setores demitem

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de março de 2023

O mercado de trabalho “andou de lado” no trimestre final de 2022, num dos jargões utilizados por operadores do mercado financeiro quando pretendem dizer que determinado ativo não apresentou variação em determinado período. O esfriamento relativo das contratações, de resto, segue a tendência mais geral de desaquecimento no ritmo da atividade econômica nos meses finais do ano passado, acompanhando ainda a desaceleração observada nos setores mais associados à prestação de serviços às empresas e às famílias. Na verdade, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deixam claro que o restante da economia passou a demitir pessoal no quarto trimestre de 2022, tendência observada destacadamente na agropecuária e na construção civil.

Reconhecidamente, a economia brasileira enfrenta um grave problema de baixo crescimento desde o final da primeira década deste século e ainda não conseguiu elaborar o consenso mais adequado para uma retomada sustentada e de longo prazo. Esgotada, pelo menos aparentemente, a fase de retomada das atividades no setor de serviços, a economia estaria novamente às voltas com problemas para manter certo nível de aquecimento, o que tem se refletido no mercado de trabalho.

A taxa de desemprego, de fato, baixou de 11,1% anotadas no trimestre final de 2021 para 7,9% no quarto trimestre do ano passado, o menor desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2015 (quando a taxa havia sido de 7,5%), com o total de pessoas com algum tipo de ocupação alcançando o maior número na série histórica iniciada em 2012, em valores absolutos. A redução do desemprego, avalia o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), foi “muito influenciada pelo dinamismo do setor de serviços derivado da retomada das atividades presenciais e da mobilidade das pessoas com a vacinação contra a Covid-19”. Daqui em diante, no entanto, diante do “esgotamento deste fator”, reforça o instituto, “é possível que a melhora no emprego se torne mais difícil”.

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Puxando para baixo

A sequência de dados da PNADC registra a perda de fôlego do emprego, ainda que a comparação com idênticos períodos do ano anterior continuasse favorável ao final de 2022. O total de ocupados havia experimentado altas de 9,4% e de 9,9% no primeiro e segundo trimestres do ano passado, diante dos mesmos trimestres um ano antes, avançou 6,8% no terceiro trimestre e passou a crescer 3,8% no trimestre final de 2022. A tendência segue comportamento semelhante apresentado pela população de 14 anos ou mais ocupada no setor de serviços (incluindo comércio, oficinas de reparação de veículos, bares, restaurantes, hotéis, serviços financeiros, imobiliários e administrativos, seguros, serviços públicos e domésticos e outros). Nesta área, o emprego chegou a crescer 10,3% e 11,3% no primeiro e no segundo trimestre do ano passado, respectivamente, taxa reduzida para 9,3% e 5,5% nos dois últimos trimestres, sempre em relação a iguais períodos de 2021.

Balanço

  • Na comparação entre o quarto trimestre do ano passado e idêntico intervalo de 2021, o total de ocupados apresentou variação de 3,8% ao avançar de 95,747 milhões para o suposto recorde de 9,370 milhões, abrindo mais 3,622 milhões de ocupações de todos os tipos. Mas por que o acréscimo do adjetivo num dado que o IBGE classifica como histórico? Por uma questão de proporção.
  • O chamado nível de ocupação, relação entre o número de ocupados e a população com 14 anos ou mais de idade, atingiu 57,2% no quarto trimestre de 2022, repetindo virtualmente o percentual registrado no terceiro trimestre. Aquela relação havia alcançado 58,5% no quarto trimestre de 2013, o mais elevado da série histórica da pesquisa até aqui. Caso o mesmo nível fosse observado ao final do ano passado, para um total de 173,844 milhões de brasileiros com 14 anos ou mais, o número de ocupados estaria mais próximo 101,7 milhões, um pouco mais de 6,2 milhões de empregados além do dado efetivamente registrado pela pesquisa no quarto trimestre do período.
  • Excluídos os serviços, os demais setores da economia não registraram ampliação do emprego e, de fato, até demitiram. Sempre comparando com o trimestre final de 2021, os ocupados naqueles “demais setores” passaram de 28,789 milhões para 28,703 milhões, correspondendo ao afastamento de 86,0 mil trabalhadores, num recuo de 0,3% – o que, estatisticamente, na visão do IBGE, corresponderia a uma virtual estagnação.
  • A agropecuária demitiu 393,0 mil no mesmo intervalo, significando queda de 4,4% no total de ocupados no setor (de 8,881 milhões para 8,488 milhões). A construção civil afastou 97,0 mil trabalhadores, reduzidos de 7,465 milhões para 7,368 milhões. As baixas foram parcialmente compensadas pela alta de 3,4% no contingente empregado pela indústria, que elevou o total de ocupados de 12,412 milhões para 12,828 milhões. Mas sua participação no total de ocupados manteve-se ao redor de 12,9%. Em 2012, o setor industrial chegou a responder por 14,8% dos ocupados em toda a economia, o que comprova a perda de espaço sofrida pela indústria no País. No mesmo período, a participação dos serviços elevou-se de 64,1% para 71,1%.
  • Como lembra o Iedi, “a despeito desta boa tendência recente, é importante lembrar que sobrepusemos dois momentos de crise aguda, a de 2015-2016 e a da Covid-19, e que a média anual da taxa de desemprego de 2022 (9,3%) segue um terço superior àquela de 2014 (6,9%). Eram 6,8 milhões de desocupados e agora em 2022 foram 10 milhões de pessoas sem emprego, um contingente cerca de 46% maior”.
  • A economia goiana experimentou um fator agravante ao final do ano passado, já que a taxa de desemprego avançou ligeiramente de 6,1% no terceiro trimestre para 6,6% (ainda inferior ao índice de 8,7% registrado nos três meses finais de 2021). A variação refletiu principalmente uma queda de 3,0% no total de ocupados, que encolheu de 3,770 milhões para 3,656 milhões. Esse número, de toda forma, cresceu 5,7% em relação ao quarto trimestre de 2021, com abertura de 197,0 mil empregos.
  • Praticamente 96% desse crescimento, entretanto, foi determinado pelas atividades de prestação de serviços, onde a ocupação avançou 7,8%, de 2,428 milhões para 2,617 milhões. Considerando o terceiro trimestre do ano passado como base, os serviços foram responsáveis por 64% das demissões ocorridas, o que parece reafirmar a tendência geral de desaceleração no setor.