Superávit do Tesouro no primeiro trimestre embute custo social pesado

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de abril de 2021

O resultado das contas públicas em março, a ser divulgado na sexta-feira, 31, deverá apontar novo superávit primário para o Tesouro Nacional, levando o acumulado no primeiro trimestre a ficar em terreno positivo pela primeira vez desde o mesmo período de 2015, atingindo o maior valor em termos reais em oito anos – sempre considerando a diferença entre receitas e despesas nos primeiros três meses de cada ano, já descontados os gastos com juros. Mas esse superávit, como aponta o economistaMatheus Rosa Ribeiro, assistente de pesquisa no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e responsável pela estimativa, foi produzido a um custo social nada desprezível e ainda por fatores que não deverão se repetir ao longo do restante do ano.

O atraso na aprovação do orçamento, num processo transformado em ópera bufa pela equipe do senhor Paulo Guedes e pelo Centrão, resultou na “postergação de despesas” e ajudou a construir o resultado positivo, mas à custa de “meses de desassistência a pessoas e empresas fragilizadas no contexto da pandemia”, complementa Ribeiro. “Não se pode, assim, tratar desse superávit sem ponderar seus custos à primeira vista ocultos”, reforça o economista, que também é bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Embora o economista não faça essa referência de forma explícita, parece claro que a melhora nas contas do Tesouro ajudou a agravar pesadamente a situação das famílias mais vulneráveis, causando aumento do número de esfaimados e miseráveis.

“A desvalorização cambial recente, o atraso no orçamento e o volume reduzido de despesas contra a Covid-19 no primeiro trimestre são fatores que implicam em custo social elevado, além de acentuarem a incerteza econômica, mas colaboram na obtenção do resultado superavitário”, observa Ribeiro, ao acentuar os “custos ocultos” do superávit esperado. Para aferir o impacto macabro para os desassistidos da pandemia, que inclui a população mais pobre e também centenas de milhares de micro e pequenos empresários, o Tesouro havia gasto R$ 113,4 bilhões no primeiro trimestre da pandemia no Brasil (março a maio de 2020). No primeiro trimestre deste ano, mesmo diante da escalada das mortes, foram gastos apenas R$ 8,3 bilhões, num tombo de 98,7%.

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Plano macabro

A imprevidência (ou o desejo mesmo de causar uma piora no cenário da crise sanitária) levou a equipe econômica a não incluir na proposta de lei orçamentária para 2021 qualquer previsão de recursos para enfrentar a pandemia – sequer incluindo a compra de vacinas no projeto, o que só veio a ocorrer já no final do ano passado, quando foram anunciados em torno de R$ 24,5 bilhões para a aquisição de imunizantes. De acordo com a economista Blenda Pereira, assessora do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), tomando como base dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos (Siop), do Ministério da Economia, a elaboração da proposta orçamentária contemplou apenas R$ 5,4 bilhões para a execução de programas de vacinação já regularmente incluídos no Programa Nacional de Imunização (PNI). Já no final de 2020, três medidas provisórias contemplaram a abertura de créditos extraordinários de R$ 24,5 bilhões para a vacinação contra a Covid-19.

Balanço

  • “De janeiro a março, há um ‘vácuo’ de despesas no combate às mazelas trazidas pela Covid-19, que é pouco desejável do ponto de vista social, implicando em meses de desassistência a pessoas e empresas fragilizadas no contexto da pandemia”, comenta Matheus Ribeiro.
  • O levantamento realizado por ele, com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), projeta para março deste ano um superávit primário de R$ 2,8 bilhões, em grandes números, resultado de um crescimento real (descontada a inflação) de 22,1% para as receitas e de redução próxima de 3,1% para as despesas primárias, igualmente em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) até março deste ano.
  • Somado ao superávit primário realizado nos dois primeiros meses deste ano, o desempenho observado em março elevado o saldo do primeiro trimestre deste ano para R$ 25,8 bilhões, o melhor resultado para um primeiro trimestre desde 2013, quando o Tesouro havia registrado um superávit de R$ 29,8 bilhões. Ainda para comparação, nos três meses iniciais de 2020, registrou-se déficit de R$ 2,9 bilhões.
  • A receita líquida do Tesouro deverá avançar 7,8% frente ao primeiro trimestre de 2020, puxada principalmente pelas altas de 29,0% na arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de 14,9% para a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Parte desse crescimento veio do que a Receita Federal e o Tesouro Nacional têm classificado como “pagamentos atípicos” do imposto e da contribuição, “embora nem sempre se dê maiores explicações sobre a razão dessas atipicidades”, ressalta o economista. Esses pagamentos cresceram R$ 7,7 bilhões em relação aos três meses iniciais de 2020, passando a somar em torno de R$ 10,5 bilhões. O acréscimo, no entanto, corresponde a 40,7% do incremento de R$ 18,9 bilhões registrado pelo IRPJ e pela CSLL, somados – “o que mostra que não é possível explicar o crescimento da receita com esses tributos apenas por pagamentos atípicos”, anota Ribeiro.
  • Influenciados pela alta do dólar, os impostos incidentes sobre o comércio exterior avançaram fortemente (com altas de 33,9% para o Imposto sobre Importação e de 46,3% para o Imposto sobre Produtos Industrializados vinculados a bens importados). No caso do PIS/Cofins, R$ 5,4 bilhões (ou 94,7%) do aumento de R$ 5,7 bilhões registrado no primeiro trimestre deste ano vieram da cobrança da contribuição sobre importações.
  • O recuo de 0,4% nas despesas primárias esperado para o primeiro trimestre foi influenciado pelas medidas de contenção de despesas embutidas na Lei Complementar 173/2020, que vetou contratações e proibiu reajustes de salários no setor público em 2021. Houve ainda uma desaceleração no ritmo das despesas previdenciárias, que avançaram apenas 0,9%, em decorrência da reforma da Previdência, sempre conforme Ribeiro. As despesas discricionárias desabaram 33,3%.
  • A queda é enganosa, segundo o economista, por conta do atraso na aprovação do orçamento. “Com a viabilização de despesas que não serão sujeitas ao teto de gastos e à meta de primário – gastos com saúde, auxílio emergencial, proteção do emprego e facilitação de crédito – esse retrato se reverterá nos próximos meses”, registra ainda.
  • Mas há dúvidas em relação à magnitude dessa mudança. Entre março e dezembro do ano passado, o Tesouro havia gasto R$ 524,0 bilhões por conta da Covid-19, numa média mensal próxima a R$ 52,4 bilhões, portanto. As despesas previstas para este ano, na faixa de R$ 85,2 bilhões, representam uma previsão média de R$ 7,1 bilhões ao mês, perto de 86,5% amenos.