Goiânia 88 anos: veja os motivos da população para não comemorar o aniversário da capital

O Hoje foi às ruas ouvir o que a população tem para dizer no aniversário da cidade, celebrado neste domingo

Postado em: 23-10-2021 às 09h16
Por: Redação
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O Hoje foi às ruas ouvir o que a população tem para dizer no aniversário da cidade, celebrado neste domingo | Foto: Jota Eurípedes

Por Yago Sales

No aniversário de 88 anos de Goiânia, os problemas de trânsito, na mobilidade urbana, de desemprego, desrespeito ao meio ambiente e obras que parecem não ter fim entristecem a população que afirma não ter muito o que comemorar nesta data. Esta cidade que ostentava simpatia e carisma quando era considerada um modelo de gestão, já foi, em tempos passados, eleita como um dos melhores lugares para se viver no País. O Hoje foi às ruas ouvir o que a população tem para dizer no aniversário da cidade, celebrado neste domingo (24).

A banca de Revistas Itaú é um símbolo resistente da memória de Goiânia na Avenida Goiás, hoje uma via silenciosa, quase só. Ali, desde a década de 80, Ermes Baleeiros, 64 anos, a história em curso da Capital, de Goiás, do Brasil e do mundo foi estendida diariamente por prendedores de metais por meio de capas de jornais.

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Claro, a banca perdeu muito o furor de antigamente, quando os contadores, vendedores, jornalistas e andarilhos perdidos no Centro se espremiam na lateral do estabelecimento para ver qual capa lhes interessava mais. Não bastasse a mudança do padrão de consumo de notícias, cada vez mais causando desinteresse pela leitura impressa, a região sem revitalização, com obras, agravada por uma pandemia, deixa Ermes preocupado.

Para conseguir pagar os R$ 4 mil de licença anualmente e o salário ao Fernando – um jovem que auxilia no atendimento que vai muito além da vendagem de jornais e revistas. “Leve a Piauí”, oferece uma revista com textos que levam horas para terminar. “Está mais barato que o quilo de carne”, ironiza.

“Quando chegamos aqui, o Centro era o point. Agora está assim, sem nada. Sem ônibus, sem clientes”, lamenta, enquanto posa para uma fotografia que pouco ou nada lembra os tempos em que a vida era um movimento na capital da cidade que completa 88 anos com goianienses – de nascimento e de coração – infelizes e, com muito esforço pessoal, esperançosos.

É o caso do retratista Marcos José de Jesus, de 51 anos. Com uma câmera, viu pela lente a esperança de muita gente que encostava em seu estúdio na calçada do início da avenida Araguaia para deixar-se fotografar, anexar ao currículo e tentar uma vaga num Centro que empregava. “Tinha seleção de emprego todo dia. Hoje, nada”, diz ele, contando que fatura R$ 1.500 por mês. “Antes eu cobrava R$ 20, por oitos fotos 3×4. Hoje eu, às vezes, cobro R$ 10”. Ele comenta, constrangido, que não sabe como fazer com o fim do Auxílio Emergencial. “Tanto eu quanto as pessoas que veem aqui dependem desse dinheiro para viver”.

Uma caminhada pelas ruas do Centro, em meio à poeira e interdições, um homem em situação de rua parece cochilar encostado na entrada no Grande Hotel. Na Anhanguera, os idiomas se misturam com a concorrência pela venda de tênis, camisas e incensos.

Lorraine Bernardes, de 17 anos, olhava meio distraída para uma das portas fechadas de uma loja que não conseguiu se recuperar da crise financeira na Avenida Goiás. “Sou goianiense, sim. Nasci no Jardim Vila Boa, onde cresci e estou terminando o Ensino Médio, no terceiro ano”. Falante e sorridente, diz que 88 anos é muito pouco, mas que acredita que a cidade poderia ter um ar mais jovem. “Falta opção de lazer para dar mais sentido para nossas vidas. Eu, por exemplo, gostava de participar dos eventos aqui. Hoje não tem mais nada”, reclama ela.

A jovem, embora não tenha vivido nada da efervescência da Capital do século passado, parece preocupada com a história da cidade. “Acho a cidade linda, mas acredito que poderia ser mais valorizada. Gostaria de ter aqui uma vida com qualidade”, diz ela, que está em dúvida em estudar Estética ou História. “E, claro, estudaria a nossa história”, garante ela.

Um toco de árvore lembra o extermínio em nome do desenvolvimento de uma cidade que, poucos meses atrás, discutia-se, como se tornar uma cidade inteligente. A prefeitura, atualmente sob a gestão de Rogério Cruz (Republicanos), anunciou que vai construir mais viadutos e pontes. Para Erika Cristine Kneib, doutora e especialista em mobilidade urbana, se opõe ao que ela classifica como presente grego à cidade. “Goiânia mereceria como presente um anúncio de mais ciclovias, da melhoria do transporte público, com mais corredores de ônibus. Tem que parar de favorecer automóveis e enxergar as pessoas. O viaduto não melhora a mobilidade. É o caminho mais rápido para chegar a outro ponto de congestionamento. A tendência de privilegiar o carro é muito negativo”, explica ela.

Goiânia, pela ótica urbanística, nasceu a partir de um desenho muito eficaz, nos traços do urbanista Atílio Correia Lima, para ser um modelo de cidade planejada construída para “um mundo novo”. Para Paulo Renato Alves, arquiteto e urbanista, esse plano logo se mostrou saturado, com o rápido e desenfreado crescimento e, em menos de cinco décadas já apresentava os mesmos problemas urbanos das grandes metrópoles, como trânsito caótico e a população despejada para a periferia. “Hoje, com a elaboração de planos diretores pensados a longo prazo, podemos ver o rearranjo da cidade de forma clara, principalmente no que diz respeito ao estímulo em se construir uma cidade compacta, com centralidades bem definidas e se desenvolvendo em volta dos eixos de transporte público”.

Para ele, resta agora, ver o patamar de cidade inteligente. “Que nossos gestores ponham em prática tudo que foi planejado, não só criando leis de uso e ocupação do solo, mas tirando do papel essas propostas para dar ao cidadão goianiense uma Capital não só das flores, mas também da igualdade, uma Goiânia urbanisticamente democrática”, diz.

Muitas invasões

Autor de livros importantes sobre a Capital, o jornalista Hélio Rocha, de 81 anos, lembra que Atílio Correia Lima pensou numa cidade humana. Com o tempo, diz o escritor, o desenvolvimento cresceu e o humanismo não chegou a ser satisfatório. “A cidade tem muita miséria. Casebres, invasões. Nunca têm condições humanas. As famílias sofrem muito”.

Outro destaque para Hélio Rocha é a derrubada da área verde e de prédios históricos. “É preciso implementar um plano diretor importante, responsável, que valorize o verde da nossa cidade que, ainda, embeleza a Capital”. Ele espera que o prefeito Rogério Cruz entenda o recado: “Mande para a Câmara, que tem legislado em causa própria, leis que contribuam para um município que traga luz à vida das pessoas”. (Especial para O Hoje)

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