Mulheres denunciam assédio de pastor da Assembleia de Deus

Além de ser dirigente na Vila João Braz por 20 anos, pastor era o 3° vice-presidente da sede

Postado em: 27-11-2021 às 07h52
Por: Redação
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Além de ser dirigente na Vila João Braz por 20 anos, pastor era o 3° vice-presidente da sede.

Por Victoria Lacerda e Yago Sales

No pomposo prédio da Avenida Belém, na Vila João Vaz, bairro da periferia de Goiânia, todos os domingos, durante 20 anos, sermões, leituras bíblicas e cânticos eram coordenados pelo pastor Elce Alves Damasceno, da Assembleia de Deus Ministério Jardim América, de Goiânia. Além de ser o principal nome da congregação, ele tinha prestígio entre os principais pastores goianos com o cargo de 3° mais poderoso do Ministério. Fora do púlpito, no entanto, o pastor se transformava. O jornal O Hoje conversou com ao menos cinco mulheres que sofreram algum tipo de assédio do pastor nos 20 anos em que ele esteve à frente da igreja, até deixar o cargo, no último mês de março.

Por trás da palavra de fé e esperança, no entanto, mulheres contam que eram perseguidas dentro e fora da igreja. Com medo e vergonha, optam por não dizer o nome. Outras confirmam os assédios, mas dão o caso por encerrado muito por medo de serem desacreditadas. “Agora está nas mãos de Deus”, diz uma delas, que desencadeou as denúncias. Ela não quis dar detalhes. Outras começaram a falar, mas logo desistiram. “Meu marido não pode saber”, disse outra.

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Não é difícil compreender o temor das mulheres. No dia 23 de fevereiro de 2021 houve uma reunião na igreja com a maioria dos líderes da sede e parte das vítimas. Quem não pode ir, enviou cartas com relatos de como o pastor as perseguiu por meio de ligações e mensagens com fotos de sua genitália.

A costureira Margarida, como vamos tratá-la, tem 53 anos. Ela contou ao jornal que estava em um retiro espiritual dentro da igreja – que durou três dias – em 2019 quando o pastor tentou beijá-la à força. Ela estava na cozinha da igreja quando o pastor entrou no local e a segurou pelos braços. Na tentativa de escapar, ela machucou a boca.

Após quase um mês em negociação para conceder entrevista, Margarida encontrou-se com a reportagem dentro de um carro, numa rua do Jardim América. Ela, que antes dos assédios tinha 64 quilos, agora com 43, diz que conta o episódio para encorajar outras mulheres. Trêmula ao falar sobre o caso depois de meses de tratamento contínuos com antidepressivos em silêncio, ela denuncia que recebeu fotos e vídeos das partes íntimas do pastor, mensagens dizendo que somente o “ato de penetração era pecado” e até ameaças. Com medo, ela apagava todo o conteúdo.

Às vezes Margarida respondia. “O senhor deveria ser um exemplo para a comunidade, isso é errado. O senhor é o pastor e nós suas ovelhas, até mesmo olhar para outra pessoa já é considerado um pecado. Eu não quero nada com o senhor”, conta. Com os abusos, Margarida pensou que a vida havia acabado. “Sei que nossas vidas são sagradas, mas eu não sentia vontade de fazer nada, só de morrer”, relatou chorando.

Marcas para o resto da vida

Com os traumas enfrentados na rotina da igreja, onde adquiriu problemas emocionais e psiquiátricos, ela decidiu sair da igreja. Ninguém entendia, nem o marido. Vítimas de abusos sexuais dentro de qualquer igreja, seja ela qual for, ficam com marcas e cicatrizes para o resto da vida. Muitas vezes elas convivem caladas com a dor por medo do julgamento alheio ou julgamentos até mesmo dentro de casa e da instituição religiosa e por seus familiares ou parceiros.

Quando o caso foi exposto à igreja, Margarida decidiu contar tudo ao marido. “Eu pensei que tinha sido a única, por isso sempre vivi com medo do que poderia acontecer. Era a minha palavra contra a dele e ele é grande, importante lá dentro da igreja. Eu era só uma ‘ovelha’. Foi nesse momento que a família dele saiu daqui de Goiânia”. Depois que o caso veio à tona, o pastor, segundo apurou a reportagem, foi embora para o Espírito Santo. “O meu medo é ele continuar fazendo isso com mulheres de lá, às vezes até criança”.

A avó de Marlene – que também teve o nome trocado – sempre a levava aos cultos da igreja na infância. Na vida adulta, o luto por um filho e dificuldades no casamento a aproximaram do pastor Elce e da chance de ter ajuda espiritual para lidar com as dificuldades da vida. “Ele nos ajudava, mas depois passou a fazer perguntas de cunho sexual”. Aos 35 anos, com um cargo de liderança na igreja, Marlene conta que passou a ser perseguida pelo pastor. “ Ele me vigiava 24 horas, até dentro da igreja. Ia na porta da minha casa, me chamava para ir na casa dele. Depois arrumei uma desculpa para meu esposo e consegui sair da igreja. Quando a bomba explodiu já não estava mais lá”.

Pastor destituído do cargo

“Bomba” é como a comunidade trata o episódio da reunião em que o pastor foi destituído do cargo. “Até então nem sabia que tinha aquele tanto de mulher que ele tinha mexido”, relata. Sobre não ter procurado a polícia, Marlene justifica o fato de o marido ter dito que o caso estaria encerrado. “Não tive esse apoio. Mas eu gostaria de dizer para os maridos apoiarem suas esposas. Isso ajuda a diminuir a dor que é ter alguém que deveria cuidar das nossas dores, mas causou mais danos ainda”.

Marido de uma cantora gospel e membro da igreja, Carlos – que terá a identidade preservada – lembra que o pastor era um “exímio administrador da igreja”, mas um “psicopata”. Para ele, que acredita no relato das mulheres, o caso é grave e precisa ser investigado.

“Caluniosas”

Procurado pela reportagem, o presidente da Igreja Assembleia de Deus Ministério Jardim América, Juvenil Saturnino Fernandes, enviou uma nota de repúdio. Não repudiando qualquer tipo de assédio, mas o que ele classifica como “notícias envolvendo, de forma caluniosa, a sua diretoria executiva e seus colaboradores”.

Segundo a nota, que trata de um perfil anônimo criado nas redes sociais para denunciar o pastor e possível omissão da igreja, “os comentários divulgados em publicação nas redes sociais, além de absurdas, desrespeitosas, ferem a honra e a integridade moral do presidente e de todos os fiéis”.

A nota afirma que, “quando surgiram os supostos indícios de comportamento inadequado do pastor (diz-se suposto porque ainda não foram concluídas as provas das tais acusações) a diretoria reuniu-se e em ata devidamente registrada em Cartório”. Nesta reunião, conforme a reportagem havia apurado, o pastor foi afastado até que todas as acusações sejam esclarecidas pelos órgãos competentes. A reportagem não conseguiu contato com o pastor Elce Alves Damasceno. (Especiais para O Hoje)

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