“Inquéritos de tráfico são mal feitos”

“Há uma grande quantidade de absolvições em decorrência de uma investigação mal feita.”

Postado em: 05-07-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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“Há uma grande quantidade de absolvições em decorrência de uma investigação mal feita.”

DEIVID SOUZA

Marcelo Celestino – promotor da 25ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Tutela Difusa da Segurança Pública

Depois de mais de dois anos e meio atuando na Promotoria de Combate ao Tráfico, o promotor de Justiça, Marcelo Celestino, demonstra preocupação com a condução dos inquéritos policiais que apuram crimes de tráfico. De acordo com ele, falhas na condução das investigações têm feito com que vários criminosos estejam sendo colocados em liberdade, por questões técnicas.

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 Existem problemas na condução de inquéritos de tráfico de drogas?

Eu fiquei dois anos e meio na Promotoria de Combate ao Tráfico, atuando perante o juiz de combate ao tráfico e pude perceber durante esse período que a grande maioria, para fazer uma comparação por cima, em torno de 95% dos inquéritos policiais sobre entorpecentes são oriundos de ações da Polícia Militar (PM), e com exclusão dos inquéritos feitos pela Denarc (Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos e pelo Grupo Especial de Repressão a Narcóticos (Genarc) de Aparecida de Goiânia, que chegavam à Justiça Criminal de Goiânia, com exclusão dessas duas delegacias, quase que 100% dos inquéritos são mal feitos. 

Eu falo que é um inquérito mal feito pelo seguinte: limitam-se a ouvir o condutor (da droga) e duas testemunhas no flagrante, que é o mínimo legal. E não tem nenhum ato investigatório posterior ao auto de prisão em flagrante. Nem mesmo a cautela da autoridade policial de entrar em contato com a Denarc para saber se aquela pessoa que foi autuada se ela está sendo objeto de investigação pela delegacia especializada, se ela já foi investigada pela delegacia especializada, se ela faz parte de uma quadrilha especializada que a delegacia investigou ou que esteja investigando. Não há um intercâmbio de informações entre as delegacias e a especializada no combate ao tráfico.

E quanto à documentação?

E quase todos chegam ao Poder Judiciário sem o laudo definitivo, o que impede o julgamento. Então há um atraso muito grande na remessa de laudos definitivos de droga. Nós reconhecemos que é em decorrência da deficiência da Polícia Técnico Científica, que agora teve a nomeação de alguns peritos que entendo que vai melhorar essa sistemática, mas atos investigatórios não têm.

Há um grande contingente de processos que desencadeiam absolvições por falta de prova, justamente porque não tem a continuidade das investigações. O próprio Supremo Tribunal Federal já considera que se não tiver investigação prévia é considerado invasão de domicílio e a prova é nula.

Já foi tomada alguma medida pela Promotoria para tentar resolver isso?

É um fato que eu já tentei resolver. A Polícia Civil fez um compromisso de encaminhar para todos os delegados um ofício determinando o que deve ser feito na área de tráfico, mas não está sendo feito, e isso aí é algo que vai ser objeto de intervenção judicial da Promotoria com relação a isso. Porque foi determinado um regulamento que não está sendo cumprido e a própria Corregedoria já comprovou que não está sendo cumprida a ordem que foi dada pela direção da Polícia Civil, e que visa à melhoria das investigações. Se não tiver uma qualidade da investigação desencadeia em absolvição mesmo.

O senhor mencionou a questão da estrutura. Além disso, tem uma questão de deliberação da forma de condução da investigação?

Nós sabemos que a Polícia Civil está defasada em número de pessoas e de estrutura, mas não justifica um inquérito da forma como está sendo feito. Não justifica limitar a fazer um auto de prisão em flagrante e encaminhar para a Justiça, isso aí não adianta porque vai não vai ter condições de provar aquilo em juízo. Muitas vezes a própria polícia chega de diz ‘prisão eu faço todo o dia, não lembro desse fato’. Acabou, absolvido. Se o policial não sabe do fato, quem que vai provar. Então há uma grande quantidade de absolvições em decorrência de uma investigação mal feita.

A influência do inquérito para o julgamento é quase que total pelo que o senhor está dizendo?

Quando anula a prova acabou. A prisão é relaxada. Todas as provas são declaradas nulas e o acusado é absolvido.

Quais as etapas dos fatos que precisam ser seguidas?

Tem mais de um ano e meio que a direção da Polícia Civil encaminhou para os delegados e não vem sendo cumprido. E o quê que é? Em caso de flagrante diligenciar para saber se a pessoa é realmente um traficante. Entrar em contato com a Delegacia Estadual para buscar informações a respeito daquela pessoa, fazer atos de investigação para poder provar que essa situação de mercancia.

O senhor afirma que isso será objeto de uma ação da Promotoria. Qual será esta ação?

Uma Ação Civil Pública com obrigação de fazer para que seja executado, para que seja cumprido o regulamento que a Polícia (Civil) baixou e não vem sendo cumprido.

Com essa Ação Civil Pública que será proposta. O que pode acontecer se não for cumprido?

Pode acarretar para a autoridade, que no caso é o diretor da Polícia Civil, multa afastamento do cargo, uma série de consequências, mas o que nós queremos é evitar a Ação Civil Pública, que o regulamento seja cumprido. 

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