Fuga cinematográfica coloca Guapó na rota do tráfico de drogas

Onze detentos fugiram após explosão de presídio. Uma jovem que morava ao lado da unidade ficou ferida. A casa dela foi destruída

Postado em: 31-05-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Fuga cinematográfica coloca Guapó na rota do tráfico de drogas
Onze detentos fugiram após explosão de presídio. Uma jovem que morava ao lado da unidade ficou ferida. A casa dela foi destruída

Renan Castro

O sistema penitenciário brasileiro já mostrou que não suporta mais tantos detentos. Na manhã de ontem (30), 11 presos do regime fechado do Presídio de Guapó, a 27 quilômetros de Goiânia, fugiram após bandidos explodirem a parede de uma das cinco celas. A ação ocorreu após às 8h e foi realizada por três homens encapuzados e armados. Uma mulher ficou ferida e foi encaminhada ao hospital. 

Câmeras de segurança de uma residência que fica na mesma rua do presídio flagraram quando um carro Honda Civic preto vai em direção à cadeia, às 8h22min. Depois de seis minutos, o carro volta e a explosão ocorre. Os bandidos param o veículo e aguardam enquanto os presos chegam até o carro. Neste momento é possível avistar uma mulher e uma criança. Ao perceber a ação dos criminosos, ela volta e tenta proteger o menino.

Continua após a publicidade

A explosão foi ouvida em toda a cidade. Em poucos minutos, todos já sabiam do acontecido e a preocupação era com o que os fugitivos poderiam fazer ao tentar escapar. Ainda na parte da manhã, três fugitivos foram recapturados. O mandante do crime, o detento Diemerson Ferreira de Souza, o “Pará”, estava entre os capturados. Os outros dois são Jhone Ferreira Silva e Pablo Marcos Palma Lima.

Participaram da operação agentes penitenciários e policiais militares do GRAer, Batalhão de Choque, Bope, Rotam e 22º BPM. O Corpo de Bombeiros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também chegaram ao local da explosão para dar suporte.

De acordo com a PM, Diemerson teria pago R$ 5 mil a cada um dos suspeitos. O grupo derrubou o portão da residência utilizando um veículo roubado no Setor Bueno, na Capital. Eles confessaram que pegaram o carro – já com os explosivos – em Abadia de Goiás e foram para Guapó. A polícia também já encontrou o veículo, bem como três armas de fogo e munições. 

Conforme a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP-GO), a Polícia Militar efetuou também a prisão de três criminosos suspeitos de terem participado da explosão do local. Com eles, foram apreendidas três armas de fogo, máscaras e o veículo utilizado para a prática do delito. Foram presos Lucas Coelho Costa, de 19 anos, João Wellington Lira do Nascimento, 19, e Higor Lemes da Silva, 20.

Moradores relataram que durante a fuga alguns detentos assaltaram uma lanchonete, versão descartada pela polícia. “Havia a informação de que dois presos estivessem em um pesque e pague. Nosso pessoal se deslocou até essa região e nada foi confirmado. A logística da investigação cabe a Polícia Civil, e a Polícia Militar está incumbida de prender esses foragidos”, afirmou o Comandante Geral da PM, Divino Alves. 

Casa vizinha ficou totalmente destruída

A casa que fica nos fundos do presídio ficou totalmente destruída. Uma jovem de 22 anos, Taynna Kárita Silva Barros, estava na residência no momento da explosão. Ela ficou debaixo dos escombros e foi socorrida primeiramente por vizinhos que tiraram pedaços de madeira e concreto que prendiam a perna dela. A jovem foi encaminhada para o Hospital de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol), em Goiânia. Segundo a unidade, até o fechamento desta edição o estado de saúde dela era regular e estável. 

Ela respirava espontaneamente e seguia internada na emergência. Cinco detentos sofreram escoriações e passaram por procedimento médico e no Hospital Municipalda cidade e depois retornaram para a unidade. 

