Sertanejo: o sentimento goiano cantado em grandes vozes como a de Marília Mendonça

A cantora marca presença com sua voz e talento para compor e, com isso, conquistou os maiores sucessos de streaming no país

Postado em: 07-11-2021 às 12h05
Por: Augusto Sobrinho
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A cantora marca presença com sua voz e talento para compor e, com isso, conquistou os maiores sucessos de streaming no país | Foto: Reprodução

Quem consegue contar quantas vezes fez aquele churrasco, com cerveja “estupidamente” gelada e a família toda reunida ouvindo uma boa moda de viola? O goiano não consegue, com certeza, pois é quase todo final de semana que festejamos assim. Tornou-se algo tão natural que faz parte do nosso corpo, alma e espírito. O churrasco trazido pela economia pecuarista e a música sertaneja estão inscritos no nosso DNA, na nossa história, nas nossas relações humanas e, principalmente, na forma como encaramos a vida.

“O pertencimento em termos musicais na Cidade de Goiás, até o início do século XX, era outra coisa. Era marcado pelas pastorinhas e pelas marchinhas, não existia nada de caipira. A música caipira é uma importação recente em Goiás, a partir dos anos 1940 e 1950. Mas se adaptou muito bem ao clima goiano. A música e a culinária são as linguagens mais fortes para formação da memória social e coletiva”, destaca o mestre em música pela Universitaet Mozarteum, MOZ, na Áustria, e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Wolney Alfredo Arruda Unes.

A música tem o poder da sinestesia, ou seja, evocar lembranças, resgatar sentimentos e despertar emoções. “É ouvir uma música para lembrar daquela namorada ou namorado da juventude, então, dá  saudade deles”, exemplifica. A audição anda ao lado do olfato e do paladar nessa capacidade de provocar a sinestesia. Esta sensação é explicada pelo médico neurologista, músico e compositor Mauro Muszkat, no artigo “Música e Neurodesenvolvimento: em busca de uma poética musical inclusiva”, publicado na Revista Literartes, da Universidade de São Paulo (USP), como o “dançar conforme a música”.

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Segundo ele, a nossa frequência respiratória e nossos ritmos elétricos cerebrais são alterados pelo ritmo e pela melodia que estamos escutando. Se for assim, o coração goiano toca no ritmo de um violão bem afinado. O neuropediatra, formado pela Faculdade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, explica que a música pode ser uma ferramenta importante para tratar déficit de atenção, dislexia, autismo, depressão, esquizofrenia e outras disfunções cerebrais. Ele ainda destaca que o uso da música no contexto clínico de tratamento, reabilitação ou prevenção de saúde e bem-estar é bastante eficaz e empregado há anos.

Não podemos calcular o número de estímulos musicais que recebemos diariamente. Entretanto, devemos reconhecer os benefícios que a música traz para nossa saúde, como, por exemplo, alívio de dores e até mesmo para a memória. Pois quem não tem aquela música de infância da qual sabe a letra completa até hoje ou aquele modão que faz lembrar de casa, da avó e dos pais!?

“A música, aparentemente, não tem ligação direta com a vida humana em sociedade, no entanto, está presente em todas as sociedades. Isso a torna uma característica universal da cultura. Por ela não estar ligada à sobrevivência, isso a torna mais espetacular, pois demonstra a força e importância da música para a cultura. A música tem uma função importante para a memória humana”, salienta Wolney.

A música está presente todos os dias da nossa vida, desde a canção de ninar até o noticiário que assistimos quando adultos. Ela deixou os palcos, visitou as rádios e hoje nos acompanha por todos os lugares através dos serviços de streaming presentes nos smartphones. Segundo a pesquisa “Consumo de música no Brasil”, desenvolvida pela Opinion Box, 80% dos brasileiros escutam música todos os dias e utilizam, principalmente, o Youtube Premium (49%), Spotify (41%) e Google Play (35%).

