A cada 10 imigrantes no Estado, 7 trabalham

Estrangeiros tentam reconstruir a vida em Goiás. Igrejas, governos e sociedade se unem para oferecer ajuda

Postado em: 14-03-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Estrangeiros tentam reconstruir a vida em Goiás. Igrejas, governos e sociedade se unem para oferecer ajuda

RHUDY CRYSTHIAN

Quando ouviu falar do Brasil, pelo futebol, o haitiano Elsery Derisma (32) não pensou duas vezes: “vou morar lá (aqui)”. Atraído pela possibilidade de conseguir uma melhor renda, ele fez as malas e embarcou em 2013. A esposa seguiu o marido com um bebe na barriga. Outras três crianças, todas menores de 10 anos, ficaram no país de origem do casal com a avó materna. A família faz parte de um grupo de 400 haitianos que vive em Aparecida de Goiânia, concentrados nos bairros Expansul e Centro da cidade. Em Goiânia, a comunidade se concentra no Jardim Guanabara.

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Os haitianos se interessaram pelo Brasil depois que um devastador terremoto atingiu o país em 2010, matando pelo menos 250 mil pessoas e deixando mais de um milhão de desabrigados. Centenas de milhares de indivíduos ainda não conseguiram reconstruir suas vidas depois da tragédia.

Depois daquele ano desolador, o Brasil passou a ser um dos destinos preferenciais dos haitianos. Até então a migração de pessoas do Haiti para o Brasil era considerada insignificante. Atualmente, dos cerca de 100 haitianos que entram por dia sem documentação no país, estima-se que quatro escolhem Goiás como destino. As constantes crises políticas e a pobreza do Haiti – o pais é considerado o mais pobre das Américas, onde somente 10% da população vai à escola – mostram que os problemas estão longe de serem solucionados.

Renda

Atraído pela possibilidade de ganhar mais, Elsery tinha como pagamento médio um salário mínimo no Haiti, ele recebia em peso dominicano e trabalhava viajando, com construção civil e agricultura. Mas reclama que com o real desvalorizado não sobra muita coisa para sustentar a família no Brasil e os filhos que ficaram no Haiti.

Elsery trabalha cerca de dez horas por dia e recebe atualmente um salário de R$ 1,8 mil na coleta de lixo em Aparecida. Desses, R$ 480 são para pagar o aluguel de uma casinha simples quase sem mobília. Outra parte do pagamento manda para a sogra cuidar dos filhos do casal. “O salário não é ruim, mas é insuficiente para atender as duas famílias”, fala em um português ainda arrastado. Lá, além do francês eles falam o idioma crioulo haitiano.

Voltar para sua terra natal está fora de cogitação, mas Elsery conhece muitas pessoas que vieram e não conseguiram se estabelecer. “Quero conseguir um emprego melhor para poder juntar toda minha família, porque a saudade aperta”. Aperta no peito e no bolso, a família gasta uma média de R$ 200 por mês em ligações para matar a saudade dos filhos por telefone (o custo da ligação Brasil/Haiti é de R$ 5 o minuto).

Outro lado

Nem sempre a vida de imigrante é drama. O angolano de classe média, Felizardo Maurício Balazar, não veio para o Brasil fugindo da miséria, da fome ou de catástrofes climáticas. Ele é estudante de nutrição em uma universidade na Capital. Felizardo chegou no Brasil em 2011 e garante que assim que terminar o curso pretende voltar para Angola.

O universitário comenta que foi muito bem recebido pelos colegas da faculdade, mas não pretende fixar residência no Brasil depois de formado. Na Angola ele já está em negociação com órgãos do governo local para conseguir um trabalho. Ele veio para o Brasil em um grupo de cinco pessoas, a maioria para estudar. Atualmente, divide um apartamento com outros quatro colegas.

Faltam vagas na rede pública de ensino

As mulheres representam um total de 40% dos imigrantes em Aparecida de Goiânia, a maioria casada e com filhos. A prefeitura municipal se mostra bastante receptiva com a chegada de novos imigrantes. Mas, Edson Rodrigues Machado, missionário da Igreja Metodista, cobra que o principal problema das famílias estrangeiras na cidade ainda é a falta de vagas na rede pública de ensino para as mães deixarem os filhos para trabalhar.

A resposta da prefeitura não é animadora. A Secretaria Municipal de Educação de Aparecida afirma que não há vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (Cmei). Os pais precisam se cadastrar no site da prefeitura e aguardar surgir uma vaga. Segundo uma fonte da Secretaria, os imigrantes não são tratados de maneira diferenciada, as vagas são preenchidas de acordo com a desistência e a demanda de cada região. Sem apresentar números, a prefeitura planeja abrir novos Cmeis ainda este semestre.

A Secretaria Municipal de Trabalho, Emprego e Renda de Aparecida garante que trabalha em conjunto com outros departamentos da administração para acolher da melhor forma possível os imigrantes e assim minimizar os impactos sociais e econômicos na cidade.

Segundo dados do município, de cada 10 haitianos, sete já estão inseridos no mercado de trabalho. A maioria em áreas como serviços gerais, coleta de lixo, reposição de produtos em supermercados e afins. O departamento realiza encontros com os membros da comunidade para traçar estratégias que atendam aos interesses desse público. A Secretaria afirma que houve um aumento significativo no fluxo de imigrantes no município no último, mas não sabe justificar o motivo.

Ajuda Missionária minimizam os impactos 

Nesse cenário de migração a ajuda humanitária é sempre bem-vinda. Entidades e grupos religiosos atuam diretamente no auxílio das necessidades básicas e encaminhamento dos estrangeiros para o mercado de trabalho. A Pastoral do Migrante, da Arquidiocese de Goiânia, por exemplo, atende um grupo de 160 pessoas.

A coordenadora da pastoral, irmã Glória Dal Tozzo, explica que os imigrantes já chegam na região depois de uma longa trajetória em diversas outras cidades. “Eles cultivam uma rede de comunicação entre si. Quando alguém da família ou amigo vem e consegue se estabelecer, logo trata de avisar aos conhecidos”, pontua. A comunidade promove encontros mensais para tratar das necessidades básicas dos haitianos em Goiânia.

A Igreja Metodista em Aparecida de Goiânia realiza esforços para garantir emprego e doação de alimento, mas a dificuldade com o idioma tem impedido muitos de conseguirem algo melhor. A congregação mantém um curso de português, com aulas gratuitas oferecidas por uma professora voluntária.

 

 

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