De acordo com o delegado Arthur Fleury, a ordem partiu de dentro do presídio. “Deram ré no veículo para derrubar o portão e, infelizmente, ao invés de explodir para dentro da cela, o impacto foi para fora e destruiu a casa”, afirmou. “Vamos investigar quem participou e possibilitou essas fugas. Ainda não podemos falar se a carga de explosivo foi exagerada ou não, colocando em risco, inclusive, os próprios detentos. Mas pra gente o que interessa é a vítima moradora da casa que fica aos fundos do presídio”, completa Arthur. O delegado afirmou que Guapó é rota de tráfico de drogas por meio da BR-060.  


Moradores relatam momento de pânico

 O presídio fica na região central da cidade e, durante a ação, tiros foram disparados. Moradores fecharam as portas das casas e ficaram assustados. O caminhoneiro Ronaldo Moraes Silva, que mora em frente a casa que ficou destruída afirma que não estava em casa no momento da explosão. “Quando eu estava na esquina próxima de casa a explosão ocorreu e eu voltei. Graças a Deus não havia ninguém em casa”, conta o caminhoneiro. No muro e no portão da casa de Ronaldo foi possível avistar mais de cinco marcas de tiros. 

A estudante Iasmim Marques, amiga de Taynna, revela que acordou com a explosão. Ela mora na mesma rua onde fica o presídio. “Quando ouvi aquele barulho muito alto eu achei que era algum carro que bateu no muro. E muitas crianças começaram a gritar. No estádio de futebol ficam muitas crianças”, relata. 

Uma professora que prefere não se identificar afirma que a explosão foi tão forte que as paredes da casa dela tremeram. “Na hora eu não tive muita noção do que era até ouvir disparos e minha vizinha me avisar o que estava acontecendo”, explica. Outra moradora que também não quer se identificar afirma que ficou frente a frente com os bandidos que estavam no carro. “Quando ocorreu a explosão achei que havia sido o transformador de energia. Abri o portão bem na hora em que eles estavam esperando os fugitivos chegarem até o veículo”, relembra.


Presídio tem capacidade para 25 presos e abrigava 87 

Diretor há cinco anos do Presídio de Guapó, Lorivaldo Ferreira afirma que no momento da fuga apenas dois agentes faziam plantão. De acordo com ele, a capacidade da cadeia é de 25 presos, mas abriga 87. E a situação de superlotação já se arrasta há muitos anos. Ele afirma que a juíza da cidade havia interditado parcialmente o presídio por causa do grande número de detentos e da falta de estrutura do local, que recebe presos dos regimes semiaberto e fechado. 


Informações

Lorivaldo acredita que a troca de informações pode ter ocorrido durante as visitas íntimas e sociais que acontecem todas às quintas-feiras. “Não ouvimos nenhum tipo de conversas entre os presos sobre isso. Então, é possível que as informações foram passadas pelas visitas. Mas é preciso concluir as investigações. Ainda está muito superficial”, explica.

O diretor ressalta que uma das táticas de criminosos para jogar drogas por cima do presídio é colocar a substância, por exemplo uma pedra de crack, dentro de uma lâmpada. “Quando a tela de proteção que cobre a grade fica desgastada, parte dela é levada pelo vento e deixa um buraco no teto. Mesmo  que tenha a grade, ainda é possível que uma pedra caia por entre os buracos. A lâmpada explode e é capaz de furar a tela”, pondera Lorivaldo.


Especialista destaca falta de investimento no sistema prisional

 O especialista em segurança pública, Pedro Paulo de Medeiros, afirma que essa é uma situação que demanda maior atenção das autoridades. “É um problema que tem sido relegado a quarto plano e a população que vota não se interessa. Mas hoje percebemos que se as autoridades não se preocuparem com o sistema prisional e cuidar daqueles que estão cumprindo pena o índice de criminalidade tende só a aumentar por que não teremos ressocialização. O índice de reincidência será cada vez maior”, explica.

Conforme Pedro Paulo, o poder público não investe nos presídios e coloca “detentos acima da capacidade que as penitenciárias suportam”. “Se não tem dignidade, o ser humano acaba por ter os instintos animais aflorados por que não quer ser maltratado”, explica o especialista.

Desde que os preceitos de segurança sejam obedecidos não há nenhum problema em construir um presídio em área residencial, conforme Pedro Paulo. “Contudo, sabemos que não são obedecidos. É preciso diminuir os riscos potenciais de uma fuga”, destaca.

Veja Também