“Os estilos musicais preferidos são o pop, o sertanejo e a Música Popular Brasileira (MPB), todos com quase 50% de aprovação entre os consumidores nacionais”, aponta o estudo. Sim, o sertanejo está em segundo lugar. Para a nossa alegria, esse ritmo musical tão goiano é o favorito dos brasileiros em relação aos demais gêneros nacionais, como funk, choro, samba, forró, entre outros.

São goianos os maiores representantes do sertanejo raiz, do universitário e do feminino, este último estourando desde 2016. Vamos começar com “É o amor”, de Zezé Di Camargo e Luciano. Ambos são naturais de Pirenópolis, em Goiás. Esta música sertaneja é motivo de orgulho para os goianos, pois não dá para negar que sem ela “tudo é saudade”, seja da roça da família ou daquela paixão ardente da juventude. Os goianos viram a dupla crescer e levar toda nossa goianidade para o mundo.

Se quiser artistas mais recentes, temos a dupla Jorge & Mateus. Eles, que são naturais de Itumbiara, nos representaram no início do milênio. A dupla foi formada em 2006 e lançou seu primeiro álbum em 2007, chamado, nada mais nada menos, que “Ao Vivo em Goiânia”. Os sertanejos estouraram nas rádios com “Amo noite e dia” e “Aí já era”, mas é com “Goiânia Me Espera” que eles cantam a “homogeneidade cultural”, mencionada pelo professor Wolney. O sucesso dessa canção se dá pela representação do caminho da música de viola no Brasil Central.

Com várias duplas de sucesso, Goiás consolidou a fama de ser o “berço do sertanejo”. Outros nomes, como Amado Batista, Bruno & Marrone e Israel & Rodolffo contribuíram para dar esse reconhecimento ao nosso Estado. Mas muito além disso, esses nomes asseguraram que as próximas gerações do sertanejo continuem vindo de Goiás. Essas duplas ajudam os iniciantes a trilharem seu sucesso na música.

Este foi o caso do cantor Cristiano Araújo, que era natural de Goiânia. Ele foi um dos principais nomes de uma nova geração para o sertanejo. Junto com outros, Cristiano marcou o início do Sertanejo Universitário, que tem um compasso mais rápido e com uma maior valorização dos sons acústicos. Apesar da morte prematura em 2015, sua carreira gerou grandes sucessos, como “Você mudou” e “É com ela que eu estou”. É um estilo não muito diferente do sofrimento que o sertanejo raiz trazia, mas com uma pegada menos rural, pois Goiás se desenvolveu e deu espaço aos universitários/jovens.

O Estado seguiu esse ritmo de dar espaço a tantos talentos, pois a partir de 2016 a onda das mulheres chegou ao sertanejo. Goiânia é uma capital de maioria feminina, pois 51,8% da sua população de mais de 1,5 milhão de pessoas são compostos por mulheres, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), de 2019. Há mais mulheres do que homens por aqui, portanto, já era hora de elas bombarem nas rádios.

O empoderamento feminino trouxe grandes vozes para o sertanejo. As mulheres chegaram e tomaram seu lugar com músicas que falavam sobre elas. A partir daí, começaram a cantar seu lado e suas vivências, com direito a muitas histórias de amor, traição e sofrência sertaneja. Este é o caso da cristianopolina Marília Mendonça, que infelizmente faleceu na tarde da última sexta-feira (05/11) em um trágico acidente de avião em Piedade de Caratinga, no interior de Minas Gerais. A cantora marca presença com sua voz e talento para compor e, com isso, conquistou os maiores sucessos de streaming no país.            

A música é forte na identidade cultural goiana. De acordo com Wolney Unes, os cantores goianos estão tornando o sertanejo universal. “Aquele sertanejo raiz, que falava do Cerrado, da comida e coisas locais passou a cantar sobre sentimentos, sobre os amores. Os temas não precisam ser locais, mas universais, como a sensação de um banho de chuva”, afirma. Isso pode representar uma perda da representatividade goiana, mas também a valorização de nossos talentos locais, que estão alcançando carreiras internacionais.

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