76% dos hospitais não têm condições de atender casos de AVC

A percepção da maior parte dos médicos entrevistados aponta que as unidades públicas de saúde nem sempre estão preparadas para receber de forma adequada um paciente com sintomas do AVC

Postado em: 31-07-2017 às 08h30
Por: Thais Tomás
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A percepção da maior parte dos médicos entrevistados aponta que as unidades públicas de saúde nem sempre estão preparadas para receber de forma adequada um paciente com sintomas do AVC

Uma pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM) com
médicos neurologistas e neurocirurgiões de todo o Brasil indica que 76% dos
hospitais públicos onde eles trabalham não apresentam condições adequadas para
atender casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Apenas 3% dos serviços
avaliados pelos médicos têm estrutura classificada como muito adequada e 21%
como adequada, de acordo com estudo divulgado hoje (31).

O CFM ouviu 501 médicos que trabalham em serviços de
urgência e emergência de unidades de saúde pública de todo o país. Eles
responderam a um questionário sobre a situação do atendimento a pacientes com
AVC, considerando critérios como o acesso exames de imagem em até 15 minutos,
disponibilidade de leitos e medicamentos específicos, triagem dos pacientes
identificados com AVC de forma imediata, capacidade numérica e técnica da
equipe médica especializada e  qualidade das instalações disponíveis, entre
outros pontos baseados em parâmetros internacionais e nacionais de atendimento
ao AVC.

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A percepção da maior parte dos médicos entrevistados aponta
que as unidades públicas de saúde nem sempre estão preparadas para receber de
forma adequada um paciente com sintomas do AVC, apesar de ser uma doença grave
que está entre as principais causas de morte em todo o mundo.

“Nós fomos atrás dessa percepção em virtude do Acidente
Vascular Cerebral ser a segunda principal causa de morte no Brasil, um dado
epidemiológico. E é a principal causa de incapacidade no mundo e no Brasil,
gerando inúmeras internações”, disse Hideraldo Cabeça, neurologista responsável
pela pesquisa e coordenador da Câmara Técnica de Neurologia e Neurocirurgia do
CFM.

Infraestrutura de atendimento é inadequada

Segundo a pesquisa, a infraestrutura de atendimento a AVC é
inadequada em 37% dos serviços e pouco adequada em 39%, totalizando 76% de
serviços que não se enquadram totalmente nos protocolos de atenção ao AVC
estabelecidos pelo Ministério da Saúde.

Entre os itens essenciais que não estão disponíveis em mais
da metade das unidades de saúde figura a tomografia em até 15 minutos e o
acesso ao medicamento trombolítico, usado para dissolver o sangue coagulado nas
veias do cérebro.

“Você não ter o uso do trombolítico em 100% dos serviços é
um problema sério. Se o mesmo indivíduo chegar em locais diferentes, em um
ponto ele vai ter atendimento próximo daquele que é recomendado e em outro
local, não. E se tem o trombolítico, tem local pra fazer? Ele vai fazer na maca
ou de forma respeitosa em um leito apropriado?”, questionou o neurologista.

A pesquisa aponta ainda que em 66,4% das unidades não havia
apoio adequado do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). E em 87,9%
dos hospitais não havia número suficiente de leitos para a demanda de AVC.

“Nosso objetivo é atender rápido e trazer menos prejuízos.
Quanto menor o tempo de atendimento, maior a chance de menor sequela. Se você
atende em um curto tempo, você aumenta a chance de benefício e recuperação desse
indivíduo e seu retorno à sociedade” afirmou Hideraldo.

A rapidez no atendimento fez a diferença para a recuperação
do treinador de futebol Ricardo Gomes. O então técnico do Vasco da Gama sofreu
um AVC hemorrágico em 2011 na beira do campo, em um jogo contra o Flamengo. Ele
foi prontamente atendido.

Seis anos após o acidente, Gomes ainda faz reabilitação para
amenizar as sequelas, mas retomou sua rotina de trabalho. O caso do técnico é
lembrado em campanhas de conscientização promovidas pela Sociedade Brasileira
de Doenças Cerebrovasculares e outras associações médicas.

Mortes e sequelas

Conhecido popularmente como derrame ou trombose, o AVC ocupa
o segundo lugar no ranking de enfermidades que mais causam óbitos no Brasil,
atrás apenas das doenças cardiovasculares. Segundo o Ministério da Saúde, em
2014, último ano em que há dados disponíveis, morreram no país mais de 99 mil
pessoas.

Os estados da região Norte são os que apresentam a maior
incidência da mortalidade por AVC no país. Só no Amapá, de 2008 a 2014 houve
aumento de 89,7% no número de mortes por AVC.

No ano passado, quase 177 mil pessoas foram internadas para
tratamento de AVC no Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país. Quase 30 mil
pacientes tiveram alta da internação por óbito. Se a tendência registrada até
2014 permanecer, a mortalidade poderá atingir novamente este ano o equivalente
a mais da metade dos pacientes que passaram pelo SUS.

O AVC também é a primeira causa de incapacidade funcional no
país e no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O paciente
atingido pelo AVC pode ficar com sequelas como dificuldade para se locomover,
falar, sofrer paralisia em um dos lados do corpo e perda de algumas funções
neurológicas, entre outras.

