Os desafios de tratar uma criança com microcefalia

Dois anos depois dos casos de microcefalia pipocaram no Brasil, mães de crianças portadoras da síndrome aprendem a conviver com o problema com muito amor

Postado em: 16-06-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Dois anos depois dos casos de microcefalia pipocaram no Brasil, mães de crianças portadoras da síndrome aprendem a conviver com o problema com muito amor

Há cerca de dois anos, o Brasil se viu em meio a um dos casos mais desafiadores de saúde pública. O aumento da incidência de casos de microcefalia, registrado em maior proporção na região Nordeste, fez acender um alerta sobre a origem da sua disseminação. Desde então, o Centro de Reabilitação e Readaptação Henrique Santillo (Crer) foi acionado pelo Ministério da Saúde, para contribuir com sua expertise já empregada em outros casos de comprometimento cerebral.

Com isso, a unidade registrou que os atendimentos e terapias focadas na estimulação precoce de pacientes com comprometimento cerebral tiveram aumento de 70%, chegando a ser oferecidos diariamente na unidade, nos dois turnos, matutino e vespertino.

O centro de excelência goiano desde a sua criação, há quase quinze anos, tem se dedicado ao tratamento de pacientes com comprometimentos cerebrais, portanto encontrava-se na vanguarda de certos protocolos que passaram a ser empregados no atendimento dos pacientes com microcefalia.

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A Secretaria de Saúde instituiu um Comitê de acompanhamento dos casos e inseriu dentre seus integrantes representantes do Crer. No boletim da microcefalia produzido pela SES já foram notificados 269 casos em Goiás desde 2015, quando passaram a ser acompanhados de perto pelo poder público.

Segundo explica o médico fisiatra, Maurício Rassi Carneiro, que ocupa a gerência de Reabilitação do Crer, os casos de microcefalia são pré-existentes ao Zica Vírus e podem ser originários de doenças como toxoplasmose, rubéola, sífilis e demais doenças congênitas, contraídas pela mãe durante a gestação. “O Zica Vírus só ampliou a ocorrência da síndrome. Hoje se sabe que 1% das gestantes que contraem Zica Vírus vão desenvolver a microcefalia nos seus filhos. Portanto ter contraído Zica pode ou não levar ao desenvolvimento da microcefalia”, explica Maurício.

Um fator que despertou a atenção dos médicos que lidam com gestantes Zica positivo é que mesmo bebês que nascem sem o crânio reduzido estão demonstrando, em alguns casos, comprometimentos nos campos visual e auditivo. Portanto, criou-se um protocolo de acompanhamento para todas as crianças nascidas de mães que contraíram zica, elas tendo ou não a microcefalia. “Hoje, é obrigatório às gestantes que apresentarem os sintomas da Zica como vermelhidão no corpo associada à coceira, que passem pelo exame que detecta o contágio por zica vírus. Assim, seu bebê automaticamente é encaminhado ao CRER após o nascimento para acompanharmos se ele não apresenta comprometimentos visuais ou auditivos”, explica Maurício.

Um olhar sobre a microcefalia

Conforme explica o fisiatra Maurício Rassi, devido ao crânio pequeno proveniente da microcefalia o cérebro não consegue crescer normalmente. Os casos de microcefalia são observados pontualmente, pois dependem do grau de acometimento de cada um. “Não dá para falar que todos os pacientes terão os mesmos problemas. Cada caso é um novo desafio para nós”, explica. É preciso analisar o tamanho dessa calota craniana, se ela está comprimindo o cérebro, o que pode acarretar em paralisia cerebral, ou demais sequelas. Tudo vai depender do que realmente foi afetado por conta dessa caixa craniana menor.

Diante do desafio de tratar cada um dos pacientes com as suas especificidades, o Crer formou uma equipe multidisciplinar composta por fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e odontólogo, que acompanha diretamente a trajetória desse paciente na unidade. Somado ao trabalho deles estão os neurologistas, fisiatras, otorrinolaringologista e oftalmologista que são acionados para fazerem análises mais pormenorizadas de cada caso, explica o supervisor da fisioterapia ambulatorial do Crer, o fisioterapeuta Rogério de Castro.

Atualmente, 55 crianças com microcefalia são atendidas por essa equipe, que desenvolveu três passos como protocolo de atendimento. Primeiramente, ao chegar à unidade a criança é encaminhada para o Grupo de Atenção Continuada (GAC), que o acolhe imediatamente. “Não temos uma criança na lista de espera por atendimento. Todas que chegam até nós são imediatamente atendidas”, explica Rogério. O GAC acontece por meio de atendimentos quinzenais.

Em seguida, a criança é direcionada à estimulação precoce, onde uma vez por semana recebe atendimento da equipe multidisciplinar. E após um ano ela conquista uma vaga para as terapias individuais, onde passa a ter acompanhamento até duas vezes por semana, de forma particularizada.

Tanto o Crer tem enviado profissionais às unidades de saúde para explicar os protocolos de atendimento adotados, como tem recebido equipes interessadas em conferir in loco como tal atendimento foi sistematizado.

Em outra ponta, o pesquisador Heitor Rosa, gastroenterologista que integra o corpo clínico do Crer tem mapeado os dados coletados sobre a evolução dos pacientes com microcefalia para traçar um estudo que visa mapear sua evolução com as técnicas aplicadas. “Contamos com a expertise do doutor Heitor Rosa que está fazendo a avaliação das crianças antes e depois para medirmos os avanços conquistados”, explica Rogério. 

Atendimentos são individualizados para crianças e familiares 

Além das crianças com microcefalia, o Crer estendeu o atendimento psicológico aos pais responsáveis por aprender a lidar com as dificuldades enfrentadas pelos seus filhos. Amparar a família que sofre diretamente o impacto de criar um filho com comprometimentos cerebrais é fundamental para a evolução do tratamento, concluíram os especialistas envolvidos.

Esse é o caso de Cybele Tomaz de Oliveira, 39 anos, que há sete meses está lidando com a microcefalia, desde que sua filha Marcela nasceu com a síndrome. Mãe também da pequena Ana Luíza, de 4 anos, Cybele se depara pela primeira vez com a criação de um bebê com tal comprometimento. 

Gestação

Quando estava com dois meses de gestação, Cybele contraiu o Zica Vírus e passou a fazer um acompanhamento gestacional pormenorizado desde então. Foi por meio do ultrassom morfológico que ficou constatada a alteração craniana de Marcela, com cinco meses gestacionais. “Você sente medo pelo que sua filha vai passar, como a sociedade vai tratá-la. Portanto, eu iniciei a preparação pela sua chegada desde cedo com a irmãzinha dela”, recorda.

Tal abordagem tem surtido resultados surpreendentes, conta a mãe, que vê nas duas irmãs grandes companheiras. “Ana Luíza me acompanha no Crer e aprendeu a fazer as massagens e estímulos para aplicá-los em casa. Elas realmente se amam incondicionalmente”, conta a mãe, que se emociona ao relatar a receptividade da filha mais velha.

Maternidade

Desde que deixou a maternidade, a pequena Marcela foi encaminhada ao Crer e tem sido acompanhada diretamente. “Sou muito grata a todos da equipe que nos acolheram com tanta dedicação e carinho”, finaliza.

 

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