Quinta-feira, 28 de março de 2024

Os 88 anos de Goiânia pelos olhos de um centenário nascido e criado na capital

Antônio Chaveiro, o 'seu' Antônio, rememora os primeiros anos da cidade que viu de perto ser erguida e se desenvolver até chegar onde está hoje

Postado em: 24-10-2021 às 08h58
Por: Giovana Andrade
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Antônio Chaveiro, o 'seu' Antônio, rememora os primeiros anos da cidade que viu de perto ser erguida e se desenvolver até chegar onde está hoje. | Fotos: Jota Eurípedes

Cada vez mais próxima do centenário, a cidade de Goiânia comemora, neste domingo (24/10), seu aniversário de 88 anos. Embora a capital ainda não tenha alcançado a marca dos cem anos, a conquista já é realidade para alguns de seus moradores mais antigos, que viram a cidade nascer e acompanharam com olhos atentos seu desenvolvimento. É o caso do goiano Antônio Marques Chaveiro, ou ‘seu’ Antônio, que tinha por volta de doze anos quando a capital começou a ser erguida.

Com seus cem anos e cinco meses, como ele faz questão de destacar, Antônio esbanja lucidez e memórias únicas, relatos que não são encontrados nos documentos oficiais e que dão outra cor à história da cidade, contada por alguém que a viveu de perto e se lembra de cada detalhe. Em conversa com o jornal O Hoje, o centenário narrou sua versão da fundação e do desenvolvimento de Goiânia, enfeitada por ‘causos’ que proporcionam a sensação de que tudo aquilo de fato aconteceu, com pessoas reais que percorreram o longo percurso da passagem dos anos e, hoje, estão vivas para compartilhar memórias que devem ser preservadas.

Os registros oficiais contam que, no dia 24 de outubro de 1933, em um planalto onde atualmente se encontra o Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica, o governador de Goiás, Pedro Ludovico, lançou a pedra fundamental da cidade que viria a se tornar a capital do Estado. Diversas caravanas vindas do interior do estado saíram em direção ao local para prestigiar o evento, uma missa realizada pelo padre Agostinho Foster. Em seguida, foi iniciada a roçagem do local.

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Em sua rememoração, seu Antônio acrescenta informações sobre os primeiros anos da cidade, lembranças que podem até ser consideradas irrelevantes para os livros de história, mas que ajudam a construir uma imagem mais concreta dos cenários daquela época.

“O princípio de Goiânia é muito complicado. Primeiro de tudo foi a exploração do local. Fizeram um mutirão, juntou os fazendeiros todos da região, cada um levou a sua turma com a sua equipe de cozinha pra cada um tratar da sua turma, pra roçar uns duzentos alqueires de área. Os fazendeiros, cada um veio e trouxeram sua equipe, vinte, trinta, quarenta, cinquenta, cem trabalhores. E cada um, quem tratava era o dono da comitiva. O fazendeiro levava a turma pra trabalhar e levava comida pra dar o almoço. Ai na hora do almoço tinha mais de trezentas pessoas, a cozinha era pra todo mundo”, relembra.

A narrativa do centenário também traz revelações, como a origem do nome do setor Jaó. “Depois daquela exploração do local, do terreno, veio a exploração do rio Meia Ponte, lá no local da cachoeira que chamava Jaó, por causa de um corguinho que tinha do outro lado do rio, lá tinha muito jaó, um passarinho nabuco, metade de uma galinha, [sic] brabo pra danar, brabo que é uma coisa esquisita. Aí ficou com o nome de Jaó a vida inteira, do começo, muitos anos atrás”, conta.

Ele também narra que o próximo passo foi distribuir o espaço e construir as casas na área que viria a se tornar a cidade que conhecemos hoje. O processo teve início na região entre a avenida Anhanguera e a Paranaíba. “Bem ali, pra cima uns cem metros, começou a fazer as casas, tudo de tábua. E lá no alto, inventaram lá um negócio, isso foi plano da mulher do governador, separaram uma área e colocou o nome de Vila Nova. Então vinha frota de pessoal da Bahia, de cinquenta famílias, a pé, com os jegues, trazendo os meninos e a muambinha de convivência. Colocaram o nome de Vila Nova, é Vila Nova até hoje”, diz.

Goiânia como conhecemos hoje é fruto de uma expansão que foi muito além do que seus fundadores imaginaram. Conforme decreto de 1933, a região às margens do córrego Botafogo é que foi escolhida para a edificação da nova capital de Goiás. “Goiânia tinha um miolinho ali, do córrego do Botafogo até a avenida Araguaia, da avenida Araguaia pra lá, aqui e acolá tinha uma casa. E imediato cresceu tudo, porque já tava tudo capinado. Foi capinado primeiro avenida Goiás, avenida Anhanguera, Araguaia e a Tocantins. Capinado na enxada, aquela baianada, duzentos baianos capinando na enxada”, relata.

Seu Antônio também se lembra da antiga cidade de Campinas, que posteriormente veio a se tornar parte de Goiânia. “Aí depois foi fazer a estrada de Goiânia pra Campinas. Mas ali no córrego do capim puba, que hoje é o zoológico, já tinha derrubado o mato, e fez a passagem da rua. Era um brejo de muito atoleiro, de modo que ali ficou parado muito tempo. Depois construiu uma estradinha de Goiânia pra Campinas, mas não tinha ônibus pra correr”. Foi então que o governador Pedro Ludovico teve a iniciativa de transformar alguns caminhões em ‘jardineiras’, uma espécie de ônibus improvisado, que possibilitou o transporte entre as duas cidades.

“Então começou a crescer Goiânia, e parou nessa situação que está hoje, essa grande cidade”, diz seu Antônio.

O centenário, nascido e criado em Goiânia, conta que trabalhou em plantações de fumo, ao lado do pai. Mais tarde, explorou o país sobre as rodas de seu caminhão, um sonho a que se dedicou durante anos. Com carinho, compartilha a lembrança de passear pelas ruas da capital goiana ao lado da esposa, Eulália, e dos três filhos, de quem fala com muito orgulho.

Seu Antônio e dona Eulália compartilham mais de sessenta anos de casados

“Eu adoro Goiânia, desde o começo. Eu gosto de tudo aqui, Goiânia me ajudou demais. Eu ganhei dinheiro, graças a Deus. E não tô trabalhando até hoje porque depois que eu passei pra cem anos peguei uma constipação braba demais”, lamenta sem perder o bom humor.

Em cem anos de vida, seu Antônio acumula histórias que não cabem em uma página. A conversa, que durou mais de uma hora, foi interrompida pelo ritmo acelerado imposto pela modernidade, que tomou a cidade com o seu crescimento nesses oitenta e oito anos. A sensação deixada é uma de nostalgia agridoce, pelo tempo que passou e pelos anos que Goiânia ainda há de ter, em que a história continuará sendo escrita tanto pelos mais jovens quanto pelos mais velhos.

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