Tecnologia e manejo asseguram maior eficiência no uso da água no campo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 25 de março de 2022

A área de lavouras e pastos coberta por sistemas de irrigação aproximou-se de 8,2 milhões de hectares em 2019, dado mais recente estimado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Em 2005, o tamanho da área irrigada chegava a 4,5 milhões, o que expressa um crescimento de 82% em quase uma década e meia. Considerando apenas as áreas cobertas por pivôs centrais, sistemas onde os riscos de perdas são mais elevados, seja por má gestão, seja pela ação dos ventos, o ritmo de crescimento apresentou aceleração mais nítida na última década, com a área saindo de 850,78 mil para 1,556 milhão de hectares entre 2010 e 2019, em alta de 82,9%. Foram agregados ao sistema, em média, em torno de 78,4 mil hectares por ano. Na década anterior, o crescimento havia sido de 73,5%, com incremento médio anual de 36,0 mil hectares, conforme dados do Atlas da Irrigação, produzido pela ANA.

O volume de água bruta captada em mananciais para irrigar o campo avançou apenas ligeiramente entre 2010 e 2020, passando de 947,0 para 964,6 metros cúbicos por segundo, numa variação de 1,9%. A relação entre aqueles dois dados, na visão do pesquisador Lineu Rodrigues, da Embrapa Cerrado, e de Jordana Girardello, assessora técnica da Comissão Nacional de Irrigação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), sugere que a agricultura tem conseguido alguma eficiência na gestão e manejo de recursos hídricos.

Essa eficiência estaria associada a políticas públicas, especialmente ao Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, conforme Jordana, mas também ao fator custo, acrescenta Rodrigues, pressionado recentemente pela escalada das tarifas de energia elétrica. “Qualquer erro na calibração do equipamento ou no manejo tem um impacto muito grande nos custos da irrigação, que podem representar até 30% do custo total de produção”, argumenta o pesquisador. As técnicas atualmente aplicadas pelo setor no manejo da irrigação, retoma Jordana, permitem racionalizar o uso do insumo, levando à planta “o volume necessário de água no momento exato para o pleno desenvolvimento da lavoura. Desperdício de água é desperdício de renda”, reforça ela.

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Novos equipamentos

Conforme Rodrigues, assim como o manejo, a eficiência dos pivôs tem avançado. No passado, os índices de perda por problemas no equipamento e deriva (a água tocada pelo vento) variavam entre 60% e 50%. “Atualmente, os pivôs conseguem uma eficiência de 85% a 90% na aspersão da água a campo. Em lavouras de menor porte, caso de frutas e hortaliças, num exemplo, a eficiência é ainda maior, porque o produtor consegue fazer a irrigação localizada, aplicando a água diretamente no pé da planta, com uso de gotejamento”, afirma. A racionalização dos espaços de cobertura também tem sido uma ferramenta em favor da melhora na gestão da água. Lá atrás, cada pivô irrigava em média perto de 150 hectares, área reduzida mais recentemente para 80 a 100 hectares, com a opção dos produtores por equipamentos de menor porte e maior eficiência na distribuição da água.

Balanço

  • Dados do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), mencionados por Jordana e Rodrigues, mostram que a agricultura responde por 70% de toda a água consumida no globo. Rodrigues pondera que esse percentual se aplica aos volumes de água outorgados pelos órgãos ambientais em todo o País. “A vazão média dos rios no país atinge cerca de 280,0 mil m³/s e a agricultura usa menos de 1,0% desse volume”, considera o pesquisador.
  • Se retirados os rios amazônicos da conta, a vazão cairia para qualquer coisa próxima a 50 mil m³/s e a participação da agricultura no consumo outorgado subiria para algo em torno de 5%, com a irrigação consumindo menos de 3% do total, acrescenta ele. O pesquisador lembra que o Brasil representa 1,6% da área irrigada total no mundo, diante de 20% na China, que dispõe de uma área agriculturável semelhante à brasileira.
  • A pesquisa tecnológica tem contribuído na busca de soluções que permitam conciliar o ritmo das mudanças climáticas e a expectativa de eventos extremos mais frequentes com as necessidades do campo, desenvolvendo variedades que venham a apresentar alguma forma de resistência ao estresse hídrico.
  • A Embrapa Meio Ambiente trabalha no aprimoramento de bactérias que poderão incrementar a resistência de soja, milho e trigo à escassez de água. O Centro de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (GCCRC), da Unicamp, recorreu a técnicas de edição genética (CRISPR/Cas9) para chegar a uma proteína responsável pelo controle da resposta do milho a eventos climáticos severos, como a seca. Inibindo o funcionamento dessa molécula, o milho passa a acionar mecanismos próprios de defesa contra o estresse.
  • As novas famílias de sementes resistentes à falta de água continuam no radar da Bayer, mas ainda não deverão estar disponíveis nos próximos cinco ou 10 anos, segundo Fernando Prudente, diretor da empresa no Brasil para as áreas de soja e algodão. Segundo ele, as pesquisas naquela direção estão mais adiantadas para a soja nos Estados Unidos e também para o algodão, “mas não temos nada pronto”. Olhando para frente, Prudente lembra que praticamente 95% da soja cultivada no Brasil não recebem irrigação mecânica e, por isso, o desenvolvimento de variedades mais resistentes à seca trariam “maior proteção à produtividade e mais flexibilidade na janela de plantio”, permitindo semeaduras mais tardias.