‘Deixem a tia trabalhar’, defendem alunos

Estudantes da UFG se mobilizam para manter vendedora de quitutes nas dependências do Campus

Postado em: 23-07-2016 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: ‘Deixem a tia trabalhar’, defendem alunos
Estudantes da UFG se mobilizam para manter vendedora de quitutes nas dependências do Campus

LUCAS BOTELHO

Enquanto o galo ainda nem cantou e a cidade inteira ainda dorme, Edinete Alves Batista de Morais já está de pé. Põe o pão de queijo, o bolo e as rosquinhas no forno pra assar, frita o pastel, passa os cafés e faz o chá que só ela sabe fazer; joga a cobertura no bolo, pega os sanduíches que fez na noite anterior e, então, guarda cada lanche na sua caixa, cada caixa numa das bolsas térmicas, para tudo permanecer quentinho até mais tarde. 

Às 07h ela sai de sua casa no Itanhangá, bairro da zona norte de Goiânia, e se dirige ao Campus Samambaia. Quem vir a cena talvez nem acredite: uma mulher, uma moto e muitas bolsas, penduradas nos braços, nas costas, no meio das pernas e até no pescoço se for preciso.

Continua após a publicidade

É o pátio da Universidade Federal de Goiás, o lugar onde Edinete encontrou o público fiel às suas maravilhas. Quem chega já vê de longe a mulher agitada que, com frio, veste um lenço cinza e branco por cima da touca que prende os cabelos. Usa uma regata preta e uma pochete grande na cintura. Por cima da regata preta, uma camisa social xadrez. Por cima da camisa, um blazer preto. A calça, também preta, é de moletom, e os pés, que estão protegidos por meias cinzas, calçam uma sandália de couro trançado: a cara das humanas.

No meio do pátio, a tia tem duas mesas dobráveis de ferro e um banquinho de madeira como vitrine de seus produtos. Por cima do forro verde de lã grossa se espalham as seis garrafas térmicas, com diferentes chás e cafés, uma caixa de leite, um pote de Nescau, um potinho de moedas, sachês de ketchup e maionese apimentada, álcool gel, copos descartáveis, um rolo de guardanapo e as cinco bolsas térmicas com todos os sagrados quitutes.

Entre um pastelzinho de carne, um sanduíche natural e um copo de café, são centenas de “Oi lindinha”, “Fala meu rei”, “Como você tá, querida?”, todas as manhãs e todas as tardes. Ela só faz uma pausa por volta de meio dia, quando volta pra casa pra fazer almoço, vai comprar as coisas que precisa para preparar a comida do dia seguinte e arruma os produtos que leva para vender a tarde, a partir das 15h, no mesmo local. Faz tudo sozinha, e a rotina é intensa. Mas é disso que Edinete gosta: de estar pra cima e pra baixo, trabalhando, e não parada em casa. 

Edinete tem muita história para contar, tanto que até já escreveu boa parte de uma autobiografia uma vez. Vinda do interior do Rio Grande do Norte, ela começou a trabalhar aos sete anos de idade, vendendo café na rua para ajudar a mãe. Desde então não parou de rodar o país por causa da família e do trabalho.

A Tia começou a vender no campus no começo desse semestre. Tentou vender nos colégios que havia perto de sua casa. “Não deu certo, não vendia.” Foi para a porta de uma outra faculdade, cujo nome ela esqueceu. “Não gostei, além da distância, não foi legal. Caiu uma chuva lá que me espantou.” Depois disso, foi para o terminal do Itatiaia. 

No dia 13 de julho, dois funcionários da guarda da UFG foram levar o recado da reitoria à ambulante: ela não poderia mais continuar vendendo os lanches dentro da área do campus, por não possui nenhum tipo de licença para exercer a atividade. Edinete foi à reitoria e não conseguiu nenhuma informação sobre como obter a bendita licença. No outro dia, retornou ao pátio normalmente. 

O recado dos guardas, dessa vez, foi de que uma viatura viria apreender a mercadoria, caso ela não se retirasse dali imediatamente. A reação foi imediata. Os estudantes se mobilizaram pela permanência de Edinete no campus através de um abaixo-assinado. 

No Facebook, um post que denunciou o caso em um grupo de alunos da UFG teve grande repercussão e já tem mais de mil e quinhentas curtidas e cento e cinco comentários que repudiam a ação da reitoria. Nesse dia, aquela que distribuía carinho junto com os quitutes ficou abatida, mas colheu da seara que plantou, e foi consolada por muitas e muitos.

Ainda hoje ela está lá no pátio. Edinete não quer sair dali, e ninguém que foi cativado pela tia aceita a expulsão. Ainda hoje temos a alegria de, antes da aula, despertar com um bom café, ouvir o “Bom dia, amor!”acompanhado de um sorriso, e até ganhar um abraço. A pressão sobre os ambulantes no campus é antiga, e pode até continuar a acontecer, mas com a união de tanta gente em prol da tia, é lá que ela vai continuar, por muito tempo. (Lucas é estudante da UFG e colaborou para O HOJE) 

Veja Também