Variação de estoques pode ter levado à alta do PIB no trimestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de junho de 2021

Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), surpreenderam os mercados de forma positiva, já que as apostas miravam, na média, uma variação em torno de 0,9% na comparação com o trimestre imediatamente anterior. O instituto trouxe, no entanto, uma variação de 1,2% para o período, com elevação de 1,0% frente ao trimestre inicial de 2020 – quando a economia havia recuado 0,3% frente aos primeiros três meses de 2019.

Embora economistas e analistas do mercado atribuam aqueles números ao alívio nas restrições que os governos haviam imposto lá atrás à movimentação de pessoas e ao funcionamento de empresas, atingindo especialmente o setor de serviços, a variação do PIB foi afetada de forma nada modesta pela variação de estoques em toda a economia. Luka Barbosa e Matheus Fuck, economistas do Itaú BBA, estimam que o ajuste de estoques ocorrido nos três primeiros meses deste ano tenha contribuído com aproximadamente 1,8 pontos de porcentagem para o resultado do PIB. Vale dizer, acrescenta a coluna, sem esse “ajuste”, o volume total de riquezas produzidas pelo País teria recuado em torno de 0,6%.

Segundo Barbosa e Fuck, a contribuição positiva dos estoques já era esperada, “uma vez que o setor industrial encerrou o ano passado com estoques em níveis substancialmente baixos”. Portanto, dada as expectativas alimentadas pelo mercado de um melhor desempenho da economia neste ano, seria “normal” que a indústria tratasse de recompor seus estoques à espera de uma demanda maior do que aquela registrada ao longo de 2020. Mas há um dado estranho nessa equação, visto que setores importantes da economia enfrentam escassez de estoques de matérias-primas e insumos, levando mesmo à paralização de linhas de produção. No caso mais recente, a Volkswagen suspendeu a produção em algumas de suas unidades por falta, entre outros insumos, de microprocessadores, os chips utilizados nos veículos. Há problemas de abastecimento ainda nas cadeias de produção de plásticos, embalagens metálicas, ferro e aço.

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Sem os estoques

Nos dados das contas nacionais, consolidadas no PIB, os estoques sofreram variação de R$ 83,972 bilhões no primeiro trimestre deste ano (perto de 4,1% do PIB), depois de encolherem R$ 68,963 bilhões no quarto trimestre de 2020. No trimestre inicial de 2020, o número ficou positivo em R$ 35,522 bilhões, representando 1,93% do PIB trimestral. Como o PIB nominal registrou incremento de R$ 44,523 bilhões entre o quarto trimestre do ano passado e o primeiro deste ano, como se percebe, excluída a “variação de estoques”, o produto teria encolhido. Antes, é preciso tentar entender o que essa variável representa.

Balanço

  • Por definição, os livros texto de economia definem que demanda e oferta numa economia são equivalentes. Mas nem sempre é assim. Nestes casos, os estoques assumem aqui o papel de “variável de ajuste”. Os componentes da demanda (consumo das famílias e dos governos, investimentos, exportações) podem superar a oferta (tudo o que é produzido internamente, mais bens e serviços importados). Ou vice-versa, as empresas podem ter produzido ou importado mais do que a economia conseguiu consumir em determinado período. No primeiro caso, há uma redução nos estoques, para que a conta feche. No segundo, os estoques aumentam.
  • Mas nem sempre os estoques crescem por razões positivas (por exemplo, para responder a uma expectativa de crescimento futuro, as empresas podem investir na compra de insumos, matérias-primas, peças, componentes e acessórios que serão utilizados mais adiante para ampliar a produção e atender à oferta adicional esperada). Os estoque podem aumentarainda simplesmente porque a produção foi maior do que a capacidade de consumo das famílias, das empresas e do governo.
  • As contas do PIB, como mostram os economistas Ricardo Summa, Fernando Lara e Franklin Serrano, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não permitem afirmações conclusivas a respeito. “A partir destes dados das contas nacionais não é possível afirmar se uma variação positiva de estoques, por exemplo, resulta de um investimento líquido desejado em estoques ou de um aumento do fluxo da oferta que não encontrou demandantes, ou ainda simplesmente de erros e/ou omissões nas próprias estatísticas. Em geral, trata-se de alguma composição entre estas três coisas”, analisam.
  • Na segunda hipótese, caso não ocorra uma reação da demanda mais adiante, as empesas tenderão a reduzir a produção para ajustar os estoques ao nível esperado para as vendas futuras, com efeitos negativos sobre a economia em geral. A redução do emprego e os números recordes para o desemprego no primeiro trimestre sugerem uma perspectiva menos positiva para a economia.
  • De volta aos dados do PIB, pelo lado da oferta (quer dizer, da produção), a agropecuária apresentou o melhor desempenho, com alta de 5,7% frente ao quarto trimestre de 2020 e incremento de 5,2% diante do primeiro trimestre do ano passado. Indústria e serviços anotaram variações de 0,7% e de 0,4% em relação ao trimestre imediatamente anterior, mas com baixa de 0,5% para a indústria de transformação. Entre os componentes da demanda, investimentos, exportações e importações avançaram, pela ordem, 4,6%, 3,7% e 11,6% na saída do quarto para o primeiro trimestre. O consumo das famílias e do governo recuou 0,1% e 0,8%.
  • Desde o quarto trimestre de 2014, quando alcançou seu auge, o consumo das famílias encolheu 4,5%. O investimento encontra-se ainda 9,2% abaixo do pico, registrado no terceiro trimestre de 2013. O PIB em geral, por sua vez, aponta redução de 3,1% em relação ao primeiro trimestre de 2014.