Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Adoção tardia: uma nova história para crianças e adolescentes

Goiás tem mais de 1.800 crianças e adolescentes que vivem em abrigos à espera de pais disponíveis para o amor

Postado em: 28-12-2021 às 07h31
Por: Redação
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Goiás tem mais de 1.800 crianças e adolescentes que vivem em abrigos à espera de pais disponíveis para o amor | Foto: Reprodução

Por Augusto Sobrinho e Maria Paula Borges

O processo de adoção gira em torno de diversos aspectos burocráticos e de preconceito em relação à faixa etária. Ao iniciar a longa caminhada enfrentada para finalizar esse processo, muitas pessoas buscam crianças ainda recém-nascidas, sendo essas as mais “disputadas”, deixando de lado as de maior idade. Porém, conforme levantamento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), a realidade dessas crianças e adolescentes têm mudado.

De acordo com o TJ-GO, o número de adoções de crianças e adolescentes em 2021 cresceu se comparado aos últimos dois anos. Enquanto, em 2019 e 2020, foram realizados 32 processos por ano, até novembro deste ano, já foram totalizados 35 processos. Um pequeno progresso que pode crescer ainda mais se pais adotantes deixarem de lado preconceitos entorno da adoção tardia, termo usado para os processos com crianças com mais de cinco anos.

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A diretora do Grupo de Apoio à Adoção e Convivência Familiar em Goiás (Conviver), Elita Paula Almeida Soares, destaca que o Estado tem mais de 1.800 crianças e adolescentes que vivem em abrigos à espera de adoção, enquanto existem cerca de 5 mil pessoas e famílias que desejam adotar. De acordo com ela, é uma conta que não fecha e que a questão não se resolve facilmente por diversas razões.

Elita afirma que muitas famílias desejam adotar recém-nascidos, outras estabelecem limite de idade de até sete ou oito anos e algumas querem adotar apenas uma criança e existem casos de dois ou três irmãos que precisam continuar juntos. “Essas condicionantes dificultam as adoções, mas procuramos sempre mostrar aos interessados a realidade dos abrigados, a necessidade e importância dessas crianças crescerem no seio de uma família”, enfatiza.

Além disso, o casal Marielle Santos e Gleidson Henrique Silva, que fazem parte do Grupo Conviver, destacam que o Curso de Preparação Psicossocial e Jurídica (PPJ) é uma etapa primordial no processo de adoção. “É um aspecto legal do processo de adoção, ele tem que acontecer. Nele, nós descobrimos que quanto menor a idade mais temos ficaríamos na fila de espera e, por isso, ampliamos a faixa etária”, afirma o casal ao lado do filho, Gabriel, de 9 anos.

Um novo futuro

A juíza titular do Juizado da Infância e da Juventude, Maria do Socorro de Sousa, explica que o processo para adoção tardia, termo usado para o processo com crianças com mais de cinco anos de idade, não tem diferenças das demais. Entretanto, segundo ela, para a criança é um processo muito mais delicado, pois “a criança já não tem mais esperança de ser adotada, a família não se interessou, foi abandonado ou estava em uma situação de maus tratos tão grande, que os pais biológicos perderam a guarda. Então, quando ela é adotada é um horizonte novo que se abre para aquele adolescente”.

Para ela é um privilégio trabalhar com essa causa. “A partir do momento em que eu dou aquela sentença que autoriza a adoção, estou traçando um novo rumo e um novo destino para a vida daquela criança. A diferença entre um promotor e um criminoso é o lugar onde ele nasceu. Você e eu somos o que somos, pois nascemos em determinados lugares, nos deram certas oportunidades, recebemos afeto e estímulos para sermos o que somos hoje. Então, cada adoção são portas que se abrem e é um novo futuro e uma nova histórias para eles”, conclui a juíza.

“A adoção é um ato de disponibilidade para amar”

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, o significado de família está relacionado às pessoas que possuem grau de parentesco, vivem na mesma casa e, tradicionalmente, é formada pelo pai, a mãe e os filhos. Entretanto, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), desde 2005, este padrão deixou de ser maioria nas casas brasileiras. Por um lado, apenas 42,3% dos lares pesquisados possuem esse perfil tradicional, contra 50,1% que são de outros arranjos familiares.

Entre essas novas configurações familiares estão aquelas que possuem pais adotivos, como por exemplo a família da Débora Orsida e do Evangelista Farias, ambos com 46 anos de idade, casados há 14 anos. Impedidos de terem filhos biológicos, em agosto de 2012, ingressaram no Conviver e, em julho de 2013, já estavam habilitados para adoção conforme o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).

Após uma espera de quase um ano, em 2014, Débora e Evangelista decidiram aderir a adoção tardia, termo usado para o processo com crianças com mais de cinco anos de idade. “No dia 10 de outubro de 2014 nós decidimos ampliar a faixa etária e, no dia 17, nos ligaram da comarca de Belo Horizonte. Em dez dias eu entrei em trabalho de parto, minha bolsa estourou e foram dez dias de trabalho de parto. No dia 26 nós conhecemos nosso primeiro filho, o Lucas, com seis anos e meio, foi um amor sem explicação”, relata a mãe.

O amor foi tão grande que o famoso Lucas, “um pretinho lindo, maravilhoso, dos olhinhos de jabuticaba e o sorriso doce”, como fala a mãe dele, queria dividir o carinho com um irmão. Mas, para a alegria da família, a “irmãzinha” do Lucas veio em dobro. Em fevereiro de 2019, chegaram à família Brena com 12 anos e Bianca com 5 anos, que são irmãs biológicas. “Um amor que foi brotando”, salienta Débora. Eles contam que as crianças serem mais velhas não foi um problema e que os desafios não superam “ver eles tendo sucesso”.

“As pessoas falam para adotar bebês para ter as primeiras vezes com eles, mas tudo é uma primeira vez. A primeira vez que eu levei para a escola, a primeira vez que eu cortei o cabelo deles e quando a Brena começou a gostar de um menininho e quis dar o primeiro beijo. Então, as primeiras vezes só são diferentes, não temos o primeiro chorinho de quando sai da barriga, mas temos a primeira desilusão amorosa. As descobertas são muitas e o aprendizado é constante. Muito além de se preocupar em ensinar como vão se sentar ou como comer, é o quanto eles estão disponíveis para poder nos aceitar como pais”, narra Débora.

O casal destaca que o PPJ é importante para a preparação dos pais adotantes e contribui para a formação da família. Ideia também nutrida pela psicóloga mestre em Ciências da Família, Analice Vinhal, que já atuou na equipe psicossocial do juizado de Goiânia. Ela afirma que o ato da adoção é uma expressão de amor, pois os responsáveis se disponibilizam afetivamente para serem pais e mães.

“Existe um tabu de que crianças menores não terão influência de valores da família biológica, mas isso é algo trabalhado no curso, pois o afeto surge em qualquer contexto. A gente não nasce amando, a gente aprende e isso tem muito mais relação com disponibilidade afetiva. Então, se as famílias conseguirem entender que o amor é construído nas relações, isso mudaria esse tabu e as estatísticas de quererem adotar somente crianças pequenas, como se não fosse possível amar adolescentes. O que manda no processo de adoção é o afeto e não a idade ou as condições que as pessoas têm. Eu entendo a adoção como um ato de disponibilidade para amar”, finaliza Analice.

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