Setor mineral deve turbinar receitas da União até 2030

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 10 de junho de 2022

As receitas geradas pelo setor extrativo tiveram papel de destaque no aumento da arrecadação bruta total da União ao longo do ano passado e tendem a irrigar de forma relevante as receitas ao longo dos próximos anos, sob influência principalmente dos setores de petróleo e gás e do minério de ferro, mostra o trabalho “Perspectivas para a arrecadação ligada ao setor extrativo mineral em 2022-2030”, do economista Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

A Carta do Ibre deste mês, assinada pelo economista Luiz Guilherme Schymura, diretor da instituição, contempla uma resenha daquele trabalho e reforça a advertência levantada por Borges sobre a necessidade de dar destino adequado, com transparência e boa gestão, àqueles ganhos de receitas, até por seu caráter volátil. Além do mais, as receitas estão associadas a recursos naturais finitos, como destaca Schymura. “A história de inúmeros países nas últimas décadas mostra a frequência com que o “presente dos céus” representado pela extração de recursos naturais pode ser tornar uma “maldição”, que mais atrapalha do que ajuda o desenvolvimento econômico e social”, assinala o diretor do Ibre.

Em suas projeções, Borges considera que os ganhos de receitas gerados pelo setor de extração mineral, inicialmente impulsionados pela escalada dos preços internacionais das commodities e, a seguir, por ganhos expressivos na produção doméstica de petróleo e gás, graças ao pré-sal, deverão ter continuidade durante a próxima década. Por isso mesmo, numa visão de longo prazo, pensando nas próximas gerações, Borges sugere que esse “efeito surpresa” sobre as receitas deveria ser utilizado, alternativamente, para uma “consolidação fiscal”, com redução da dívida pública federal, ou para turbinar investimentos em infraestrutura e capital humano, via educação, por exemplo. Isso evitaria, conforme sublinha Schymura, que as receitas extraordinárias fossem dispersadas “em gastos menos vitais para o desenvolvimento econômico e social”.

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Ganhos em 2021

Na prática, os ganhos de arrecadação a partir da alta dos preços de petróleo e do minério de ferro começaram a ser observados já em 2021. Nos dados da Receita Federal, a carga tributária bruta do governo central (quer dizer, a soma de toda a arrecadação realizada pela União) elevou-se de 20,95% em 2020 para 22,48% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano seguinte, a mais alta desde 2013 – o que não deixa de ser mais uma contradição para um governo que se auto intitula como “liberal” e que defenda a redução do papel do Estado na economia. De toda forma, a arrecadação bruta apresentou elevação equivalente a 1,53 pontos sobre o PIB. Somando todas as receitas geradas pelo setor de extração, estima Borges, a carga tributária do segmento avançou de 1,04% para 1,85% entre aqueles dois anos, refletindo um ganho de 0,81 pontos. Isoladamente, a extração mineral respondeu por quase 53,0% do aumento registrado pela carga tributária total.

Balanço

  • Considerando toda a arrecadação de royalties e participações especiais do setor extrativo em geral, incluindo a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), os dividendos pagos pela Petrobras ao governo federal e o chamado “óleo-lucro” (o petróleo excedente destinado à União nos contratos de partilha para exploração das reservas do pré-sal), o estudo de Borges projeta um ganho anual de receitas em torno de 1,2 pontos de porcentagem do PIB entre 2022 e 2030.
  • Nessa estimativa, as receitas públicas geradas pelo setor de extração mineral subiriam de 0,92% do PIB na média observada anualmente entre 2011 e 2020 para 2,11% em média no período 2022-2030. “Esse conjunto arrecadatório atingiu 1,85% do PIB em 2021 e deverá chegar a 2,31% do PIB em 2022”, acrescenta Schymura, tomando o trabalho de Borges como base.
  • Para atribuir valores àqueles ganhos a preços de hoje, deve-se considerar que o PIB acumulado em 12 meses até março passado somou algo perto de R$ 8,863 trilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que poderão ser acrescidos anualmente às receitas brutas do governo federal qualquer coisa ao redor de R$ 106,4 bilhões por ano. Como referência, somados, os gastos com Bolsa Família/Auxílio Brasil e com os benefícios de prestação continuada, destinados a idosos e deficientes, atingiram R$ 109,2 bilhões nos 12 meses encerrados em março deste ano.
  • Borges considera, naquele cálculo, a perspectiva de algum refluxo nos preços do petróleo entre 2023 e 2024, diante da esperada normalização dos fluxos de oferta com o final da guerra entre Rússia e Ucrânia, e sua estabilização ao redor de uma cotação média de US$ 65 por barril do petróleo tipo Brent de 2024 em diante – valor alinhado à média real efetivamente observada no período entre 1980 e 2021, aponta Schymura.
  •  O trabalho leva em conta ainda as previsões de aumento em torno de 79% para a produção diária de petróleo no País, saindo de 2,9 milhões para 5,2 milhões de barris entre 2021 e 2029, com a produção de gás mais do que dobrando ao saltar de 134,0 milhões para 227,0 milhões de metros cúbicos por dia em igual intervalo (salto de 106,7%). Na mesma linha, o volume de petróleo a ser apropriado pela União nos contratos de partilha tende a aumentar 43,3 vezes de 2022 para 2031, partindo de apenas 26 mil para 1,127 milhão de barris por dia.
  • “Esse impacto da extração de recursos naturais, sobretudo petróleo e gás natural, na arrecadação federal é um fenômeno extremamente relevante no horizonte à frente, mas que aparentemente tem passado ao largo do radar da maioria dos analistas”, acrescenta ainda Schymura. De fato, as projeções de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e domésticos, a exemplo da Instituição Fiscal Independente (IFI), abrigada na estrutura do Senado, apontam queda na arrecadação bruta como proporção do PIB nos próximos anos. O Ministério da Economia igualmente considera uma redução da carga de impostos federais de 21,95% em 2022 para 21,0% do PIB em 2025 (saindo de 22,48% no ano passado).