Violência obstétrica: mulheres relatam sofrimento durante parto por terem direitos negados

Roda de discussão com especialistas mostra que é possível dar à mulher direitos na hora do parto

Postado em: 06-12-2021 às 08h20
Por: Redação
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Roda de discussão com especialistas mostra que é possível dar à mulher direitos na hora do parto | Foto: Reprodução

Por Alzenar Abreu

Dar à luz a um bebê que venha de forma natural e sem sofrer violência obstétrica é tema de debate pelas equipes de saúde em Goiânia que atuam para Erradicação da Violência Obstétrica no Estado. O assunto é uma das prioridades da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas (SMDHPA), da prefeitura de Goiânia. A violência obstétrica abrange desde a negativa de oferecer acompanhante à mulher na hora do parto até a imposição da forma como a mãe quer ter o bebê: se optar pelo parto normal deve ser estimulada e não desencorajada por profissionais de Saúde ( Veja relato no texto).

De acordo com a secretária da pasta, Cristina Lopes, o assunto ainda é tabu tanto para mulheres quanto para profissionais de Saúde. “Temos vários tipos de violência registrados em acompanhamento de mães parturientes. Desde o desestímulo ao parto natural, até mesmo a sujeição das mulheres a ter o bebê sem acompanhante durante o parto – o que é obrigatório e previsto em lei federal”, diz.

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Um dos pontos em discussão é que, de acordo com Cristina, estudos apontam que o Brasil é o segundo país do mundo em número de cesarianas. Perde, apenas, para a República Dominicana.  No Brasil, esse procedimento perfaz (55%) do total de partos, e o outro país líder, com  58%.

Para a médica obstetra Daphne Rattner, que também é presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento e é doutora em Saúde Pública pela Universidade de Brasília (UNB) os pontos principais que dão direito à mulher gestante são: que ela seja protagonista e participe da decisão sobre como quer o parto; que sejam ofertadas práticas utilizadas, com base em protocolos científicos definidos pelos profissionais que vão assistir essa mulher (caso a decisão da equipe divirja da mãe, principalmente); que o parto seja amparado por uma equipe multidisciplinar (com doula, enfermeira obstetra, e médico – em todo o trabalho de  parto) e o respeito à cultura da mulher. Como por exemplo, se ela for indígena e preferir uma posição específica para dar à luz. 

Essas são as propostas de humanização do parto discutidas entre os profissionais de saúde que defendem, em sua maioria, o respeito à mulher e ao parto natural. De acordo com Daphne, é fato que a cesariana possui maiores complicações no parto. Mas, no Brasil, as cesárias são as práticas mais ofertadas porque é mais cômodo para o profissional executar a cirurgia com hora e data marcadas.  “Um trabalho de parto natural pode durar horas, mas aquela dor passa após o nascimento. Mas a mulher sofre muito menos riscos do que uma cirurgia como hemorragias, erros na aplicação da anestesia, cortes acidentais como perfurações de bexiga ou danos até mesmo ao próprio bebê e ainda o risco da placenta enraizar-se nas cicatrizes da cesária. Nesse caso, no segundo parto, a mãe pode vir a  ter de retirar o útero e não poder mais, ter filhos”, diz.

De acordo com a Fundação Perseu Abramo, a cada quatro mães, pelo menos uma passa por situações de violência obstétrica, entre elas estão a recusa de atendimento, agressões verbais, intervenções e procedimentos médicos não necessários. No entanto, o medo, somado à falta de conhecimento sobre o assunto, atrapalha a existência de denúncias e das discussões sobre o tema, o que pretende ser combatido a partir desta semana de atenção.

 A doula ( que acompanha a mulher em trabalho de parto com manobras de auxílio e conforto corporal), além  de educadora perinatal, Flor de Luz, afirma que a ideia do evento surgiu da sensação de impotência que sentia acompanhando mulheres em trabalho de parto que sofrem todo tipo de violência obstétrica nos hospitais. “Assim, tomamos como responsabilidade o apoio de diversas instituições parceiras da causa para fazer com que a semana se tornasse realidade, uma delas foi a Prefeitura de Goiânia por meio da SMDHPA”, destaca.

Para Cristina, a violência obstétrica sempre foi uma problemática que me chamou atenção.  Ela foi proponente do projeto de Lei que garante a presença de doulas durante o período de parto e pós-parto nos hospitais de Goiânia. “Pela secretária de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas, queremos fortalecer essa luta com a participação e o apoio direto a iniciativas como a Semana de Erradicação. Mobilizar a sociedade goiana com essa pauta é importantíssimo”, afirma Cristina Lopes. 

Protagonista

Ângel Farias, 28 anos, é estudante do quinto período de enfermagem e mãe de Guilherme, 7, Luíza, 5, Miguel, 3, e da pequena Clarisse de apenas cinco meses.  O curso de enfermagem surgiu após o sentimento de proteger outras mulheres contra o sofrimento desnecessário antes, durante e após o parto. “Minha luta pelo parto normal foi desde a primeira gestação.  Eu sempre falei para o médico que queria. Fui para o trabalho de parto e tive dilatação total para ter o bebê. Porém, como não me passavam em que fase estava a evolução, chegou um momento que falei que não aguentava mais. Daí me fizeram uma cesariana. A questão é: o médico sabia que eu queria o parto normal. Porque não me incentivou, já que estava tudo bem, e estava muito perto.Faltava muito pouco. Fiquei sem informação”, conta. 

Na luta pelo sonho de ter um bebê via parto normal ela, por fim, conseguiu após as duas cesárias, ganhar o pequeno Miguel. “Sabia que poderia. Tanto que quando eu vi o rostinho dele a primeira coisa que disse foi para meu marido: “Viu, eu consegui”, conta.

Ângel diz que em outras ocasiões foi maltratada. Após o segundo parto vomitou e pediu ajuda. A qual foi negada no hospital. “Hoje eu sei que existe, sim, medicação, para ajudar a mulher que passa por isso. Para dar conforto”, conta. 

Porém, mais traumático para ela à época, foi quando nesse parto ele teve negada a presença do marido na sala. “Por esse motivo desencadeei um processo de depressão pós-parto. Mas graças a Deus, superei. E hoje, trabalho, estudo e tenho meu esposo e minha sogra que me ajudam com as crianças. Quero especializar-me em obstetrícia. Porque sei o que sofri e quero ajudar outras mulheres que passarem pelos meus cuidados”, diz Ângel, mais uma defensora do direito das mulheres à humanização e respeito desde a gestação até o pós-parto.

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