Quinta-feira, 28 de março de 2024

Vítima que expôs assédio sexual de ginecologista de Anápolis foi processada

Abusada, Yane também foi desacreditada na delegacia

Postado em: 01-10-2021 às 08h45
Por: Redação
Imagem Ilustrando a Notícia: Vítima que expôs assédio sexual de ginecologista de Anápolis foi processada
Abusada, Yane também foi desacreditada na delegacia | Foto: Reprodução

Por Yago Sales

Yane Moreira da Silva, 21 anos, estava no trabalho, em um restaurante de Brasília, quando recebeu uma ligação da mãe no início da noite de quarta-feira (29). Na televisão, a imagem do médico ginecologista Nicodemos Júnior Estanislau Morais, de 41 anos, retomava um episódio traumático para a jovem. Yane é uma das mulheres que acusam o médico de assédio sexual durante consulta médica. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do acusado.

Em entrevista exclusiva ao jornal O Hoje, a jovem relata humilhações para tentar provar os abusos que sofreu, a agonia e traumas que enfrentou até ver o médico condenado por importunação sexual. Ao saber que o profissional continuava atendendo, ela compartilhou um relato nas redes sociais sobre o caso com imagens dele e acabou processada. “Um alívio”, diz ela, sobre a prisão, que ocorreu esta semana, em Anápolis.

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Era tarde do dia 26 de abril de 2018, o primeiro dia de expediente de Nicodemos em uma clínica particular em uma região periférica do Samambaia Sul, Distrito Federal. O valor popular da consulta havia atraído Yane, que tinha 18 anos. Naquele dia, ela retornava para fazer uma ultrassonografia transvaginal com o médico em uma consulta que teria ocorrido durante 30 minutos.

Yane conta que, ao entrar na sala, foi direcionada ao banheiro, onde tirou a roupa. “Quando deitei na maca, ele ficou perguntando se minha vida sexual era ativa. Perguntava se eu fazia pompoarismo [técnica que melhora o prazer sexual], um exercício muscular da vagina”, relata. Ainda deitada, enquanto passava pelo procedimento, a jovem ouviu uma frase que nunca tinha ouvido antes em uma consulta ginecológica. “Se meu namorado me fazia gozar e, caso não, é porque eu não tinha encontrado o homem certo”.

Em seguida, conforme a jovem, o médico a encarou e debochou: “a maioria dos homens é veado e que ele, não, ele era homem”. A entrevista gravada com Yane coincide com depoimentos dados ao juiz do Tribunal de Justiça do Direito do Distrito Federal e dos Territórios, Joel Rodrigues Chaves Neto.

Na mesma consulta, já desconcertada com as falas do ginecologista, a jovem conta que depois que ele retirou o aparelho, fez algo incomum. “Ele colocou a mão dentro de mim. Quando terminou o procedimento, ele parou na minha frente na escadinha da maca e ficou parado. Quando desci, ele veio por trás de mim, me encoxou e colocou a mão na minha vagina. Pedi licença e ele veio me beijar e eu coloquei a mão no peito dele. E ele disse ‘sente aqui, meu coração é só um abraço’”.

A vítima relata que foi à delegacia no mesmo dia. “Lá, ficaram me questionando se eu estava certa, se não tinha me enganado. No IML [Instituto Médico Legal], a médica legista veio me analisar. Quando ela perguntou o nome do médico, ela desistiu de me atender porque conhecia ele. E veio outra médica me analisar”.

Sem ter respostas sobre o processo que moveu contra o ginecologista, diagnosticada com ansiedade após o trauma, a jovem recorreu a uma conta do Facebook para desabafar. No texto, acompanhado de fotos do médico e o local em que ele atendia após ser demitido da clínica onde ocorreram os abusos, ela o chamou de “monstro” e “safado”. “Depois da postagem, várias mulheres entraram em contato comigo contando histórias. Na delegacia, eu falei sobre outras vítimas. Na última vez, a delegada disse que tinha outras vítimas, mas que não quiseram ser ouvidas porque se sentiram coagidas por ele”, relata. Segundo a jovem, durante depoimento à Justiça sobre o caso, ela teria sido pressionada pela advogada do médico. “Me colocando na parede, dizendo que nada daquilo tinha acontecido e que eu estava inventando”.

As pressões depois do episódio não foram isoladas. “ Sempre fui ingênua, não sabia que um médico, durante uma consulta, poderia fazer essas coisas. Várias pessoas falam que eu deveria ter saído, mas por ele ser médico eu pensei que ele soubesse o que estava fazendo. A gente confia no profissional e está ciente de que ele vai fazer a coisa certa”. Depois da consulta pela qual pagou R$ 70, Yane não conseguiu voltar a uma consulta ginecológica. (Especial para O Hoje)

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