Valorização do mínimo ajuda a elevar a renda e a arrecadação

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 14 de janeiro de 2022

Com ares de superioridade e enfado, o comentarista global suspira e define seu ponto, na verdade, repete como papagaio a opinião dominante nos mercados: o aumento do salário mínimo, ainda que apenas reponha a inflação, ameaça a saúde fiscal do setor público ao criar despesas adicionais com servidores e elevar o valor dos benefícios pagos a pensionistas e aposentados que têm seus vencimentos amarrados ao valor do que deveria ser, em tese, o menor salário no País. O comentarista não se dá ao trabalho de consultar a vasta literatura disponível sobre impactos da correção do salário mínimo sobre a renda e a demanda e, portanto, sobre a arrecadação de impostos. Mais grave, finge não perceber a desproporção e impropriedade do que diz, especialmente quando o reajuste do mínimo e seus impactos são cotejados com a montanha de privilégios desfrutados pelos donos da grana.

Será que um aumento de míseros R$ 112 colocará a República em crise, sob ameaça de um descalabro fiscal, sempre antecipado, mas raramente confirmado? Em valores arredondados, o salário mínimo foi elevado de R$ 1,1 mil para R$ 1,212 mil, numa variação de aproximadamente 10,18%. Em artigo recente, a economista Julia de Medeiros Braga, professora associada da Faculdade de Economiada Universidade Federal Fluminense(UFF), aponta que o comportamento do salário mínimo pode ter um papel de “sinalizador” para o salário médio na economia, fenômeno descrito como “efeito farol” pelo ex-ministro Paulo Renato Souza, falecido em 2011, mencionado pela economista em seu blog.

Segundo ela, “o mínimo tem tanto um impacto direto nos rendimentos iguais ao piso como indireto, por ser uma referência utilizada nas negociações salariais”. Ou seja, políticas de valorização do mínimo, como as que estiveram em vigor entre 2002 e 2015, tendem a produzir efeitos em cascata sobre os demais salários, gerando ganhos de renda e estimulando a demanda das famílias, com retornos sobre a arrecadação de impostos e contribuições que tendem a compensar total ou parcialmente os impactos sobre os gastos com a folha de servidores nos governos federal, estaduais e municipais, assim como na Previdência.

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Renda e impostos

Em trabalho divulgado na terça-feira, 11, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) busca simular a combinação de impactos produzidos a partir do reajuste do salário mínimo. A soma dos benefícios equivalentes a até um salário responde por 46,2% do total, incluindo 66,7% do total de beneficiários, permitindo ao departamento estimar um impacto de R$ 314,16 milhões a cada elevação de R$ 1,00 no salário mínimo. A alta de R$ 112 corresponderia, portanto, a um gasto adicional de R$ 35,186 bilhões por ano. Em toda a economia, perto de 56,737 milhões de pessoas têm seus rendimentos referenciados de alguma forma ao mínimo e seriam favorecidas por um ganho de renda estimado em R$ 81,183 bilhões pelo Dieese. Nesta altura do trabalho, o departamento toma emprestado dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para projetar os ganhos do setor público, dado em geral desprezado por analistas de mercado e comentaristas globais.

Balanço

  • O Ipea estima o peso dos impostos sobre o consumo dos mais pobres, aqueles com renda mensal de até dois salários mínimos, em alguma coisa próxima a 53,9% – o que parece configurar verdadeiro confisco sobre a renda daquelas famílias. Essa seria a “carga tributária” incidente sobre bens e serviços consumidos por aquela faixa da população, representada pelos impostos indiretos (a exemplo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, cobrado pelos Estados, e ainda o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência municipal).
  • Como aquelas famílias destinam grande parcela de sua renda para o consumo, o Dieese estima que a arrecadação de impostos receberia uma injeção adicional de R$ 43,757 bilhões em um ano, ou seja, 24,4% mais do que os gastos acrescidos à conta da Previdência. O estudo do departamento não considera, no entanto, os efeitos da incidência da contribuição previdenciária sobre o rendimento extra assegurado pelo reajuste do salário mínimo e a parcela desses ganhos direcionada para despesas com aluguel, por exemplo.
  • Também não detalha estimativas sobre o impacto sobre a folha de pagamento dos servidores, embora aponte que o aumento de despesa com pessoal parece quase desprezível na área federal e ganhe maior relevância para Estados e prefeituras, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. No caso da União, onde apenas 5,56% dos servidores recebem até um salário, a folha registraria variação de 0,32%. Nos Estados, a variação seria de meros 0,75% (com elevação de 0,64% na região Norte e de 1,04% no Nordeste).
  • Nas prefeituras, que registram 13,49% dos servidores com rendimentos de até um salário mínimo, a folha tenderia a aumentar 1,68% em 12 meses, com avanços de 2,08% para os municípios do Norte do País e de 3,05% no Nordeste.
  • Considerando o valor do salário mínimo por hora trabalhada, fixado em R$ 5,51 pela Medida Provisória 1.091, de 31 de dezembro do ano passado, retoma a professora Júlia Braga, o mínimo no Brasil só estaria à frente do valor definido pelo México, numa relação de 33 países publicada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
  • “O salário mínimo no Brasil é menor que na Rússia, no Chile, na Colômbia, na Costa Rica e na Hungria. Por essa métrica, o salário mínimo no Brasil é três vezes menor que nos EUA, quatro vezes menor que na França e cinco vezes menor que na Alemanha”, prossegue a economista, com base na estatística mais recente disponível da OCDE (2020) e valores em dólares.
  • Torna-se agora oficial. O ex-Posto Ipiranga assume o posto de mais nova “rainha da Inglaterra”, por força de um decreto presidencial que, na prática, lançou a gestão do orçamento da União nas mãos doCentrão. O ministro dos mercados, que teve o orçamento de seu ministério cortado pelo Congresso, já não decide como serão gastos os recursos da União. A palavra final sobre a abertura de despesas e seu remanejamento ficará a cargo do ministro da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (PP).