Destino de rejeitos da tragédia de Mariana será decidido em 45 dias

A Secretaria de Meio Ambiente precisará apontar o que será feito com toda a lama dispersa

Postado em: 26-01-2017 às 08h00
Por: Redação
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A Secretaria de Meio Ambiente precisará apontar o que será feito com toda a lama dispersa

O plano de manejo dos rejeitos de mineração espalhados após
a tragédia de Mariana (MG) começou a ser discutido nessa quarta-feira (25) e
deverá ser entregue em 45 dias à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Semad) de Minas Gerais. Pesquisadores, empresas de consultoria e
representantes de órgãos ambientais participaram de um seminário que deu início
às discussões. O evento foi organizado pela Fundação Renova, criada pela
mineradora Samarco para gerir as ações de reparação dos danos causados pelo
episódio. Novos encontros ocorrerão nas próximas semanas.

A Secretaria de Meio Ambiente precisará apontar o que será
feito com toda a lama dispersa. Não haverá uma única solução e nem todo o
rejeito será retirado. Medidas diferentes deverão ser adotadas, levando em
conta que a região afetada é composta por áreas com características distintas.

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A tragédia de Mariana ocorreu em 5 de novembro de 2015,
quando o rompimento da Barragem de Fundão, pertencente à Samarco, levou
devastação à vegetação nativa e poluição à bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas
morreram e comunidades foram destruídas, entre elas os distritos de Bento
Rodrigues e Paracatu. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do
país.

Um acordo assinado entre a Samarco, suas acionistas Vale e
BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito
Santo estabeleceu que toda a área que sofreu impacto deverá ser recuperada
pelas empresas. Entre as obrigações definidas está o manejo dos rejeitos.
Embora esse acordo tenha sido contestado pelo Ministério Público Federal (MPF)
e ainda não tenha validade judicial, as partes signatárias estão cumprindo
o combinado.

Segundo a Fundação Renova, 39 milhões de metros cúbicos de
rejeitos escaparam dos limites do complexo minerário da Samarco. Desses, 20
milhões estão depositados no trecho que vai até a Usina de Candonga, em Santa
Cruz do Escalvado (MG). Em um desdobramento do acordo, a Fundação Renova
protocolou nos órgãos ambientais um ofício assumindo o compromisso de retirar
11 milhões de metros cúbicos de lama.

No município de Barra Longa, foram recolhidos 170 mil metros
cúbicos. Além disso, está em curso uma dragagem na Usina de Candonga. Cerca de
500 mil metros cúbicos já foram retirados e a meta é chegar a 10 milhões. Nos
próximos meses também terão início os trabalhos na região de Bento Rodrigues. O
objetivo será tirar do local aproximadamente 1 milhão de metros cúbicos. Não há
previsão para a conclusão de todo o trabalho, que deverá levar alguns anos.

Uma vez que já existe compromisso em relação à retirada de
11 milhões de metros cúbicos de rejeito, o plano de manejo que será elaborado
nos próximos 45 dias deverá indicar o que fazer com mais 9 milhões que estão
depositados entre a Barragem de Fundão e a Usina de Candonga, assim como o
restante que escoou pelo Rio Doce até o litoral do Espírito Santo.

Thiago Marchese, gerente de Programas Socioambientais da
Fundação Renova, destacou a importância de convidar pessoas de notório saber,
com múltiplas visões, para contribuir na elaboração do plano. “A
divergência realmente está acontecendo e é muito saudável. Se não fosse para
buscar opiniões diversas, não faria sentido o seminário. Precisamos exaurir
todas as possibilidades e discutir todos os pontos de vista”.

Para Zuleika Torquetti, superintendente de Gestão Ambiental
da Semad, o seminário é também uma forma de ouvir a sociedade, ali representada
pela comunidade científica, especialistas e consultores. Ela também vê
benefícios para o processo de tramitação do plano de manejo. “Muitas
vezes, os órgãos ambientais recebem documentos e estudos para analisar que
chegam com informações insatisfatórias. Isso gera retrabalho tanto para quem
apresentou, quanto para os analistas que acabam tendo que fazer reavaliações.
Essa oportunidade de discussão prévia já reduz a possibilidade de lacunas no
documento que será apresentado”, afirma.

Zuleika destaca que a participação da Semad no processo não
a exime de fazer uma análise detalhada do plano que será apresentado em 45
dias. “Os órgãos ambientais seguem diretrizes. A análise do documento
final levará em conta as determinações legais e algumas exigências adicionais
poderão ser feitas”.

Peculiaridades

O principal desafio na elaboração do plano é levar em conta
as peculiaridades das diferentes áreas atingidas. Neste sentido, parece
consenso entre os especialistas que o rejeito não deve ser retirado
integralmente. Parte dele seria manejada de outra forma.

