Entenda como canalização de cursos d’água prejudica trajeto de rios urbanos em Goiânia

Caminhos das águas em meio a cidade é agonizante em meio ao concreto, dizem especialistas

Postado em: 05-11-2021 às 08h30
Por: Redação
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Caminhos das águas em meio a cidade é agonizante em meio ao concreto, dizem especialistas | Foto: Jota Eurípedes

Por Alzenar Abreu

Dados históricos, mas sem mapeamento, mostram que no início da construção da Capital, a cidade contava com 80 nascentes e 85 cursos d’água. Desses, muitos já secaram e outros foram canalizados, ou seja, tiveram o rumo desviado por estruturas de engenharia, caso da Marginal Botafogo, que sem a devida fiscalização, podem trazer danos ao meio ambiente e às pessoas como enchentes, desbarrancamentos de solo, afundamento, erosões e o desaparecimento das fontes de água.

A engenheira e urbanista Maria Ester de Souza, presidente da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente de Goiás (ARCA), diz que desde a fundação de Goiânia, o caminho das águas que cortavam a Capital foi desrespeitado. “Nunca levaram em conta que para construir qualquer pavimentação ou edificação em uma cidade é preciso respeitar o recuo de 100 metros do curso da água”, diz.

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Levantamento realizado pela doutora em Geografia, Karla Maria Silva de Faria, professora do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra as consequências de não planejar a cidade com o aproveitamento dos cursos d’água. Ela é pesquisadora de análises geoecológicas (ciência que estuda os sistemas naturais e seus impactos ambientais pelos seres humanos) em bacias hidrográficas e do Cerrado.

Karla explica que com a construção de Goiânia, os canais de drenagem característicos de córregos temporários encontrados pelo caminho foram sendo canalizados em manilhas e inseridos na galeria pluvial da cidade. Alguns córregos que minavam água sempre foram enterrados sob o asfalto, como é o caso do Córrego dos Buritis, que nasce no Clube dos Oficiais da Polícia Militar, no Setor Sul, corre três quilômetros sob as avenidas 87 e 85, e retorna à superfície ao lado da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás. Os córregos Santa Helena e Padre Souza tiveram o mesmo destino.

Afundamento do solo 

Com o crescimento urbano desordenado esse processo é comum. Ou seja, as construções em primeiro lugar e os fluxos d´água podem ser desviados via engenharia. Esse procedimento é muito comum em diversas cidades brasileiras que sofrem com enchentes devastadoras, soterramento e erosões gigantescas. Aliado à impermeabilização do solo, o desmatamento das matas ciliares, a erosão e assoreamento dos rios, a mudança da dinâmica hídrica sob a cidade pode provocar mudanças no solo. O processo de subsidência e colapso do solo são fenômenos que já podem ser percebidos em pontos de Goiânia; bem como enchentes no período das chuvas.

A subsidência (afundamento do solo) apontado por Karla e visualizado pela urbanista Maria Ester, pode ser definido como o movimento lento de afundamento de terrenos devido às construções em cima das fontes de água e nascentes. A exemplo do entorno do Lago das Rosas, Setor Oeste, já com deformação do solo e deslocamento vertical de construções e no setor Itatiaia. Com a urbanização da área gerou-se condições artificiais do escoamento da água. As chuvas se concentram no ponto mais baixo do bairro, na Avenida Planície, com processo erosivo nas galerias pluviais próximas à rodovia.

Fiscalização

De acordo com Karla, o solo da cidade está há 40 anos sem receber água diretamente, pois tudo foi impermeabilizado por asfalto e concreto. Ela diz que o correto é que o poder público monitore e fiscalize todos os poços de infiltração, bem como os impactos. A professora afirma que a Universidade tenta estudar o que está acontecendo sob Goiânia, mas que o poder maior está nas mãos dos gestores que têm condições de monitorar se as leis ambientais são realmente aplicadas em áreas privadas e qual é o resultado dessas ações.

“Temos ótimos profissionais em nossas agências ambientais do Estado e da prefeitura. Mas as pesquisas deles não são levadas em conta. São pessoas que merecem honra. Porém, quem tem a caneta na mão para decidir não respeita o trabalho deles para edificar em equilíbrio com o meio ambiente. Não considera. Digo, essa displicência ocorre desde a década de 70 até os dias de hoje”, pontua a urbanista Maria Ester.

Com o problema instalado, Maria Ester aponta algumas soluções para minimizar os prejuízos causados e não acrescentar outros como usar pisos drenantes ao invés de asfalto, criar bacias de drenagem, em pontos, que podem acumular água das chuvas e ‘se não houver um projeto de descanalização das nascentes ou rios, todo ano precisa ser revistada qualquer rachadura, infiltração, ou indício de afundamento’.

Todos os mananciais possuem alguma degradação

Goiânia possui 85 mananciais catalogados pela Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA). São apenas dois rios no município: Rio Meia Ponte e o Rio Dourados, este catalogado, recentemente como ribeirão. A cidade conta com três ribeirões: João Leite, Capivara e Anicuns. Sendo que apenas o ribeirão Anicuns possui suas nascentes dentro do município de Goiânia. Tem 80 córregos, dentre os principais destacam-se o Cascavel, Botafogo, Macambira e Caveirinha.

Todos esses 85 mananciais possuem algum tipo de degradação, com variados níveis de gravidade. Dentre os problemas pode-se destacar a ausência de mata ciliar em diversos pontos, ocupação irregular dos fundos de vale, poluição por resíduos sólidos ou esgotos, assoreamento, erosão, entre outros.

O crescimento desordenado do município e a ausência de planejamento e políticas específicas para a proteção dos mananciais tem levado à sua degradação completa. Citando o caso do ribeirão Santo Antônio, por exemplo, no ano de 2016 uma de suas principais nascentes, na Serra das Areias, secou completamente no período de estiagem, algo que não acontecia. Sem contar algumas de suas nascentes que se extinguiram para sempre devido a criação de bairros em suas áreas de recarga.

Segundo a AMMA, o entubamento ou a canalização de córregos é normal em qualquer cidade. “A menos que o município fosse criado como Veneza – cidade turística na Itália, onde as ruas são as águas que o cortam”, disse a Agência, por meio de nota. Veneza, inclusive, foi uma cidade citada pela urbanista Maria Ester de Souza como modelo. “E lá, não temos notícias de desmoronamentos, alagamentos e assoreamentos que causem tantos impactos e perigos para as pessoas”, salientou. 

Na versão de Maria Ester, é possível agregar a modernidade, com a construção de edificações em consenso com o meio ambiente. “Não que Goiânia precisasse ser uma Veneza. Mas, obras de grande impacto ao meio ambiente poderiam ser revistas com avaliação das equipes do meio ambiente, porque existem projeções técnicas para isso. Mas o que vale é o interesse do poder público”, conclui.

Exemplos desses impactos foram levantados pela urbanista, como é o caso dos empreendimentos imobiliários ao redor do Parque Flamboyant. No caso deste bairro, o mais grave é que as garagens dos edifícios encontram o lençol freático e a água invade a área dos prédios. O que as pessoas veem escorrendo nas ruas não são águas de esvaziamento de piscinas. São águas bombeadas por motores a diesel para o parque próximo. Em 2019, verificou-se que órgãos ambientais desconheciam o nível dos lençóis freáticos sob a cidade e a qualidade das águas. Desde então a situação é a mesma. (Especial para O Hoje)

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