Além de inconstitucional, saiba por que cobrar tornozeleira de presos não reduz custo do governo

A OAB, a Defensoria Pública do Estado de Goiás e profissionais de direito já se manifestaram contrários à medida que foi sancionada nesta terça-feira (5/10)

Postado em: 07-10-2021 às 16h17
Por: Carlos Nathan Sampaio
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A OAB, a Defensoria Pública do Estado de Goiás e profissionais de direito já se manifestaram contrários à medida que foi sancionada nesta terça-feira (5/10) | Foto: reprodução

Sancionada na última terça-feira (5/10) pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, a nova lei estadual que determina que os presos terão de pagar pela tornozeleira eletrônica tem sido a polêmica da semana. Há quem se posicione a favor, e quem é contra, como foi o caso da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) e outros profissionais da área de direito, que consideram o ato inconstitucional e que medida é desigual e irá afetar diretamente os detentos mais pobres, que são a maioria do sistema prisional.

Quando sancionou a lei, Caiado defendeu fazer com que os presos paguem pelo equipamento é uma forma de o estado economizar. “Bandido já deu prejuízo demais à população […] Estado gasta uma fábula de dinheiro para manter essas pessoas encarceradas. Bandido já deu prejuízo demais à população […] É inadmissível que essa responsabilidade fique nos ombros da população goiana”, disse o governador.

A discussão, porém, vai muito além da “economia” e do valor em si, cobrado para cada preso que for usar o equipamento. Para o advogado Ygor Muraro, o preso não deveria ser responsável por pagar apenas por que cometeu o crime. “Primeiramente tem todo um debate na criminologia que mostra os estados diretamente responsáveis pela criminalidade. O sistema gera a delinquência, produz deliberadamente a marginalidade e, só aí, já se tem motivos suficientes pra questionar a cobrança material de qualquer coisa dentro do sistema de ressocialização”, diz ele.

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Especificamente sobre as tornozeleiras, o advogado completou que se trata de um mecanismo que deveria ser “excepcional”, ou seja, para casos específicos, mas que hoje virou regra no país inteiro. “Isso acontece por que os governos não tem condições de manter o delinquente sob custódia direta numa instituição prisional pois todas estão lotadas. E estão lotadas única e exclusivamente por culpa do próprio Estado por inúmeros motivos, todos alimentados por ele, então primeiro o estado cria a delinquência com sua negligência, ingerência e corrupção e depois ‘pega’ o delinquente e quer/precisa manter ele sob sua custódia, e isso precisa, legalmente, se dar num ambiente mantido por ele, mas não há mais um ambiente por conta das lotações, usando, então, uma medida totalmente excepcional e, neste caso, cobrando do indivíduo por algo que ele deveria ser obrigado a bancar”, explicou.

Por fim, Ygor reforça que, independente do que foi sancionado, o criminoso não pode ter obrigação de bancar algo que “simplesmente é uma responsabilidade do estado, na qual o estado falha”. “Além disso, os acusados que vão ficar sob custódia com a tornozeleira e serão cobrados por isso geralmente não tem condições de pagar, então como o estado vai cobrar isso? Usando institutos penais, como por exemplo impedindo benefícios penais como liberdade provisória e progressão de regime que não pode ser, por que só união pode legislar sobre isso. Então nesse caso o estado precisaria usar o meio cível pra efetivar essa cobrança. Como? Vão inscrever esses indivíduos na dívida ativa? E aí vão propor ações de execução fiscal na justiça que já tá abarrotada? Isso vai gerar uma demanda imensa por pouco e as pessoas simplesmente não vão pagar”, disse ele, concluindo que isso, na prática, iria “consumir muito mais dinheiro e esforços do Estado por algo que não vai ter o retorno financeiro que se espera e que este tipo de punitivismo sai muito caro pro Estado”.

Sobre a lei

A partir de agora, a nova lei faz com que a cobrança da utilização da tornozeleira seja para qualquer pessoa investigada, acusada, presa ou condenada, com exceção daqueles que são beneficiados com assistência jurídica gratuita. Os presos arcarão com um custo de R$ 245 por mês. De acordo com a Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP), o débito mensal de R$ 245 será repassado aos presidiários. No Estado, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP-GO) aponta que, atualmente 4.602 detentos fazem uso do dispositivo, o que representa um custo anual de R$ 13 milhões para os cofres.

Além disso, para atender a demanda existente hoje, entretanto, são necessárias 10 mil novas tornozeleiras. Para o Estado, a lei sancionada vai reduzir os custos e possibilitar a ampliação da política de monitoração eletrônica em Goiás. “É inadmissível que essa responsabilidade fique nos ombros da população goiana”, frisa o governador ao explicar que há casos em que o custo de manutenção dos detentos chega a ser maior que o valor investido em um educador.

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