O pesquisador Luiz Eduardo Dias, engenheiro agrônomo da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), acredita que mobilizar especialistas de
diferentes áreas é o caminho certo e que é possível chegar a um plano que sirva
até como modelo internacional para recuperação ambiental. “Estamos lidando
com uma situação nova, então é preciso tomar um cuidado grande, porque entre a
Barragem de Fundão e a Usina de Candonga há enorme diversidade geomorfológica,
espacial e ambiental. Não se pode tomar medidas comuns para áreas com
características distintas”, afirma.

Segundo o engenheiro agrônomo, a decisão de retirar ou não o
rejeito deve levar em conta alguns fatores. “Que tipo de solo existia
embaixo do local onde ocorreu a deposição? Qual a espessura do rejeito que está
por cima do solo original? São questões a serem observadas. Em função do tipo
de uso do solo, muitas vezes não há necessidade dessa retirada”. Ele
acrescenta que não há nenhum impedimento químico para manter o rejeito no
local, uma vez que ele é um material inerte, isto é, não interage como o meio
ambiente e tem baixa toxicidade.

Luiz Eduardo Dias destaca ainda que, em alguns lugares, é
preferível estabilizar a lama e deixar que ela vá recebendo matéria orgânica e
se transformando em um novo solo ao longo dos anos. A plantação de gramíneas e
leguminosas, que já foi feita em determinadas áreas deu início a esse processo.
Ele também faz referências às peculiaridades das terras de pequenos agricultores.

“O plano precisa ainda compatibilizar o que,
utopicamente, seria melhor do ponto de vista técnico e ambiental com as
questões sociais. Em outras palavras, estar atento ao que quer a população
afetada. Por exemplo, os pequenos agricultores que tiveram suas terras
atingidas têm quais opções socioeconômicas para voltar a produzir renda?”

Agricultura

O impacto da retirada de rejeitos em áreas agricultáveis é
uma das maiores preocupações do especialista em solos Carlos Ernesto Schaefer,
pesquisador de pedologia e morfologia da UFV. Ele defende o uso do bom senso
para encontrar soluções mais simples, economicamente mais exequíveis e com
resultados práticos mais rápidos que atendam, sobretudo, os interesses de
populações que foram afetadas, como os agricultores e ribeirinhos.

“A remoção do rejeito nas áreas agricultáveis próximas
aos rios gera problemas que multiplicam o impacto ambiental. Quando passou o tsunami de
lama, a planície fluvial foi decapitada, isto é, ela perdeu um volume enorme de
material. E no lugar desse material, o rejeito ficou depositado. Quando
observamos as margens dos rios, vemos inclusive que esse rejeito não é puro. É
uma mistura com o solo que já existia no local. Portanto, ali não há mais o
material antigo e se você tirar o rejeito, o que vai sobrar será algo
praticamente ao nível do rio. No primeiro verão chuvoso em que o nível do rio
oscilar, ele irá inundar todas essas áreas. É possível imaginar problemas até
de saúde, porque vão se formar lagoas que poderão facilitar a proliferação de
mosquitos”.

Outra questão levantada pelo pesquisador diz respeito ao
destino da lama. “Vamos colocar todo esse rejeito onde? No topo de morros?
Vai gerar um passivo ambiental enorme, em uma área que não foi impactada. Para
quê? Não entendo que a obrigação da Samarco seja retirar todo o rejeito. A
obrigação dela é fazer com que todas as áreas sejam restituídas na sua
integridade ambiental, humana e socioeconômica. Se conseguirmos isso sem
soluções megalomaníacas, melhor”.

A proposta apresentada por Carlos Ernesto Schaefer é cobrir
o rejeito com o solo do próprio entorno, possibilitando que o agricultor tenha
de imediato a chance de voltar a produzir nessas áreas adjacentes ao Rio Carmo,
ao Rio Gualaxo e ao Rio Doce. Essas áreas, segundo ele, são geralmente as
melhores que os proprietários têm disponíveis em suas terras.

“O problema do rejeito não é químico. Ele é inerte. O
problema dele é físico. Portanto, só precisamos deixá-lo lá embaixo isolado da
raiz das plantas. Os agricultores precisa voltar a ter suas casas, pomares,
suas roças de subsistência, o pasto para as vacas, a horta, as plantações. E
essa técnica de recobrimento do solo já está acontecendo com sucesso em algumas
áreas, por iniciativa de alguns poucos proprietários”, acrescenta o pesquisador.

Carlos Ernesto Schaefer lembra que suas considerações valem
para áreas rurais. Em áreas urbanas e adjacentes às cidades e às vilas, a
remoção do rejeito deve ocorrer resgatando as características mais próximas do
original, uma vez que as pessoas nesses locais não dependem desse solo para sua
subsistência. (Agência Brasil)

Foto: Rogério Alves (TV Senado/ Fotos Públicas)

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