Coluna

“Socorro” do superministro deixa de fora 50,6 milhões de pessoas

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 18 de março de 2020

Numa
combinação de medidas já anunciadas, antes mesmo da pandemia gerada pelo
coronavírus, com despesas que o governo já teria mesmo que desembolsar em algum
ponto do ano e a liberação de recursos que estavam “empoçados” nos fundos
PIS/Pasep, o “socorro” alardeado no início da noite de segunda-feira pelo
superministro Paulo Guedes deixará sem cobertura e assistência pelo menos
50,618 milhões de brasileiros que estavam desempregados ou sobreviviam de bicos
até janeiro deste ano.

Para
se ter uma noção do que esse número representa, são praticamente 48% da
população economicamente ativa (pessoas com mais de 14 anos ocupadas ou a
procura de emprego) de acordo com as séries estatísticas da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Para os que gostam da precisão do “depois da
vírgula”, esse contingente de desabrigados do coronavírus corresponde a 47,7%
da força de trabalho (o que vem ser o mesmo que o total de pessoas
classificadas como economicamente ativas).

Em
primeiro lugar, deve-se ter claro que as medidas finalmente anunciadas pelo
Ministério da Economia, não sem algum atraso, atendem de forma integral apenas
às famílias, seus trabalhadores, aposentados e pensionistas, que integram o
lado formal da economia, deixando aqueles milhões totalmente a descoberto. O
dado soma o número de desempregados no trimestre encerrado em janeiro deste ano
(11,913 milhões), os ocupados sem carteira assinada nos setores privado e
público (18,565 milhões de pessoas, incluindo empregados domésticos sem
carteira) e pessoas que trabalham por conta própria ou são empregadores sem
registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), que somavam até então
20,140 milhões.

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Marketing e
timidez

Para
tornar o cenário mais grave, Paulo Guedes e equipe ainda recorreram a uma
jogada de marketing para engordar o que já era considerado muito pouco. Em
torno de 40,9% dos recursos alardeados pelo superministro, ou seja, R$ 60,2
bilhões entre os R$ 147,3 bilhões divulgados como socorro a empresas e
famílias, já haviam sido anunciados antes mesmo de o coronavírus ter se tornado
um problema econômico. A timidez do “pacote” deveria igualmente impressionar
aqueles que de fato estão preocupados, em primeiro lugar, com os danos da pandemia
sobre a saúde do povão e depois com os estragos sobre a economia como um todo.
Apenas para comparar, o “grande amigo” do Norte (sim, sim, o presidente Donald
Trump) propôs que o Congresso dos Estados Unidos aprove um pacote de US$ 850
bilhões (qualquer coisa em torno de R$ 4,25 trilhões, com o dólar a R$ 5,00).
Claro, parece impossível comparar com o Brasil, já que os EUA são um país muito
mais rico. Mas o socorro proposto por Trump, outro que tem se recusado a dar a
devida importância à pandemia, corresponde a 3,9% do Produto Interno Bruto
(PIB). O “pacotinho” de Guedes representa praticamente a metade, somando perto
de 2,0% do PIB.

Balanço

·  
Paulo
Guedes, o “enfant terrible” do mercado financeiro até recentemente, encontrou a
desculpa perfeita para justificar mais um ano de baixo crescimento (com riscos
sérios desse movimento de desintegração econômica se tornar uma recessão neste
ano). Na sua leitura muito particular da “realidade”, a economia brasileira
teria sido atingida “em pleno voo” pela pandemia, na contramão das demais
economias ao redor do mundo, que vinham em desaquecimento.

·  
O
“reforço” orçamentário, se é que se pode classificar como “reforço”, para o
Sistema Único de Saúde (SUS) deverá somar perto de R$ 4,5 bilhões, transferidos pelo ministério da conta do seguro DPVAT, destinado a
indenizar acidentados no trânsito. O total corresponde a apenas 3,3% do
orçamento total destacado para o Ministério da Saúde neste ano, perto de R$
136,25 bilhões.

·  
Sim,
muito obviamente é bem melhor do que nada. Mas poderia ser maior a ajuda à
saúde, até pelas dimensões que a pandemia poderá atingir no Brasil e pelo
desmonte ocorrido nos últimos anos na estrutura do SUS (o que obrigou o
ministério a considerar mesmo a utilização dos médicos cubanos, tão
estigmatizados pela categoria dos médicos em geral e pela classe média, para
ajudar a combater o vírus e tratar os infestados, especialmente os de
baixíssima renda).

·  
Percebe-se
uma tentativa nítida da equipe econômica de preservar a política de teto dos
gastos e manter os resultados fiscais contemplados no orçamento para 2020,
mesmo que isso signifique não dar aos brasileiros a atenção devida e sacrificar
empresas, lojas, empregos de mais alguns milhões, lembrando que, embora tenha
recuado, o desemprego ainda afeta 11,913 milhões de pessoas.

·  
Entre
os recursos “novos” anunciados por Guedes, em torno de R$ 21,5 bilhões (14,6%
do “pacotinho” ministerial) não sairão do Tesouro porque já estão estacionados
em contas do PIS/Pasep e serão transferidos para o Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS). O pagamento do abono salarial (R$ 12,8 bilhões) já estava
previsto no orçamento e será apenas antecipado (de novo, não deixa de ser uma
ajuda, mas limitada).

·  
Além
disso, o esperto Guedes anunciou que o governo incluirá mais 1,0 milhão de pessoas
no programa Bolsa Família, a um custo de R$ 3,1 bilhões. Vale recordar que a
fila de espera para participar do programa estava em torno de 1,0 milhão de
famílias segundo dados de fevereiro. O ministro simplesmente decidiu incorporar
ao programa uma parte daqueles que já estavam qualificados, mas ainda não
haviam sido contemplados. A bondade do superministro algumas vezes parece tão
ampla quanto sua capacidade de gerir a política econômica.