Existem dois tipos de AVC, o hemorrágico, em que ocorre
rompimento de artérias e sangramento no cérebro e o isquêmico, tipo mais
frequente que representa 80% dos casos e é caracterizado pelo entupimento das
artérias por um coágulo.

De acordo com os especialistas, a diferenciação imediata
pelo médico entre um tipo e outro de AVC é determinante no sucesso do
tratamento e na reversão de possíveis sequelas. A identificação na maioria das
vezes é possível por meio do exame de tomografia ou pela ressonância magnética,
dependendo do caso.

Capacitação

A disponibilidade de recursos humanos também foi considerada
como inadequada (28%) ou pouco adequada (44%) em 72% dos hospitais onde atuam
os especialistas que foram alvo da pesquisa. Os médicos entrevistados relataram
que, em 69,6% dos serviços, não há equipes médicas em quantidade suficiente
para atender os pacientes e que, em quase 50% dos serviços, não há oferta de
treinamento para a equipe médica e multidisciplinar.

“É fundamental que neurologistas sejam capacitados para
atender AVC. Existem no Brasil de 6 a 8 programas de especialização do
neurologista em AVC, mas isso ainda é pouco diante do desafio que a doença
requer. Outro ponto é a carência de recursos para pesquisa científica em AVC. A
gente precisa testar os remédios que estão disponíveis no país, que são
diferentes muitas vezes dos remédios usados lá fora. E precisa de pesquisas
mais voltadas para a realidade nacional”, explica Octávio Marques Pontes Neto,
presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV).

Entre os poucos serviços que foram avaliados na pesquisa do
CFM como muito adequados no país, está o do Hospital das Clínicas (HC), da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (SP). A
capacitação dos profissionais e o tratamento do AVC como prioridade estão entre
os motivos para a região atendida pelo hospital ter índices mais baixos de
morte pela doença.

“A Organização Mundial da Saúde recomenda que – da porta do
hospital até o início do tratamento trombolítico – o atendimento seja feito em
no máximo 60 minutos. A gente conseguiu aqui no HC baixar esse tempo médio pra
29 minutos. É um hospital público, com todas as dificuldades, tem leito no
corredor, mas a gente estruturou o atendimento, organizou e treinou todo
mundo”, explicou Marques, que também é professor e chefe do Departamento de
Neurologia Vascular do HC.

A cidade ainda conta com uma rede de atenção à urgência e
regulação médica estruturada desde 2000, o que garante a rapidez do
atendimento. “O paciente de AVC não pode ir de carro para o hospital, ele tem
que ser orientado a ligar para o 192, porque o Samu já sabe qual o hospital
naquela região que atende AVC e pode pré notificar o hospital”, explica
Marques.

O hospital supera também os índices de oferta do medicamento
trombolítico. Enquanto no Brasil estima-se que de 1,5% a 2% dos pacientes com
AVC recebem o medicamento, na regional atendida pelo HC de Ribeirão Preto, em
torno de 6 a 8% dos pacientes tem acesso ao tratamento.

Linha de cuidado

Em 2012, o Ministério da Saúde instituiu a Linha do Cuidado
do AVC para a  Rede de Atenção às Urgências e Emergências. Por meio da
portaria 665, foi criado um manual de rotinas com orientações e critérios de
atendimento ao AVC.

Desde o lançamento da linha de cuidado, o Ministério da
Saúde credenciou 51 unidades no país como habilitadas para atender casos de
AVC. Contudo, o presidente da SBDC alerta que seriam necessários pelo menos 200
unidades credenciadas em todo o território brasileiro por conta da 
dimensão do país.

“A estimativa da Organização Mundial de Combate ao AVC
(World Stroke Organization) é de que, para cada 100 mil habitantes, precisaria
de pelo menos 5 mil leitos. A unidade AVC é a principal intervenção na redução
de mortalidade e incapacidade por AVC”, explicou o médico.

Prevenção

O Conselho Federal de Medicina vai compartilhar os
resultados da pesquisa com os conselhos regionais, que encaminharão o documento
às secretarias de saúde estaduais e municipais. O objetivo é alertar os
gestores locais para que melhorem a estrutura de atendimento a fim de reduzir o
número epidêmico de óbitos e pessoas incapacitadas.

“AVC tem tratamento, mas é uma emergência médica, o tratamento é extremamente
efetivo, mas se for dado nas primeiras horas. Depois de 24 horas não tem mais o
que fazer, na verdade é tratar a sequela e evitar complicação”, afirma Marques.

Além de recomendar a melhora na gestão do serviço de
emergência e a ampliação das unidades credenciadas, com a incorporação de novas
tecnologias, os especialistas ressaltam que a conduta dos pacientes também tem
impacto na prevenção dos casos de AVC.

Os médicos alertam que é necessário fazer controle periódico
de fatores de risco como a hipertensão, o diabetes, o tabagismo, obesidade,
colesterol alto e o sedentarismo. Segundo os neurologistas, entre 80 e 90% dos
casos de internação e até de morte por AVC podem ser evitados se houver
melhoria na estrutura do atendimento e se o paciente adotar hábitos saudáveis.
Eles lembram ainda que, apesar de ser mais recorrente entre os idosos, a doença
pode atingir pessoas em qualquer idade, até recém-nascido. 

Agência Brasil

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